A Empregada

 
Levantou-se cedo da rede armada no quartinho de velharias. Sentia-se adoentada mas o serviço a esperava.
Vestiu o uniforme azul listrado, apertou o avental na cintura jovem e foi preparar o café para as crianças.

As crianças. Eram três, graciosas, amáveis, inteligentes. A mais velha era muito linda e sensível. Estava a entrar na adolescência e gostava de moda. Queria andar sempre na moda. Fazia ballet. Um pouco calada.
Quando tinham dúvidas sobre as matérias da escola perguntavam à empregada. Ela sabia responder quase tudo. Quando a mais velha quis ir à Disney ela deu uma aula sobre a região, Flórida, Orlando, noções de inglês. Nunca tinha viajado a não ser nos livros, os melhores companheiros de viagem e de vida.

De noite ela escutava um vinil do Elton John na vitrola velha ou lia alguma coisa de Fernando Pessoa. Às vezes quedava pensativa, ouvindo o trinar do seu sino de vento. Naquele andar do prédio o vento falava com ela, uivava, cantava. Ele a amava. Entrava pela janela com alvoroço, erguendo lençóis, fazendo brincadeiras para ela sorrir. Ela não sorria. Mas também não era infeliz. Seguia o curso dos dias e das noites qual elemento inerente à Natureza, lavava, passava, cozinhava, limpava as vidraças com esmero não obstante pusesse sua vida em risco ao dependurar-se na tela de proteção das janelas. Mas ficavam muito lindas e transparentes através das cortinas róseas dos quartos das meninas.

Estava meio doente. Mesmo assim foi dormir tarde porque precisava passar os uniformes das crianças, o dia seguinte seria uma segunda-feira.
Esquecera-se da blusa do pequeno? Talvez. Ou talvez só tivesse posto em outro lugar.
Após tirar a mesa ela foi colocar as roupas na máquina. Nunca se esquecera dos primeiros dias, sentara-se à mesa com as crianças e a dona da casa mandou que ela levantasse. Empregadas não se sentavam à mesa com os patrões. Uma boa lição a se aprender.

Colocou o sabão em pó, o amaciante, as roupas. Em silêncio, como era do seu feitio.
Mas calhou de aquele dia ser de nervosismo para a patroa. Ela entrou na cozinha irada, perguntando pela farda do pequeno, acusando-a de não fazer o serviço direito. Ela tentou argumentar mas os gritos da patroa eram mais altos. Limitou-se a chorar enquanto a mais velha dizia "mãe, para de gritar com a menina!"

Depois que todos saíram ela limpou o apartamento, preparou o almoço das crianças, pôs a mesa e fez as malas. Quando a patroa chegou encontrou-a sentada à mesa da cozinha. Pediu que ficasse, que as crianças gostavam dela, que ela as protegia como se fossem suas. Depois revistou a sua mala para certificar-se de que ela não estava roubando nada.

Chamou o elevador de serviço enquanto a patroa batia a porta com força. Haveria outra empregada e outra e outra mas e ela?
 
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 24/09/2015
Reeditado em 24/09/2015
Código do texto: T5392987
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