Desejo

Geralmente eu vou à praia sozinha, numa boa. Não me ligo muito nesse lance de turma. Durante a semana então é ótimo, a praia está vazia, é a maior tranqüilidade.

Naquele dia, por volta de umas onze horas, eu estava lá, deitadinha na minha canga, pegando sol, quando reparei uma menina chegando. O que me chamou a atenção inicialmente foi que ela estava muito branca. Ela tinha um corpo bonito, era alta, magrinha, mas não devia pegar uma praia há muito tempo.

Ela tirou o short, a camiseta, ficou só de biquini. Depois passou um pouco de filtro solar no corpo, pegou um livro na bolsa e deitou na toalha. A todo instante, ora com os gritos dos vendedores que passavam pela areia, ora acompanhando com os olhos os rapazes que passavam, ela se distraía da leitura. Até uma hora que ela fechou o livro e desistiu.

Nesse momento, ela levantou a cabeça e me viu olhando para ela. Sorriu para mim, com simpatia.

“Ah, chega! Não consigo me concentrar”, ela disse.

Sorri de volta, com cumplicidade.

“Não sei como tem gente que consegue estudar na praia... Tem tanta coisa bonita pra olhar, que toda hora eu me distraio.”

Pensei comigo: Vai querer conversar. Lá se foi o meu sossego.

“É verdade”, respondi.

“Hoje resolvi matar o trabalho... Ah, tô me sentindo sufocada, à beira de um stress!... É muito chato você se matar de trabalhar e não ter o seu valor reconhecido, não é mesmo?”

“É verdade”, comentei, ainda que eu não soubesse disso na prática, porque afinal de contas eu ainda estou só fazendo faculdade.

Passou um vendedor e ela comprou uma latinha de cerveja. Perguntou se eu queria, mas eu disse que não.

Ela disse que trabalhava na secretaria de um colégio na Tijuca. Como o fim do ano estava próximo, era um tal de toda hora entrar aluno querendo saber de nota, pedindo documentação...

“Sem contar o calor... Por isso resolvi me conceder uma folga, que afinal também sou filha de Deus”, disse a minha nova amiga, com um sorriso.

Rose era o nome dela. Era uma menina simples, devia ter seus vinte e cinco, vinte e seis anos. E, nessa folga que ela tinha resolvido se conceder, com certeza estava incluída também uma boa paquera, porque volta e meia ela fazia algum comentário sobre os caras que passavam correndo ou caminhando pela beira.

“Vai dizer que dá pra ficar lendo, com toda essa natureza exuberante?”, ela perguntou, diante da passagem de dois garotões bronzeados e de corpos musculosos.

O olhar dela era um tanto ávido, e homem sempre sabe quando uma mulher está a fim de alguma coisa. Não demorou, um cara sentou na areia a cerca de uns cinco metros de onde a gente estava e ficou olhando. Mas esse daí não tinha nada de bonito, era careca, barrigudo e usava um calção mais apropriado para jogar futebol do que para ir à praia.

Rose revirou os olhos e fez uma careta de desagrado.

“É mole? Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece”, desabafou, contrariada.

Ela encarou o sujeito, com desprezo. Ele não perdeu a oportunidade, atirou um beijo na direção dela, fazendo com a boca um ruído repugnante.

Rimos as duas, uma para a outra, de tamanha vulgaridade e total ausência de senso de ridículo.

Ela terminou de beber a latinha e deitou por alguns minutos. Logo teve que levantar para ir na água. Além do sol forte, com certeza a cervejinha começou a produzir efeito.

Rose era alta, devia medir bem um metro e setenta cinco, por aí. Tinha a cintura fina e o bumbum bastante proeminente. O gorducho quando a viu se aproximando, passou a língua pelos lábios feito um tarado e, na certa, falou alguma indecência.

Quando ela voltou, foi a minha vez. Ao passar pelo gorducho, notei que a empolgação dele não foi a mesma, o que na verdade não me incomodou nem um pouco.

