O encontro

Esperava-as já há uns bons minutos sentado no banco de pedra em frente ao chafariz. Volta e meia levantava e me distanciava uns passos, mas sem me afastar muito, pois temia que ao chegar elas não me vissem. Era um belo fim de tarde e estranhamente eu, sedentário assumido, sentia vontade de correr com aquela gente de shorts e tênis que passava por mim e que, vez ou outra, virava o pescoço estranhando o meu traje. Contrastando com os transeuntes atléticos, totalmente ventilados em suas roupas de corrida, eu vestia o terno do escritório de onde saíra mais cedo e, mesmo com o paletó ao ombro e sem a gravata, sentia muito calor. Enquanto eles pareciam tão saudáveis e satisfeitos consigo mesmos eu, dolorosamente consumido pela ansiedade da espera, não conseguia deixar de invejá-los.

Você é o... – Eu tentava imaginar como ela se pareceria e com quais palavras me abordaria. Vira uma foto no dia anterior, mas era uma foto de criança, ela certamente seria uma moça agora. Talvez não me perguntasse nada, optaria por apresentar a si mesma – Oi, eu sou Maria Eduarda, a Duda, sua... –, diria, estendendo a mão a sorrir-me e esperando pela minha reação. Ou talvez não, talvez fosse apenas mais uma mentira, Jana não a traria ou sequer ela mesma viria e me deixaria esperando pelos mesmos quinze anos. Qual seria a surpresa? Afinal, quantas Jana me aprontou até que, cansado das suas mentiras, eu a abandonei? Dizem que as pessoas nunca mudam e eu teimo em duvidar, talvez apenas por gostar de pensar que eu mesmo me tornei alguém melhor. É provável que nem eu tenha mudado e que apenas viva melhor agora sem Jana, mas quem sabe ela, quem sabe elas também não vivam melhor sem mim? O destino é indecifrável como o oráculo de pedra do chafariz que, ao jorrar água suja por seus orifícios, talvez decida o futuro das pessoas, sem compaixão nem critério.

O acaso poderia introduzir em minha vida a loira de leg rosa que, solitária, passa correndo por mim, ao invés disso, ele resgata Jana de um passado longínquo e a faz reconhecer-me numa fila de banco. Se em tempo me ocorresse que os bancos já não nos colocam em filas, mas distribuem senhas, talvez aquele reencontro se revelasse um sonho e eu pudesse ter acordado ileso, porém não, aquele banco não distribuía senhas. – Paulo? – Ela exclamou entre incrédula e surpresa. Pareceu-me mais encorpada, mas não necessariamente gorda. Seus olhos e seu sorriso, meus pontos fracos, mostravam-se imunes ao tempo. – Janaína! – Eu respondi, entre perplexo e desconfiado. Depois de, por longos minutos, ter me feito contar sobre minha vida pra ela, pra senhora da frente e pro rapaz de trás, depois de concluído o que fui fazer no banco, ela ainda me esperava à porta e, parecendo subitamente aflita, convocou-me para um café. – Precisamos conversar, Paulo, precisamos conversar urgentemente... – Disse com gravidade, arrastando-me pelo cotovelo. Oras, como assim, urgentemente depois de quinze anos?

Enquanto relembro o dia de ontem e outros bem mais distantes, reparo o carro que para do outro lado da praça, uma mulher e uma moça desembarcam, mas ainda não são elas. – Não, não se trata disso, hoje eu entendo perfeitamente porque você foi embora – ela disse, interrompendo-me tão logo a garçonete nos deixou – no início lhe culpei sim, não compreendi, mas depois que fui diagnosticada... – Você esteve doente? – Perguntei intrigado. – Eu era bipolar, já estou curada. – Ela respondeu-me com um sorriso sem graça e seus grandes olhos verdes se apequenaram com a expressão acabrunhada de quem se desculpa. Bipolar... Então tudo fez sentido pra mim, mas mesmo sem culpa, era tarde pra nós e o que passamos, o que a bipolaridade dela me fez passar, foi demais e ainda é demais pra que eu queira lembrar. – Está tudo bem, eu tenho alguém agora... – Menti-lhe e, num gesto de solidariedade, pus a mão sobre a dela em cima da mesa. De fato, naquele momento voltei a lamentar comigo mesmo, não por ter ido embora, mas pelos tristes personagens que Jana e eu encenamos no passado e pela estória diferente que teríamos vivido se, em tempo, tivéssemos descoberto sua patologia. Agora, olhando para o ontem com olhos quase neutros, reconheço uma fraqueza nessa minha mania de confrontar realidades alternativas. "Talvez se isso, talvez se aquilo..." A eterna ladainha dos talvezes. – Seu bobo, não é nada disso! – Ela exclamou sorrindo, enquanto retirava a mão debaixo da minha – O que passou, passou. Quer dizer, quase tudo, o que há tempos tenho para lhe contar é que quando você foi embora... – Ah, meu Deus, eu deveria ter trazido um livro ou, ao menos, os fones do celular!

Ao completar outra volta, a loira bonita ressurge distraindo-me das minhas ruminações até que, finalmente, vinda não sei de onde, Duda também aparece sozinha. De longe, a princípio não lhe distingo os traços ou a cor dos olhos. Percebo que não é nenhuma moça, apenas uma menina ainda, mas, à medida que os passos decididos dela reduzem a distância entre nós, o suor em minha testa esfria e meu coração acelera. Sua silhueta vai se definindo, usa tênis branco, camiseta branca e calça azul com listras laterais vermelhas. Não se parece com a mãe, é mais clara, alta e magra, tem cabelos de cobre, longos e ondulados. Quando, por fim, Duda estaca em minha frente, o tempo para, o mundo todo para pelos breves segundos em que ela me examina com os mesmos olhos severos de Dona Marta. Com essa austeridade herdada da avó, e que não combina com nenhuma menina de quinze anos, ela então me faz a pergunta, aguda, objetiva e franca, tal qual minha mãe faria. A saliva da minha boca parece ter sido exaurida e, emudecido por uma língua de pedra, nada digo, ao invés disso, o pesado balançar da cabeça e um sorriso acanhado substituem o meu sim. Ela então, como se esperasse apenas por isso, descarta sua sisudez e, de braços abertos e olhos úmidos, se atira de encontro ao meu peito.

CirineuCWB
Enviado por CirineuCWB em 15/01/2016
Reeditado em 07/02/2016
Código do texto: T5511966
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