Ata-me

Nada. Ficara imersa num imenso oco de si por cerca de quatro horas; as cordas já lhe machucavam as mãos, os olhos já murchavam para dentro das órbitas escurecidas, o tato sumia, o olfato se diluía entre fumaça de automóveis e excrementos de pombos e galinhas. A boca seca de palavras já havia perdido quase a concepção dos fonemas quando sentiu um ardor único, escaldante, que só poderia fluir de um corpo, daquele corpo que mentia entre lençóis e travesseiros sujos. Podia sentir-lhe o hálito, o cio, a fome de tudo, o eterno compromisso com o nada. Sentada ali, presa por suas próprias algemas, ela entendeu um pouco sobre o enorme fascínio que sentia pelo sexo castigado, oprimido, impossível. “Ata-me!” ela berrava em seu silêncio de semi mariposa. Seu corpo sucumbia languidamente sob o domínio de um fauno que lhe roubara a madrugada e pequenos instantes de devoção.

Sob o rótulo de uma personagem clichê de literatura beat, a maldita não cederá espaço à eterna “Beatrice” das fábulas italianas. Vai, ata-me!

luana vignon
Enviado por luana vignon em 30/09/2005
Código do texto: T55244