Sob o mar

A noite estava muito negra, a lua sumira, as estrelas esqueceram de brilhar. O mar estava revolto, agitado, com ondas imensas batendo nas pedras. O vento uivava, a praia estava gélida, sombria, sem vida. Mas não muito longe dali um homem perdido no silêncio sepulcral da noite amaldiçoada andava sorrateiramente em direção a praia. Ele parecia não saber pra onde ia, não parecia ter um destino certo, parecia não se importar com isso. Não queria saber onde estava pisando, mas se estava sendo seguido.

Em noites como essa é fácil fugir, não tem como enxergar, mas se de alguma forma algo te persegue, não tem como enxergar, se algo vem vindo atrás de você, vindo com você, não tem como saber...

E para aquele homenzinho que malmente conseguia se defender, sozinho na noite, fugindo, correndo, se escondendo, as dificuldades pareciam maiores. Seu nervosismo fazia seu corpo transpirar, apesar do frio e tremer violentamente.

Ele era uma pessoa com medo, totalmente amedrontado, havia seguido caminhos errados durante toda a vida e esses caminhos lhe levaram a demônios que lhe perseguiam, cheios de mentiras, ódio, inveja, morte...

Ao ouvir o som do mar uma paz, uma calmaria o invadiu. Sempre ouvira dizer que a água era um bom abrigo, que é um lugar onde nenhum mal pode atingir, que sob as ondas encontraria a proteção divina, que nas profundezas do oceano estavam os anjos.

Agora seus passos eram mais lentos, seus olhares menos furtivos, estava cansado de fugir, caçar e ser caçado. Se esconder, correr, não dormir, ser dominado pela fome e exaustão era péssimo, mas ser pego seria pior. Não havia lugar a salvo, não havia lugar totalmente seguro, os demônios do seu passado o perseguiriam para sempre...

Ou talvez ele tivesse uma chance, ou talvez ele tivesse apenas aquela chance. Mais alguns passos e ele seria envolvido por aquela água fria e salgada, mais alguns passos e ele estaria sob as ondas, mais alguns passos e ele encontraria a salvação divina, mais alguns passos e ele encontraria os anjos.

Cansado de correr, cansado de sofrer, cansado de sentir aqueles tremores, aqueles calafrios, o homenzinho foi dando passos cada vez mais curtos, como quem tem medo da danação, mas ele sabia que não havia escolha, ou seguia em frente para salvar-se, ou a caça terminaria ali e ele morreria como um bicho preso e acuado.

Passos lentos, lentos, lentos e mais lentos, pingos vindos das ondas batendo nas pedras umedeciam suas roupas, dava para sentir o gosto salgado na boca e sentir o cheiro da maresia impregnando o ar.

A água já batia em seus pés, só mais um pouco e seria sugado, receberia o abraço das águas, o abraço divino, o abraço dos anjos...

Agora a calma já não era tão plena a ansiedade consumia cada nervo do seu corpo, colocou-se a correr, foi dragado pelas ondas, foi puxado para o fundo...

Uma luz envolveu o seu corpo no início era azul aos poucos foi se transformando em branco, vozes cálidas vieram junto com um calor que fez o seu corpo parar de tremer e transpirar, fugir não era mais necessário, ele havia encontrado os anjos e sob o mar ele estaria a salvo.

E jogado contra as pedras e o vermelho do sangue se expandia ao seu redor, dissolvendo-se aos poucos, levando também aos poucos a vida daquele homenzinho.

Não houve salvação, não houve nada de divino, não houve anjos, apenas a fúria da natureza em uma noite triste em que a lua não aparecera e as estrelas esqueceram de brilhar.

Monique Marquine
Enviado por Monique Marquine em 18/12/2015
Código do texto: T5484494
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