ICA
 
Atrepada no galho de uma mangueira a caipora observava a estudante.
Seus conhecimentos rudimentares de humanos limitavam-se a um detalhe: ela estava fumando.
"Ô, vontade de fumar!", suspirou a Caipora, salivando ao sabor imaginado da nicotina.
Pediu à Grande Caipora que a jovem adentrasse a mata, se perdesse e lhe perguntasse o caminho de volta, só assim conseguiria ganhar um cigarro.
Mas a humana não parecia disposta a aventuras. Permanecia sentada na calçada do prédio, o olhar distante, como se estivesse em outro mundo.
A caipora sacudiu os cabelos de fogo e se lembrou daquela humana. Era a mesma que ficava horas à margem da lagoa, ouvindo o barulho da água e admirando o voo da coruja.
Aquela humana era diferente das outras. Não tinha medo de nada. Também, com aquele pedacinho que restara de matagal após a construção daqueles prédios enormes ela não teria nenhuma dificuldade em descobrir o caminho de volta.
E se ela, caipora, se atrevesse a sair do meio do mato e fosse lhe pedir um cigarro? Era uma possibilidade, muito embora fosse de encontro ao télos caiporês.
Reparou em si mesma para ver se estava apresentável. Os pêlos do corpo, endurecidos por nunca terem avistado água, recendiam um mau cheiro que a caipora tomava como a melhor das fragrâncias. Os olhos eram bonitos, pensou, naquela coloração do Sol quando se põe, aliás a mesma dos cabelos. As unhas, compridas e pretas de sujeira eram para a vaidosa caipora um charme a mais. O problema eram os pés, voltados para trás. Precisava andar de costas para ir em frente. E se a humana se assustasse?
Derrubou com uma mãozada um morcego que lhe passou rente à orelha. Depois se arrependeu. Os animaizinhos não tinham culpa do seu vício.
Resolveu esperar. Quando a noite fosse alta e o prédio estivesse às escuras ela iria buscar as guimbas e saciar seu desejo. Também havia os cachorros, aqueles escandalosos, de repente teve um medo enorme de levar uma carreira dos cães.

Desceu da árvore e partiu correndo pelo meio do mato, cumprimentando tejos, fadas, preás e duendes que também zanzavam por aquelas paragens.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 09/12/2015
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