Abraço de borboleta

Clarissa saiu da escola naquela manhã, bem animada!

Enfim, chegaram as férias...

Passear, brincar, divertir-se com amigos e dormir até tarde.

Tudo perfeito!

Tudo bem que, com nove anos a vida é quase sempre perfeita.

Ainda perdida em seus pensamentos, tropeçou e caiu! A dor latejante nos joelhos logo apareceu!

Como queria estar em casa agora, no colo da mamãe...

_Oh, querida deixe-me ver...

Clarissa olhou para cima e viu uma versão mais nova da sua vovó, logo pensou que deveria ser uma boa senhora.

E era!

Dona Amália morava ali perto, sozinha e com um olhar sempre triste, costumava caminhar pela praça nas tardes quentes...

Ver o movimento e olhar as crianças era seu passatempo preferido, isso trazia-lhe lembranças, ora felizes, ora dolorosas.

_Ai!

O gritinho de Clarissa trouxe-a de volta!

_Calma, meu bem, venha vamos fazer um curativo, mas antes vamos ligar para sua mãe.

Clarissa morava na rua de cima, praticamente eram vizinhas, mas nunca haviam se encontrado. Depois de avisar a mãe que Clarissa estava bem, já com o curativo nos joelhinhos, era hora de conhecer essa doce senhora.

_Qual seu nome? Mora aqui sozinha? Quem é aquela menininha do porta-retrato?

Ding Dong...

Salva pelo gongo! A mãe preocupada acabara de chegar.

E assim termina o encontro de duas almas.

...

As férias chegaram, Clarissa divertiu-se muito!

"Foram as férias mais felizes da minha vida! "

Ela disse a mesma coisa no ano anterior e no outro...

A amizade com dona Amália também cresceu, quase todos os dias passava por lá, para comer o delicioso bolo de chocolate que agora dava um colorido especial às tardes da bondosa senhora.

E foi num desses dias que Clarissa, encontrou por acaso, vários quadradinhos de crochê, vermelho, azul, rosa, amarelo, lilás, verde, branco...

Estavam bem guardados há anos, mas nesse dia, dona Amália tinha-os tirado para olhá-los.

_O que é isso? Quis saber Clarissa.

_Isso, são lembranças , Clarissa...

_Ah?

_Há muito tempo eu resolvi fazer uma linda colcha de retalhos, seria bem colorida com 15 cores, para dar de presente para uma pessoa no seu 15º aniversário, cada cor representando um ano de sua vida. Mas infelizmente não consegui terminar, tive que parar na 7º cor...

Pelos olhos marejados da boa velhinha , Clarissa preferiu não fazer nenhum comentário, resolveu apenas dar-lhe um abraço.

Há quanto tempo dona Amália não sentia um abraço assim... Bracinhos de borboleta a envolveram, que saudade ela tinha de bracinhos de borboleta.

Clarissa soube mais tarde que ela havia perdido a filhinha, desde então cuidava de seu marido doente, que logo também se foi...assim, escolhera viver sozinha, somente com as lembranças dolorosas.

Um ano passou e os dias de Amália ficaram mais alegres e mais doces como os bolos de chocolate que fazia para Clarissa. A mamãe já tinha autorizado as visitas e elas passavam horas e horas brincando, jogando damas, cantando e contando histórias.

Como poderiam duas almas de idade tão diferente se entenderem tão bem?

É porque o corpo tem idade, a alma não.

Mas um dia como que, por mera travessura,ou brincadeira sem graça, a idade, a vida ou a morte resolveu interferir nessa amizade.

Certo dia, Clarissa ia correndo, ansiosa pra contar a dona Amália, que havia passado de ano, mas notou um movimento estranho na casa da amiga.

Quem poderia ser?

Que carro era aquele?

Por que a estavam levando?

Por que ela estava dormindo?

Pensamentos sombrios povoaram a cabecinha da criança.

Não!!!

Dona Amália se fora!

Clarissa não lembra de quem segurou-a nos braços,mas ainda consegue sentir o gosto amargo das lágrimas.

Foi tudo tão rápido,despedida,dois ou três amigos,flores,coração apertado!

Nunca mais bolos de chocolate,nunca mais joguinhos de dama, nunca mais abraços de borboleta...

...

_O que é isso mamãe?

_É para você querida, vamos abrir?

Respondeu a mãe de Clarissa, segurando um embrulho rosa.

Que surpresa, era de dona Amália.Ela havia deixado com a mãe de Clarissa,dizendo que era para ser entregue a menina assim que ela partisse!

" Clarissa, meu anjo...

Desde o dia em que você chegou em minha vida, tudo mudou.

Eu sei que estou prestes a partir, pois meu coração está fraco, mas quero te deixar um presente.

Há muito tempo perdi minha filhinha, estava preparando um presente para ela, mas nunca pude entregá-lo.

Hoje sei que só poderia haver sete cores nos retalhos, porque sete são as cores do arco-íris e isso que ela foi para mim, um breve arco-íris para alegrar meu dia.

Mas te deixo um presente, para se lembrar de mim.

Algo que vai aquecer e colorir seus dias, assim como você coloriu os meus.

Cada sorriso, cada gesto, cada beijo, cada abracinho de borboleta estão representados nas cores desse presente.

Obrigada por colorir meus dias depois da chuva que passou...

Com amor, Amália."

Quando Clarissa abriu o presente, sentiu vontade de chorar.

Uma linda colcha de retalhos de várias cores.

Tantos quadradinhos coloridos que ela ficou sem ar...rosas, azuis, amarelos, verdes,lilás...

Cada pedacinho representando todos os momentos daquela doce e breve amizade.

Daquele colorido encontro de almas...