“Acho que ele gostou mesmo foi de você”, eu disse para Rose. “Nem olhou pra mim... Mas também é até covardia... Você tem alguns atributos que os homens prezam muito...”

“Bunda grande, você quer dizer.”

Eu ri.

“Lá na seção, quem você acha que atende no balcão? O chefe não pode me ver sentada muito tempo que me pede logo alguma coisa... Diz que não gosta de ver ninguém parado... Eu sei. O que ele quer é olhar a minha bunda, já tô acostumada com isso.”

O orgulho que ela sentia era evidente. Fiquei com vontade de saber mais sobre outros prazeres que aquele detalhe tão admirado proporcionava a ela. Mas não tive coragem de perguntar.

Ela comprou outra latinha de cerveja.

Nós continuamos conversando, amistosamente. O gorducho então cansou de olhar. Desanimado, saiu andando pesadamente, empurrando sua imensa barriga flácida.

Quando Rose levantou para ir na água de novo, notei que ela ficou de olho num cara que vinha correndo pela areia. Logo vi que, daquele, ela tinha gostado. Era um cara bonitão, forte, queimado de sol, vestido com uma discreta sunga preta. Eu sabia que ela ia dar bola para ele. Podia apostar.

Rose caprichou nos movimentos. Inclinou o corpo e abaixou-se na beira d’água, graciosamente, para molhar o rosto com as mãos.

O cara parou, parecendo indeciso entre continuar em frente ou voltar, e quase surpreendeu Rose olhando para ele.

Ela saiu da água rebolando e passou bem na frente do cara. Realmente ele era muito bonito, másculo, ágil, forte sem ser musculoso.

Rose chegou perto de mim toda empolgada.

“Viu que gato?”, ela perguntou. “E mexeu comigo quando eu passei... Tava passando aquele avião ali com propaganda e ele disse assim ‘Um avião no céu, um avião no mar...’ Gracinha, né?”

“Realmente. Foi espirituoso.”

Ela se agitou.

O cara ficou fazendo alongamentos na beira, perto de onde estávamos.

“E agora? Tenho que dar um jeito de falar com ele... de qualquer maneira. O que eu faço?”

Não foi preciso fazer nada. O cara veio direto na nossa direção.

Não era do tipo bonitão. Tinha uma beleza rústica, máscula e isso aumentava ainda mais o seu charme.

“Pode dar uma olhada nas minhas coisas enquanto eu dou um mergulho?”, ele perguntou, com uma voz rouca, se abaixando para deixar ao nosso lado um molho de chaves.

Sorrimos as duas para ele em sinal de concordância.

“Nem precisava pedir. Já estava de olho nas tuas coisas há muito tempo, gostosão!...”, disse Rose logo depois que ele saiu.

Eu ri, admirando a corridinha atlética e o salto bonito que ele deu, furando a água como uma flecha.

Rose não perdeu tempo. Correu logo atrás do gostosão.

Não sei o que os dois conversaram, mas não demorou muito para ficarem bastante íntimos. Toda vez que vinha uma onda, ele a erguia pela cintura, numa espécie de balé aquático. E os dois riam, divertidos.

Com uma pontinha de inveja, eu podia adivinhar os seios dela roçando aquele peitoral forte, todas as vezes que ele a suspendia.

Um minuto depois, já estavam se beijando.

Fiquei boba com a desenvoltura dela.

Os dois nadaram lá para o fundo e ficaram horas e horas, esquecidamente.

Passou tanto tempo, que chegou a hora de eu ir embora e eles ainda não tinham voltado.

Acenei da areia, mas não consegui que me vissem.

O negócio devia estar pegando fogo lá dentro.

Para não deixar as coisas dos dois abandonadas na areia, e como ela tinha ficado minha amiga, resolvi entrar na água e ir até lá no fundo avisar que estava indo embora.

