"This could be the end"

E como de costume, ele se sentia perdido, não via muitas perspectivas para a sua vida desde aquele dia no antigo Pub que costumava frequentar com Alícia. Uma súbita vontade de sair sem destino o tomou e então se levantou do papelão em que estava deitado, jogou os trapos de cobertas que ainda lhe restara, juntou as moedas do velho chapéu jogado na calçada e saiu caminhando sem rumo.

Sentiu-se cansado depois de caminhar por 2 horas, já estava escurecendo. Fazia alguns dias que não se banhava e não cortava a barba e o cabelo, porém, sua feição ainda era apresentável, apesar das olheiras imensas. Seus trajes eram de grife, mas estavam surradas e sujas, pois não as trocava há dias.

Quando a noite caiu, sentiu-se obrigado a parar de caminhar e entrou no primeiro bar que viu. Um lugar meio termo, não muito sofisticado, mas também não muito largado. O bar ainda estava abrindo, as mesas de sinuca vazias e ao fundo do salão alguns instrumentos distribuídos. "O sr. apareceu em um bom dia, hoje tem show" sussurrou uma voz feminina do outro lado do balcão, era Jamie, a garçonete. Ele a tratou com indiferença e pediu uma dose de uísque, do mais barato e sem gelo. Ela sorriu e lhe entregou sua dose. "Tudo bem, se prefere assim. Espero que saia daqui melhor do que está agora" completou Jamie e saiu.

Ele tomou o uísque em um só gole e no mesmo momento começou a sentir uma dor de cabeça muito forte e tudo a sua volta parecia girar então se debruçou no balcão e apagou por alguns minutos. Tempo suficiente para recordar o dia em que perdeu Alícia. Na sua memória vinham imagens do acidente, causado após uma briga intensa, começada no antigo Pub que frequentavam e continuada dentro do carro. Dentre as ferragens daquele Celta, já todo deformado após capotar penhasco abaixo por cerca de 17 metros, ele só conseguia olhar para Alícia, já sem batimentos e muito machucada. Tentou se livrar do cinto e das ferragens que o prendia, mas foi perdendo a consciência gradativamente e de fundo ouvia uma música tocar no rádio, mas não a identificou.

De súbito ele acordou ai ouvir o som da bateria que vinha do fundo do salão. Notou que o bar estava cheio naquele momento, com pessoas bebendo e se divertindo, alguns casais aqui e outros ali, jogando sinuca. Tudo aquilo o atormentava. Ao som da bateria somou-se o de uma guitarra desafinada, era uma banda que fazia covers de outras bandas, bem amadora. De repente começaram a cantar.

"I don't want the street lights

Laughing at the grave

He swears he's gonna give it up

It's never gonna be enough"

Ele ficou ainda mais atordoado ao ouvir, aquela música de alguma maneira o perturbava, mas não entendia o porquê. Pediu a Jamie mais uma dose de uísque. "Você está bem? Não acha melhor parar?" Disse ela delicadamente, mas ele deu de ombros e gritou "traga logo meu uísque". Ela o fez. Novamente, ele tomou em apenas um gole. Tudo girou de novo.

A banda continuava a cantar.

"This could be the end

This could be the end

This could be the end

This could be the end"

Aquela música foi penetrando sua mente e então ele surtou ao perceber que era a mesma música que tocava naquele Celta, todo destruído e com Alícia já sem vida. Sua mente ficou ainda mais conturbada, ele pegou o copo de uísque, já vazio, e atirou em uma das mesas de sinuca e saiu correndo daquele lugar.

"This could be the end" ele ficava repetindo, já sem ouvir mais nada a sua volta, com a cabeça fervilhando de memórias do acidente, de Alícia e de toda a briga que tiveram no Pub e dentro do carro, minutos antes de tudo acontecer.

Ouviu um "espere aí, você não está bem" de longe, mas agiu com indiferença e saiu pela rua correndo, repetindo "this could be the end".

Ele estava totalmente transtornado, ficava repetindo a mesma coisa, como se realmente quisesse que aquele fosse o fim de tudo. Corria dentre os carros daquela rua, movimentada naquele momento. "Não faça isso" gritou Jamie. Ele a olhou de longe, por um momento, a feição dela parecia com a de Alícia e ele ficou paralisado olhando-a. De repente, um motorista alcoolizado o atropelou, o impacto foi muito forte e ele caiu na calçada.

Jamie se aproximou e viu que ele ainda estava consciente e repetindo as mesmas palavras "this could be the end". Jamie pegou as mãos dele, que foram ficando geladas e seus batimentos diminuindo lentamente. E então ela disse "esse não precisa ser o seu fim". Aquela voz doce de Jamie ficou na mente dele, que mesmo assim, não parava de repetir o trecho da música "this could be the end". Foi fechando os olhos lentamente enquanto segurava as mãos dela, e de súbito, adormeceu nos braços de Jamie.

Acordou horas depois, no leito do hospital, com alguns tubos conectados em seu corpo, uma máscara de oxigênio o mantinha respirando. Olhou a sua volta e viu de longe Jamie, na sala de espera ao lado de fora. Logo chamou a enfermeira para perguntar o que havia acontecido.

"Você sofreu um grave acidente. Acalme-se, agora está tudo bem”. "Esse não precisa ser o seu fim" ficava martelando em sua mente, lembrando-se da doce voz de Jamie. Logo adormeceu novamente por conta dos medicamentos.

Horas depois, já consciente, acordou e pediu que deixassem Jamie entrar para visitá-lo. A enfermeira fez que sim com a cabeça e saiu, dando espaço para que Jamie entrasse.

"This could be the end" ele disse. Jamie sorriu, pegou a mão dele e disse "Não, este não poderia ser o seu fim. Esse é apenas um novo começo. Esquece essa música, vou te ajudar com isso". Nesse instante, ele percebeu que estava completamente descompensado mentalmente no momento em que entrou naquele bar e fez tudo aquilo.

Percebeu que as lembranças que tinha que guardar de Alícia era apenas as boas, pois nada que fizesse o faria voltar no tempo e trazer ela novamente. Ao sentir o caloroso toque de Jamie em suas mãos, foi como se acordasse de um sono profundo no qual tinha ficado por meses.

Aquele dia, naquela sala hospital, com a ajuda de Jamie foi um divisor de águas na vida dele, que recomeçou dali em diante. E aquela frase "this could be the end" já possuía outro sentido para ele, que via o fim dele em Jamie dali para frente, dando início a um relacionamento que duraria por anos e anos.

Conto Inspirado na música The End da banda Kings of Leon.

Caio Barros
Enviado por Caio Barros em 13/10/2015
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