A Carta


 
Aguardava a hora do intervalo com o coração aos pulos.
Não podia mais esperar, estava transbordando amor e precisava declarar-se.
A noite ele passou em claro, escrevendo diversas cartas que não saíam a contento e iam parar na lixeira.
Como escolher as palavras que dessem a definição exata do que sentia? Como escrever para alguém com quem ele mal conversava, apenas observava de sua carteira, bebia sua voz e alimentava-se de sua presença?
As coisas do coração eram tão simples que se tornavam difíceis. Por vezes encontrava-se com o colega nos corredores e a voz faltava-lhe, bem como o chão e o ar.
Todo ele era uma falta. Precisava declarar o seu amor, saber de uma vez se seria ou não correspondido.

O rapaz que ele amava parecia maduro para a sua idade, tinha boas colocações em sala e, ao que lhe constava, não tinha namorada. Aliás nunca fora visto com uma. Podia ser um sinal. Ademais, pensava ele, na universidade as coisas são diferentes, as pessoas são diferentes.

Quando o professor encerrou a aula e os alunos saíram para esperar o segundo período ele, furtivamente, colocou o envelope dentro do caderno do colega. Sentia-se livre, feliz e ao mesmo tempo apreensivo. Não conseguiu lanchar, esqueceu-se de responder à chamada, tamanha a ansiedade.
Disfarçava os olhares apaixonados com as faces em fogo.

Em certo momento o colega abriu o caderno e encontrou o envelope. Desdobrou o papel, leu, olhou para ele e, encontrando seu olhar encabulado, sorriu.
Ele sentia como se fosse sair flutuando. O seu amado lhe sorrira, sim? Deveras! Que felicidade!

Pouco antes do término da aula o colega pediu licença e saiu da sala. Devia ter algum compromisso, pensou, e ficou na espera de o celular tocar. Sim, tinha colocado o seu telefone na carta.
Pelas vinte e três horas, enfim, a ligação. Colocou a mão no peito, suspirou, acalmou-se e atendeu. Mas do outro lado da linha não era o seu amor quem estava a falar. Era um grupo de alunos vadios rindo alto e lendo com afetação a sua linda carta. O seu colega havia tirado cópias da carta e distribuído por todo o campus, fazendo com que ele fosse insultado, menosprezado e agredido por meses.

Ele chorou muito por tanta humilhação, pela dor de ver o seu sentimento mais precioso ser objeto de escárnio, pela decepção de uma pessoa ser tão diferente de como ele pensara. Mas não se deixou abater. Procurou ajuda psicológica, continuou estudando com o dobro de afinco, terminou a graduação, entrou no mestrado e conseguiu uma bolsa de estudos em uma importante universidade do Sul do país.

E o colega... bem, este reprovou diversas vezes, perdeu-se ao longo do curso, fugia das frustrações com bebidas, mulheres e noitadas. Fugia com tenacidade daquela verdade que gritava no fundo do seu peito, que ele tinha gostado, que ele tinha amado aquela carta e daria tudo para voltar no tempo e fazer diferente.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 08/12/2015
Código do texto: T5473941
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