Quando me aproximei, fiquei totalmente sem graça com o que vi.

Rose estava montada no cara, com os olhos fechados e as pernas entrelaçadas em volta da cintura dele, rebolando.

Não quis me aproximar mais. Parei a uns cinco metros deles e gritei por ela.

Rose abriu os olhos e sorriu para mim, com cumplicidade. O cara nem ligou, continuou mexendo, suavemente.

Senti um arrepio pelo corpo. Avisei que ia embora, mas Rose me pediu para esperar.

Fiquei de longe, fingindo que nada estava acontecendo. Mas não agüentei, mergulhei de olhos abertos e olhei para os dois, por baixo d’água.

Subi à tona, quase sem fôlego.

Um instante depois, Rose me chamou para perto deles. Eu hesitei um pouco, estava sem graça, mas acabei indo.

O rosto da minha nova amiga resplandecia, de uma maneira inconfundível.

O cara deu algumas braçadas e nadou para longe.

“Será que alguém viu?”, ela me perguntou, ainda eufórica.

Gaguejei, embaraçada.

“Não... é... quer dizer... lá da areia não dá pra perceber... mas aqui de perto...”

“Você viu? Ah... Muito gostoso, muito gostoso!”

“É... Dá pra ver pela sua cara...”, murmurei, rindo.

O cara veio voltando.

“Você já transou na praia alguma vez?, ela perguntou.”

Eu estava vendo o cara se aproximar.

“Eu? Não... nunca...”, respondi, me sentindo meio trêmula.

Rose voltou-se para onde eu estava olhando e viu o cara chegando.

“Muito gostoso... Muuuito gostoso!”, ela repetiu, sorrindo.

O cara juntou-se a nós e abraçou Rose por trás.

“A água tá uma delícia”, ele disse, fazendo com que eu pensasse que aquele “delícia” fosse exclusivamente para mim.

“Pe-pena que tá na minha hora...”, gaguejei, nervosa.

Ele beijou a nuca e os ombros de Rose. Ela estremeceu e grudou seu corpo contra o dele, depois olhou para mim com um risinho maroto.

“Ah... Deixa eu apresentar vocês...”, disse Rose.

Ele saiu de trás de Rose e veio me cumprimentar. Segurou minha mão e estendeu o rosto para os tradicionais dois beijinhos.

Nesse momento, uma onda se formou e quebrou em cima da gente. Eu me desequilibrei e fui de encontro ao cara. Educadamente, ele passou o braço pelas minhas costas e me amparou para que eu não caísse. Nessa hora, pude senti-lo perfeitamente.

Minhas pernas tremeram.

Deixei-me ficar assim, amparada por ele, por mais alguns segundos.

Olhei para Rose e vi que ela percebeu que eu estava tirando uma casquinha do gostosão dela.

Quando ele me soltou, quase caí; minhas pernas estavam bambinhas.

“Desculpe, puxa vida... Desculpe...”, falei, perturbada. “Fiquei tontinha...”

“É esse sol...”, murmurou o rapaz, ainda segurando a minha mão.

“É...”, balbuciei, confusa. “Olha, eu vou indo, tá?”

Fui até Rose e me despedi.

“Ai, acho que estou apaixonada!...”, ela cochichou no meu ouvido, entre um beijo e outro.

Não respondi. Sorri apenas.

“Tá se sentindo bem?”, perguntou o rapaz, preocupado.

“Hum-hum”, respondi, evitando olhar para ele.

Acenei para os dois e voltei para a areia, envergonhada. Peguei minha roupa e fui embora.

Já estava na calçada quando resolvi olhar para trás. Avistei os dois abraçados dentro d’água novamente.

Suspirei.

Meu consolo era pensar que, ocupada como era, tão cedo Rose não ia voltar à praia. E que amanhã, possivelmente, ele passaria por ali, dando a sua corridinha atlética e então quem sabe...