Serpentário

Ele burla a superfície solar como um prego enferrujado. Ele pula e grita e chora e transa como um sapo no rio em meio ao vento frio de um outono qualquer. Ele sabe o que quer, ele sabe o que quer. Mas sempre

tem de estar onde não quer e fazendo o que não quer e fingindo gostar de alguém que no fundo ele não quer gostar e sentando atrás de uma mesa insípida e olhando pra um rosto ainda mais insípido e dizendo

que é apto ao emprego muito mais insípido do que tudo isso junto. O celular toca, som de mensagem ou alguma porra. Ele não vai ceder, ele não vai levantar desta cadeira pra vê do que se trata pois agora ele

está escrevendo e escrever talvez seja a única coisa que ele saiba fazer e ele quase não tem tempo de faze-­lo, portanto, ele continuará como está: escrevendo. As cores do arco-­íris são tão belas quanto uma

manhã solitária e uma mensagem inesperada da pessoa que você simplesmente adora junto a um depósito de mil reais numa conta corrente quase esquecida. Ele resolve salvar o texto. Qual título?

Hummmm... vejamos... 'As borboletas flamejantes de um agreste inócuo' Hahahahahaha. Boa! Hoje ele esteve na livraria da travessa lendo ' A cinza das horas' Manoel Bandeira ficaria orgulhoso. Vocês já leram

tal livro? Vale a pena, vale muito a pena. A capa é incrível. O antigo morro dois irmãos e o Leblon sem os inocentes. Deserto. Ele gostaria de ter degustado o Rio desta época, mas quem não gostaria? Ele corre

como um guepardo em asfalto seco mas nunca sai do lugar. Ele sabe que muitíssimo provavelmente ninguém lerá tal conto e se por ventura ler, não vai gostar ou não vai entender ou nem vai procurar sorrir

ao ler isso pois na verdade as pessoas tem algo melhor pra fazer como andar de um lado pro outro por exemplo... Ele acabou de romper com um relacionamento totalmente louco com pessoas ainda mais

loucas. Tratava-­se de uma deliciosa espécie de quadrado amoroso. E vai tomar no cu por que eu sei que este conto está ficando épico goste você ou não, goste ele ou não. 'You know, I'm such a fool for you' Ele

já está com a coluna estranha e pensou que tivesse de parar de escrever mas agora se encostou na cadeira e percebeu que da pra escrever mais um pouco. Ele está com uma vontade imensa de morrer mas tem a triste intuição de que isso ainda vai se estender bem mais do que o desejado (por ele). Ele acha essa civilização atordoantemente medíocre e tem certeza de que essa existência não passa de uma ilusão

de merda e deprimente. Ele não vê graça nas pessoas (com raríssimas exceções) e acha elas muito burras e iguais e de nada adianta ter essa visão pois isso não o leva a colocar dinheiro no bolso. Ele já salvou este texto no mínimo dez vezes. As casas são um misto de medo e dor e risos amarelos e fictícia estabilidade, gostaria de ter uma casa, seu canto. O céu é um envólucro selando a porta que separa o

mundo dos mortos e o mundo dos vivos mas quase não se vê diferença entre ambos. A Terra é oca como um humano e abriga outros humanos talvez não tão ocos quanto os humanos da crosta. A Paloma é tão

linda quanto o inverno de Porto Alegre e uma heineken estupidamente gelada sob uma fina garoa ao rugir de uma madrugada que promete luzir bons momentos comigo e Paloma num quarto tão quente quanto a

brasa de um cigarro eterno. Eu te amo, Paloma. Quero estar contigo por toda a minha vida seja ela curta ou longa e quero estar contigo quando finalmente os ETS invadirem esse planeta e quero estar contigo

quando fizerem outra greve dos correios e quero estar contigo quando um deputado corrupto ganha 50x mais do que um trabalhador honesto, e quero estar contigo até depois que os ponteiros dos relógios

oxidarem pois o tempo algum dia irá ceder mas o que sinto por ti eu tenho a mais plena certeza de que jamais irá parar seja isso o que for. Eu amo você.

cristiano rufino
Enviado por cristiano rufino em 09/11/2015
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