A Noite de Formatura
 
A noite de formatura tinha enfim chegado.
Pisando com delicadeza o tapete azul ela pensava por que as pessoas usavam flores artificiais em solenidades. Detestava-as mas também não gostava de arranjos naturais, preferia que não matassem as flores. Sempre fora assim, contraditória.
Olhou para os sapatos. Os eternos oxfords. Tinha comprado lindos scarpins para aquela noite mas vieram com defeito, parecia de propósito. Lembrou-se de procurar o órgão responsável para fazer uma reclamação.
Olhou para o céu. Não havia lua mas as estrelas pareciam prestes a despencar de tão enormes, cintilantes.
A cerimônia começou e ela foi para junto dos colegas ver a entrada do reitor, do vice reitor e dos coordenadores de curso. Ela os observava com silenciosa alegria e uma indizível sensação de que algo lhe faltava.
Os professores sorriam, os graduandos estouravam balões que formavam uma chuva de papeizinhos coloridos. Vários deles caíram em seu colo e ela percebeu que estava sem a beca, por que não a estava usando? Ela se perguntava mas os outros pareciam não se importar.
E não se importavam, era a verdade. Semestre após semestre ela fora uma aluna tímida, de notas regulares, sempre preferindo apresentar trabalhos escritos a seminários em grupo. Era inteligente mas não queria chamar a atenção sobre si.
Quando o pró-reitor de graduação entregou ao reitor a lista de formandos ela percebeu que não tinha assinado a Ata. Sem assinatura não se formaria. Sobressaltou-se e buscou com os olhos a coordenadora do curso que estava à tribuna para fazer um pronunciamento.
De repente todos ficaram muito sérios e ela começou a sentir-se mal, com uma vontade imensa de fugir dali, ir para bem longe de... de quê? Ela não sabia.
A professora começou a falar. Era um discurso de homenagem a uma aluna que fora assassinada no dia anterior e infelizmente não estava mais junto aos colegas para comemorar a sua formatura.
Ela sentiu um frio intenso percorrer-lhe o corpo e começou a tremer. Os colegas tiraram os capelos. O vice reitor estava de cabeça baixa.
Quando a professora disse o nome ela gemeu. As lembranças vieram como uma enxurrada, o ônibus, os homens, as armas. Ele pediu a bolsa e disse que não olhasse para o seu rosto mas ela olhou por reflexo. Depois sua cabeça pendeu como uma flor murcha sobre a própria haste e ela viu o peito manchado de sangue.

Não havia mais luzes, balões nem serpentinas. Estava sozinha, de pé, em meio à escuridão da Concha Acústica da Universidade.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 11/03/2016
Reeditado em 11/03/2016
Código do texto: T5570590
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