Noite do Sertão
 


A Lua cheia encontrou-o sentado, sozinho, cismando.
O retrato dela entre os dedos. De tanto manuseá-lo o papel tinha se gastado, desbotado, a desprender-se nas bordas.
Ele contemplava confrangido aquele olhar oblíquo, os lábios finos, o corpo delgado daquela mulher que era para ele toda a sua vida.
Compreendia que o amor não tinha importância nenhuma, não era sequer um sopro de vento que levasse consigo refrigério. O amor não era nada.
Não. O amor era um distanciamento. Uma eterna fuga.
Antes não tivesse lhe declarado o seu amor. Devia ter silenciado o coração, deixado o sentimento correr feito águas nas profundezas da terra mas como, se nem mesmo o subterrâneo era capaz de conter essa força e rebentava em nascente para tornar-se rio e percorrer os caminhos em busca do oceano?
Mas aquele rio perdera-se em seu curso. O destino quis deter sua correnteza, assoreá-lo e por fim matá-lo mas ele não morreria, não morreria nunca. Ela podia ir para longe, para onde fosse, definhar com as dores da vida, chorar todas as lágrimas ardentes causadas por tantos homens que nunca a amaram nem sequer aos filhos da desilusão que ela escolhia deixar em outros braços.

Alongou o olhar pela estrada enluarada. Se ela aparecesse, tantos anos depois, dar-lhe-ia a mão e seguiriam juntos para onde a vida os levasse mas ele sabia, ela não iria aparecer. Ela estava longe, diziam que na Capital.
Seus pensamentos entristeciam-no, será que ela sentia fome? Teria um lugar onde repousar o coração cansado?
Sentia o peito partido ao meio. Olhava para trás e se certificava que a sua vida tinha sido um erro, devia ter ficado só, como uma casa que permanecesse fechada à espera que a sua dona voltasse.
Pensava na esposa que decerto estava a observá-lo da janela da cozinha, o coração em pedaços. Ele sofria e fazia-a sofrer, era essa a paga do amor. Sofrimento.
A sua alma entrava em ferros. Não havia mais volta. A vida avançava resoluta arrastando-o consigo, castigando-o pela ousadia de amar demais.
 
Guardou o retrato na carteira. Pegou o tamborete. Ergueu os olhos para o céu em busca de um alento divino para aquela dor tão profunda mas tudo que viu foi os galhos do pé de jambo convidando-o a apostar tudo que tinha em uma nova realidade.
No ínterim uma mãozinha pequenina apertou a sua. Era a filha caçula que fora juntar-se a ele, os grandes olhos inocentes na carinha redonda que o olhava como se ele fosse a pessoa mais importante do mundo.
- Vem jantar, papai.
E ele entrou em casa, deixando para trás a noite de luar e os anjos que se entreolhavam em silêncio, acostumados a enviar respostas às dores dos homens e quase sempre não serem percebidos.
 
 
 

 
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 20/12/2015
Reeditado em 10/07/2016
Código do texto: T5486486
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