O MENINO JARDINEIRO

Quando eu era piá, gostava de jogar bola. Um piá comum, numa rua comum, vizinho de uma velha que tinha algumas flores comuns. Aparentemente, minha bola de futebol não gostava daquelas flores. Eu, tampouco. Alguns problemas tivemos. Aquelas flores morreram, a vizinha provavelmente também e a história que vou contar não tem nada a ver com isso. Pois o que conto, é a breve narrativa de um garoto diferente de mim e por isso me interesso em contá-la.

O menino jardineiro era um menino que..bem...jardinava. Sua vizinha não era uma velha que gostava de bater bola na rua com as amigas, mesmo que isso teria sido algo muito interessante. Mas o ponto que procuro em minha narrativa não é a inversão de papéis, e sim o papel em branco e a tinta fresca na mãe esquerda ou direita do ser humano agindo como pintor de sua própria ilusão, de sua própria realidade.

A mãe do menino não era de feições belas, porém de um recatamento exemplar perante os amigos do marido quando em casa reuniam-se.E o pai, este sim, gostava de jogar bola, embora tivesse o apelido de "maneta" pelos colegas do time do trabalho. Com muito custo, pela camaradagem, conseguiu uma posição de zagueiro reserva no time. Em campo, dava umas boas pancadas nos adversários e certa vez no árbitro, mesmo que ele negue este segundo ocorrido. Era ruim de bola e sabia disso.

Quando o menino nasceu ele comemorou o sexo viril da criança. E nutria nele, a esperança de brilhar nos campeonatos de futebol da escola, dos quais, em sua época, nunca consegui uma vaga no time.O menino cresceu jogando bola com o pai no gramado de casa. E jogava bem, muito melhor do que o velho jamais jogara. Mas jardinava quando o pai trabalhava. E o pai trabalhava enquanto a mãe trabalhava. E o pai descansava enquanto a mãe trabalhava. E o pai bebia enquanto a mãe trabalhava. E o jardim crescia enquanto o pai trabalhava. E o menino crescia enquanto jardinava. E um dos personagens dessa história não conseguia aceitar o fato de ter um filho jardineiro. Nem convidava mais os colegas para ir em sua casa. Era uma vergonha um jardim daqueles.

Mas ele não era um monstro. Não. Era um mal comum. Destes que a gente vê na rua, no trabalho, na escola e até mesmo em casa todo dia. Uma pessoa com sentimentos, que se sensibilizava em comerciais de televisão e chorava pelo seu time em uma final de campeonato. E que, inclusive, fazia promessas de bater menos na mulher e no filho se o seu time ganhasse o título. Mas o que fazer se o time não ganhava nunca? A culpa não era ele.

O pai um dia cansou e decidiu cortar o mal pelas raízes. Assim o fez. E quando o menino chegou da escola, não havia mais jardim. No lugar de sua flores preferidas, havia agora uma goleira. A mãe, calada sentia. E o pai, bêbado esperava, com a bola na numa mão e a garrafa na outra ,sorridente, vitorioso. Agora "vai ser na marra". Seguia o conselho dos colegas, pois um garoto com um talento daqueles não podia perder tempo com coisas de mulher. Não sabia porque não fizera isso antes. Comemorou como se fosse algo que merecesse ser comemorado. Comemorou demais e caiu. A mãe foi buscá-lo no campo de futebol que antes era um jardim. Ao fazer isso, sentiu um vazio e chorou.

O menino correu, correu e correu. Correu tanto que chegou ao outro lado da cidade, onde uma velha ponte ameaçava cair sobre um rio que não era rio algum mas que também era um mar inteiro. Um mar inteiro de solidão, pensou o autor. E o menino, como se fosse ao acaso, no meio da ponte parou. Pensou na mãe e em sua tristeza. Mas ela teria que achar a sua própria forma de se livrar do mal comum. E que essa forma fosse melhor que a dele. Mas que fique claro que na sua cabeça de não muitos anos, isso não era suicídio. Era liberdade. E se morresse por isso, era apenas o preço. Da ponte pulou e da ponte caiu.

A primeira a acordar foi a menina. Aquela que anteriormente nunca tinha visto o mar, aquela pra quem hoje o mar falava com carinho. O segundo a acordar eu não sei quem foi. Não sou um autor onipresente em todo momento. Saibam que é bem difícil ser assim. Ignorando a ordem, toda tripulação daquele barco que mais parecia uma casa e que dormia escondido debaixo da ponte acordou. Resgataram o menino como se fosse um peixe. E por falar no peixe, foi ele que logo conquistou a amizade do menino jardineiro, contando histórias mais ou menos verídicas sobre jardins no fundo do mar.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 08/06/2016
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