Amizade – Uma história de vida

Eu acho um pouco difícil escrever algo real sobre essa palavra muito pouco valorizada e tratada algumas vezes com displicência. Pensei que tinha o conhecimento necessário para quem sabe um dia, escrever algo que pudesse saber traduzir na existência sua verdadeira essência, mas ultimamente eu só a vejo ela ser vencida pela falsidade e o excesso de egoísmo do ser humano.

Já passei por diversos tipos de amizades, mas nunca a verdadeira amizade daquelas em que mesmo nos piores e mais obscuros caminhos e momentos em que a outro estiver passando ou vivendo, uma palavra, um gesto, um abraço, uma demonstração de confiança para aliviar a dor ou até mesmo iluminar o momento de dificuldade em que é normal passarmos. Pro outro lado na hora em que estamos bem em todos os aspectos, em um momento em que estamos no mais elevados êxtase pessoal, na mais elevada estabilidade profissional em que caminhamos com nossos próprios pés em passos longos e certeiros, aparecem do nada em diversas direções “amigos” e “amizades” de todas as formas possíveis e até mesmo impossíveis de existir. O seu corpo torna-se um imenso imã da amizade, que no centro está rodeado de parafusos chamados naquele momento de amigos que grudam de tal forma em que começam a fazer parte do seu cotidiano e do seu grande momento. Como a vida não é eternamente um belo jardim repleto de rosas, alguns espinhos desses galhos podem causar danos maiores a sua vida e ao seu grandioso momento de supremacia. Num piscar de olhos tudo se transforma em algo complicado e cheio de barreiras, aquelas antigas e fáceis decisões tornam-se mais complexas e sérias de serem tomadas e um simples erro pode custar anos de dedicação jogados pela janela. Nessa hora as primeiras pessoas que vem em nossa mente são aquelas que nos acompanharam no passado, estiveram sempre presentes ao nosso lado sorrindo e se divertindo, mas agora o momento está oposto e essa felicidade já não existe mais, vai embora e dá lugar a preocupação e a aflição toma conta da situação. O medo torna-se parte do meu dia a dia. Ué, cadê os meus amigos? Tento falar com eles, mas dizem que não tem tempo pra sair e conversar comigo, antes tinham tempo e passavam horas, até dias ao meu lado e porque agora eles não têm? Por quê?

Agora sim sinto minha cabeça entrar em uma confusão generalizada, além dos problemas que já tenho, na hora em que preciso apenas desabafar, preciso apenas de um conselho, um abraço, nenhum desses velhos amigos podem estar presente. Ninguém tem tempo para conversar comigo. Que amigos são esses que na hora em que mais preciso deles não posso contar. A tristeza agora me domina por inteiro meu coração e aquela luz de esperança que restava estava se apagando e a solidão pouco a pouco está tomando conta da minha vida. Meus familiares e meus amigos se afastaram de mim e agora as minhas noites de sono em baixo de uma coberta quente, numa cama macia e confortável, transformaram-se em noites mal dormidas na calçada do centro da cidade, me cobrindo com jornal, bebendo conhaque para afugentar o frio e brigando com os cachorros, gatos e pombos por um pedaço de pão.

