O Caçador
 
Os antigos contam que havia no Sertão Cearense um moço que, em época de inverno, gostava de sair para caçar com o seu inseparável cão. Levava a espingarda, o embornal e um alçapão, pois também colecionava pássaros. Os dois adentravam a mata cerrada e só voltavam pela tarde trazendo tejos, uirapurus, pintassilgos e avoantes.
A mãe, senhora de conhecimentos ancestrais, recomendava sempre ao filho que não prendesse os pássaros e nem matasse os animais pois a família não passavam necessidade, que ele entrasse na Natureza selvagem com humildade e bondade no coração, não quebrando sequer um galho que atrapalhasse o seu caminho.
Mas sabe como são os moços; não levam em conta os conselhos dos mais velhos.

Um dia o rapaz não voltou para casa. Nem o cão. Os homens do povoado palmilharam a mata mas só encontraram o cachorro, morto por mordida de cobra. Após muitos dias deram por encerradas as buscas. O rapaz tinha se perdido.
A mãe esperou até ao fim dos seus dias pela volta do filho, muito embora guardasse no coração a certeza de que a Caipora tinha levado seu primogênito como castigo por ele prender as aves de Nosso Senhor.

Passaram-se os anos, muitos anos. Outras pessoas foram morar no vilarejo mas a história do jovem caçador não morreu. O que aconteceu foi que, em um período de grandes chuvas na região, o povo passou a escutar de noite um assovio ao longe. Assovio fino, de caçador chamando o seu cachorro. Passada cerca de meia hora o assovio se ouvia mais perto, como se a pessoa estivesse se acercando do terreiro. Mas os moradores não viam ninguém. E eram tomados pelo pavor porque lembravam-se do rapaz que tinha morrido na mata. Trancavam-se dentro de casa e o assovio, que fora ouvido mais perto, agora acontecia ao pé das janelas, deixando as famílias em pânico. Cada noite o fenômeno acontecia em uma casa diferente.
Mas havia uma moça.
Uma moça solitária, tida por todos como perturbada do juízo. Passava os dias bordando, brincando de bonecas, penteando os longos cabelos negros. Em seu olhar havia distâncias inatingíveis, falava baixo e bem menos que o necessário.
Em uma noite de lua, o primeiro assovio. Todo mundo correu para dentro de casa. Mais perto. E por fim ao pé da janela do quarto da moça.

Ninguém viu o que aconteceu. A moça abriu a janela e o luar esparramou-se pelo chão de terra batida como um véu de noiva. Ela começou a conversar baixinho com alguém...

"Tu se perdeu...
Vai para a luz, encontra teu caminho...
Eu? Mas eu não...
Está bem, vou te ajudar..."

No outro dia, quando a irmã mais nova da moça foi chamá-la para merendar, encontrou somente a janela aberta e pássaros dentro do quarto. De onde estava ela viu o começo da mata e compreendeu.

Nunca mais o assovio mal-assombrado foi ouvido.

 
 

 
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 28/12/2015
Reeditado em 03/12/2016
Código do texto: T5493799
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