VELÓRIO

De repente estou em um velório. Não importa quem é, todos vamos morrer mesmo. Não entendo a lógica dos velórios. Se é algo totalmente triste, depressivo e ruim, porque muitas vezes duram quase 24 horas?

Ninguém merece permanecer num ambiente desse por tanto tempo. Deveriam durar no máximo 4.

E esse aqui as pessoas estão realmente tristes, muitos choravam.

Eu permaneci de longe e tranquilo e não via a hora disso acabar. Num canto havia café e bolachas para quem sentia fome, que incrivelmente eu não sentia.

O padre chegou logo depois e começou a oração. Fez grandes elogios ao defunto. Todos fazem... Foi uma oração rápida e logo todos voltaram a lamentações. Estava um clima muito ruim.

Vejo alguns colegas meus em um canto e fui puxar conversa com eles. Acho que não quiseram conversar comigo, estavam muito abalados. Continuei lá, de longe. Caminhei um pouco para o lado e ouvi de soslaio uma conversa de umas mulheres, de praxe muito desinteressante.

Não estava lotado. E a igreja em que estava acontecendo o velório não tinha capacidade para suportar muitas pessoas. Era uma igreja simples, com quadros ilustrando as paredes. No alto, uma grande cruz.

O altar era de mármore, mas não estava no centro, pois este pertencia ao simples e muito caro caixote madeira. Ao lado, uma mulher, que não consegui ver quem era, chorava desesperadamente.

- Olá - ouvi.

Ao virar vi um homem com uma calça jeans e camiseta branca. Um pouco velho, cabelo curto e barba cheia. Não o conhecia.

- Oi - respondi sem excitação, não queria uma conversa com um velho desconhecido.

- Tudo bem?

- Sim. - eu realmente não queria conversar, mas quando comecei a sair de perto ele disse:

- Triste, né?

- Sim, muito triste - disse ao me virar para ele.

- Sabe, faz algum tempo que estou reparando em você. Não parece estar triste - ele perguntou.

- Você é um bom observador. Não fico muito triste com mortes mesmo. - Acredita no céu?

- Não.

- Interessante.

- Você acredita? - perguntei.

- Acredito que nesses momentos é válido acreditar.

- Mas isso não faz ele existir.

- Mas como explicar, por exemplo para aquela mãe desesperada, que nunca mais verá o filho.

- Justamente por causa disso que não acredito. O céu foi criado para confortar as pessoas nesses tipos de situação.

- Você parece muito decidido. Mas nesses assuntos é perigoso ter certeza. Você não admite que talvez possa existir algo após a morte?

- Talvez.

Após um silencio constrangedor ele disse:

- O fato é que realmente existem pessoas que não merecem morrer.

- As pessoas morrem.

- Mas seria tão desinteressante, a vida é tão curta para termos somente uma.

- Talvez. Confesso que quero viver bastante antes de morrer.

- Se o céu existir você poderá viver muito mais - ele sorriu.

- Prefiro viver sem esperar por isso.

- Talvez você tenha razão. Viver esperando o céu é desinteressante.

- Estou começando a gostar de você.

- Mas no fundo existe razão nisso, que graça tem viver sabendo que há uma vida eterna no fim.

- Melhor viver sem esperar por isso. Se no final existir e eu for para lá, ok.

- E se você for para o inferno? - ele perguntou.

- Bom, acho que o diabo não ia me curtir muito. Não faço mal pra ninguém - demos risada.

- Você é um cara legal. Nos veremos novamente. Mas antes acho que você deveria ir dar uma última olhada - disse olhando para o caixão - todos repararam que você ainda não foi lá ver e o velório está acabando.

- Ok. Gostei de você, espero vê-lo novamente.

- Uma última coisa. Sabe aquele homem no canto?

- Onde?

- Aquele ali atrás, com uma camiseta vermelha.

Olhei bem disfarçadamente e vi.

- Sei.

- Não de atenção a ele.

- Tá - não questionei esse comentário, estava entediado. Queria ir embora.

Então, caminhei em direção ao altar. Não havia restado muitas pessoas, talvez só os familiares e amigos mais próximos.

A mãe continuava lá, quase deitada junto com ele e chorando muito. Cheguei próximo ao caixão e... Caralho... Como assim...

Então tudo começou a fazer sentido. O rosto, pálido e branco que recebia as lágrimas da mãe, era o meu. A mãe era a minha, os familiares e amigos eram meus.

E o cara com a camiseta branca?

Encontrei logo depois.