A vida na rua é triste e só quem passou por isso pode saber traduzir o que é passar por isso e hoje sei o que é realmente ser deixado de lado na hora em que mais se necessita e acabar entrando em depressão. Já tentei o suicídio por três vezes consecutivas, mas os meus amigos de rua me salvaram. Aqui na rua nada é fácil e as pessoas nos tratam com muito desprezo. Tem dias em que consigo algo pra comer, mas existem outros em que passo dias ou semanas sem comer. Para suportar e enganar a fome o uso das drogas é inevitável mesmo sabendo que isso não me fará bem. Ontem um senhor que estava passando por perto do banco da praça onde eu fico me viu no estado em que me encontrava e me pagou um café da manhã. Graças a Deus depois de meses pude comer algo que não fosse do lixo e que pudesse aliviar a fome, que é algo que não desejo á ninguém, nem mesmo ao meu pior inimigo. Hoje o dia está sendo horrível, está uma forte chuva e um vento forte, estou todo molhado e tremendo de frio. Já passa da meia noite e o melhor a fazer é procurar um lugar para me esconder da chuva até que ela passe. Na manhã seguinte ao acordar fui ao beco procurar meus amigos da rua, chegando lá, encontro um dos meus amigos passando mal, pois não comia há semanas me disseram que os seus únicos “aperitivos” durante esses dias estavam sendo as drogas e o conhaque. Ele estava pálido e gelado parecendo uma pedra de gelo, da sua boca saia uma espécie de gosma branca e os seus olhos estavam esbugalhados. Corri para a rua a procura de ajuda e fui ignorado por todos os quem solicitei ajuda, tentei parar o carro de polícia, mas o guarda desviou o carro. Depois de algumas horas tentando voltei ao beco sem nada ter conseguido, mas já era tarde, ele havia falecido ali mesmo. As minhas lágrimas começaram a descer continuamente por meu rosto, a raiva e a tristeza tomaram conta do meu coração. Os meus amigos da rua ainda tentaram reanimá-lo com respiração boca a boca e massagem no peito, mas tudo em vão, pois ele não resistiu. Ao ver aquela cena revoltante, muitas imagens em forma de flashes tomaram conta do meu pensamento e naquele momento um grande sentimento que jamais pensei em sentir se apossou do meu coração, estava parecendo que o mundo estava desabando na minha frente e eu nada podia fazer para evitar.

As semanas após esse acontecimento não foram ás mesmas, percebi o quanto a vida é frágil e que o ser humano não a valoriza suficiente e que a ganância é a pior condenação.

Não como á duas semanas e estou começando a ficar fraco e o meu estômago dói. A pinga e cocaína que me ajudavam a aliviar essas dores acabaram. Não posso ir buscar mais cocaína, pois estou devendo aos traficantes, se eu for sei que não volto vivo de lá. Não tenho força para me levantar e o dia está parecendo noite. Ouço uma voz aparentemente conhecida, olhei para o lado e vi que era um dos meus amigos do beco que veio me ver, ele falava comigo, pedia para que eu levantasse, mas eu não tinha forças para me movimentar. Senti um aglomerado de pessoas ao meu lado, escuto um barulho forte, uma sirene que não conseguia reconhecer se era de polícia ou ambulância. Um homem se aproximou de mim e começou a tirar minha camisa e tentou conversar comigo, pediu que eu me acalmasse. Perguntou o meu nome, mas eu não consegui responder, meu corpo estava paralisado eu mal conseguia mexer minha mandíbula. Colocaram-me em uma maca e me levaram para dentro de um carro grande cheio de aparelhos, a minha respiração está ficando fraca e já não tenho mais forças para inspirar. A tontura piora e sinto meu coração bater lentamente. Começam a colocar um monte de coisas em meu rosto, parecia uma mascara, me furaram com uma agulha e novamente ouvi alguém falar comigo, mas novamente não consegui responder. Senti o carro parando e muitas vozes altas, me tiraram daquela maca e me colocaram em outra que se movimentava rapidamente. Passei por diversas portas e parei em uma sala debaixo de um monte de luzes. Senti alguém apertando o meu peito, senti mais picadas no meu braço. Colocaram algo sob meu corpo que dava um grande choque e fazia meu corpo balançar.

Andando em um caminho escuro vi uma grande luz e caminhei em sua direção, avistei um lugar muito bonito, repleto de flores, pássaros e árvores. Ouvi alguém me chamando, olhei para o lado e era o meu amigo de rua que havia falecido na semana passada. Ele estava bem vestido com uma roupa toda branca e sua aparência era jovial e bonita. Ele disse que estava me esperando. Dei-lhe um forte abraço e pedi desculpas por não ter conseguido ajudá-lo e com um sorriso bonito me respondeu:

- Não foi culpa sua, você fez o que pode o que estava em seu alcance, obrigado! Foi melhor assim, pois estou em lugar melhor aonde eu posso viver mais tranquilamente minha vida e descansar em paz. Eu vim até aqui para recepcioná-lo e te levar pra lá. Vamos logo, pois temos muito a conversar. E ele estendeu a mão em minha direção e com um sorriso estendi a minha ao de encontro da dele... Aumente a carga ou vamos perdê-lo! Afastem-se... Mais uma vez... mais uma vez. Ele não está reagindo doutor! Vamos meu amigo você precisa reagir. Vamos! Sinto muito, mas ele não reagiu. Horário do óbito: 23h00minhs.