ALBINO CATEDRAL

Albino levanta bem cedo, quer esquecer-se das últimas horas. Jaqueline dissera:

_ Se não tem bom salário, não caso. E como se desfizesse o compromisso, ficou girando a aliança com o indicador e o polegar.

Eles se amam, dizem um para o outro sempre:

_Te amo.

Ela fala mas resguarda a condicional “se”. "Se" tivermos onde morar bem, "se" você ganhar uma promoção, "se" sua mãe ficar no canto dela, "se" a Claudinha largar do seu pé, "se" esquecer dessa bobagem de fazer moda fazendo cinto, bolsa e bijuteria.

_ Você não leva jeito, é homem. Tem que investir na imobiliária do meu pai, isso dá dinheiro. Conclui fazendo o rapaz curvar-se, como se tivesse um Cristo Redentor nas costas. Albino vai completar vinte e oito anos.

A noite mal dormida reclama, sob as pálpebras uma sombra. Albino resolve passar o café. Será tudo que pode resolver hoje.

Açúcar na água, água do pote no fogo, uma, duas, três e mais uma medida de pó porque quer forte o café.

Um tempo para cada coisa.

Esperar a fervura demora mais que a mão dele a encontrar as coxas de Jaqueline ontem. “Merda, ferveu”.

Os olhos vidrados do noivo, que passou a noite remoendo seu destino, estão na parede branca do fundo do jardim de inverno. Ali, dois Manacás foram plantados e a esperança de que floresçam é uma pergunta: “o que fizeram de todas as flores?”

É um primeiro buquê o que consome Albino estar ali. Uma borboleta vem e não pousa nos talos de cavalinha porque ali não há cores, apenas tons de verde.

_É isso!

Albino? Que disse?

_É isso, não é possível!?

Albino...

Nada mais moderno e clássico e natural.

A cavalinha é uma estrutura esguia, de poucas variações de verde que se ergue até não mais se sustentar para depois inclinar com uma corcunda de leve ondulação. Expõe essa espécie de dorso. Dali vêm, como agulhas, linhas de Gaudí. Novas hastes, hirtas e leves. Gomos que se alinham a partir de um elo que lhes dá sentido. Ocas estruturas, formas vazias, verdes. Arquitetura prodigiosa do criador destes mundos. Singela demonstração de força, sabedoria e graça.

Albino...

Albino se ergue, levanta do banco recostado à parede maior que cerca o jardim. Olha para o céu, as nuvens agouram temporal.

_É maio, não chove...um banho acorda para o dia. Ele decide.

Albino...

Enquanto se banha sente o perfume do alecrim. "Água lava tudo, menos o orgulho". Albino pensa na mãe, em Jaqueline, pensa no que é moda e arte, pensa que não está pensando. Pensa que é outra pessoa que fala por ele.

Albino...

_ As hastes da cavalinha apontam para o céu...

O céu não existe, Albino...

_ A estrutura em seu conjunto é uma catedral...

Albino...

_ Como é bom estar limpo depois do banho. Estar em mim, aqui agora...

Alb...

Já saiu, e nem se deu ao trabalho de ouvir um conselho.

O rapaz parece renovado, tem aura desproporcional em relação a figura do corpo. Visto daqui, qualquer desavisado diria que Albino tem estampado na pele outra pele. Diria que o conjunto da figura lembra uma catedral.

Antônio Baltazar

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 02/10/2015
Reeditado em 14/04/2018
Código do texto: T5401650
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