"Aprendi a voar!"

A sala estava escura. O chão em que ele pisava parecia um abismo bem abaixo de seus pés. Ainda assim, ele seguiu na escuridão. Não queria que os outros desconfiassem de que estava ali. Então marcou o rumo do que queria e foi, passo a passo, arrastando os pés no chão para não trombar em nada. Pegou o que desejava e saiu. Fechou a porta às suas costas vagarosamente para evitar o barulho.

No dia seguinte, todos já estavam fazendo o desjejum quando ele desceu. Foi fácil perceber o brilho em seus olhos. Desceu as escadas como um rei, sem olhar para baixo, despreocupado com os degraus.

As brincadeiras começaram. “Dormiu com uma deusa?” e “O que é esse sorriso em seu rosto, hein, espertinho!”. Essas foram as primeiras frases que ele escutou. Mas a única resposta que ele deu foi: “aprendi a voar!”. Todos começaram a rir da estupidez que falara. “Então acorda porque você está sonhando, paspalho!”.

Apesar de todas as brincadeiras, o brilho do olhar dele era de quem acabara de conhecer o mundo todo, de quem tinha descoberto todos os segredos e mistérios existentes entre o céu e a terra.

O sol brilhava forte sobre a casa daqueles que riam daquele que tinha aprendido a voar. Iluminava toda a casa: a sala, os quartos, a mesa onde estavam assentados. Mas brilhava sobremodo sobre aquele que tinha aberto suas asas, como ele mesmo dissera.

Na mesa em que comiam havia queijo, pão, geléia, frutas, sucos, iogurtes e uma infinidade de alimentos que sustentariam toda aquela família naquela manhã. Mas ele mordiscava um biscoito aqui, comia meia fruta ali. Seu pensamento estava longe. Seus olhos olhavam para o nada. Estava relembrando seu vôo noturno.

Em um súbito momento, levantou-se da mesa, subiu as escadas e trancou-se no quarto. Todos assustaram, mas não deram bola. “Ele sempre foi meio esquisito”, disse um deles.

Quando já estava sozinho em casa, saiu do quarto e foi em direção à sala. Ela estava iluminada agora. Não precisou ir vagarosamente. Tirou de dentro da camiseta um livro e deixou no lugar onde o havia pegado na noite anterior. “Vou devolver as minhas asas, antes que sintam falta, apesar de não saberem voar...”

A casa era cheia de livros, mas o único que sabia usá-los era ele: voava em seus pensamentos a cada parágrafo. Os outros, quando liam, não se lembravam do que estava escrito.

Na noite seguinte, ele estava lá novamente, na escuridão em busca das asas da sua imaginação. Mas dessa vez, sua mente iluminava o caminho em que flutuava.

Raissa Bugança
Enviado por Raissa Bugança em 11/07/2007
Código do texto: T561211
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