A natureza humana.

Nem sempre pode se ter tudo. Na verdade, nunca se pode ter tudo. Não há ou se quer houve algum dia ser humano capaz de aplacar todos os desejos, satisfazer as necessidades do bicho e da alma que coexistem num mesmo ser. Talvez seja essa a grande revelação divina, uma piada celestial. A eterna incompletude, aquele sentimento angustiante que nos move a cada dia na busca do impossível, a plenitude.

Ninguém está ileso quanto a isso. Nem o mais conformado, nem o mais abastado. Somos essencialmente insaciáveis. O que me pergunto é de onde vem essa sede: dos instintos primitivos que residem em cada fibra muscular, em cada partícula que materializa esse corpo? Ou seria a própria essência, o próprio espirito que constitui aquilo que nos torna algo que supera a própria natureza do mundo, essa capacidade de transformar a realidade.

Quando fecho meus olhos vejo essa angustia na figura de um homem. Como um herói bravo de historias de aventura, eu o vejo dentro de um velho templo, desses que apenas os destemidos personagens da ficção podem encontrar, talvez sob uma metrópole moderna, abarrotada de pessoas e toda sorte de coisas high tech. Enquanto a vida moderna fervilha na superfície, uma antiga e esquecida morada de deuses pagãos sobrevive ao tempo nas profundezas do subsolo.

Um tremor invade todo o salão. Pedregulhos despencam do teto de rocha, ecoando um murmurar tenebroso através daquela enorme galeria da natureza. Nosso herói havia despencado de alguns metros, estava ferido.

Porém ele esta próximo do seu grande achado, uma bela e irresistível joia, uma peça rara de jade que personifica toda a força de um velho deus. Com suas formas tão bem acabadas, um brilho que talvez só uma pedra divina pudesse imitir, uma beleza austera que parece revelar todo seu poder, ainda que ele nunca possa dizer ate que a tenha em suas mãos e se de fato ela o levara para caminhos que nenhum homem ousou chegar. Do outro lado sua mochila, a garantia da sua sobrevivência, onde há tudo aquilo que necessita: agua, remédios, ataduras, alimento, seus matérias para a pesquisa, mapas, enfim, tudo aquilo que necessita para sua segurança.

Uma grande roleta russa. O tremor se intensifica, a chuva de pedras aumenta. Nosso herói sente a dor insuportável atravessar todo o corpo, talvez haja fraturas, talvez algo pior. Ele range os dentes. Não há garantias que caminhar em direção a mochila haverá realmente a garantia de sobrevivência, e o mesmo reflete quanto caminhar – ou tentar caminhar – em direção do seu achado. Quem sabe ele já estivesse destinado a morrer ali, diante de algo tão belo e enigmático, uma tragédia patética que já arrebatou os mais ousados, e talvez ele fosse mais um que entraria nessa invejável lista dos que perecem na praia depois de atravessar todo oceano a nado.

Como quase tudo na vida, não a certezas para nosso herói. A somente a ânsia de que a mochila estivesse em suas costas e a pedra nas mãos, e enquanto admirasse sua beleza, enquanto tocasse sua superfície e sentisse sua força ele caminhasse calmamente para a saída em direção à luz. Ele queria tudo, mas quem sabe o que poderá ter? E sabendo não poder ter tudo, o que escolher? A pedra? A mochila? A vida não é tão logica, e diante de uma caverna a desabar, e um corpo machucado, como encontrar a escolha mais logica? Como interpretar as vontades do coração?

Talvez os deuses gargalhassem diante da incerteza que é o existir para os mortais. Simplesmente porque qualquer escolha seria a escolha certa.