UMA CRUZADA CONTRA AS PALAVRAS ( PARTE V)

INTRSPECÇÃO E TÉDIO

Uma multidão forma um texto humano de difícil leitura, uma espécie de romance sombrio na maioria das vezes. Já um pequeno grupo de pessoas não vai muito além de uma frase solta, de um slogan perdido entre muitos outros. Era o caso daqueles oito carecas barbudos vestidos de preto que rotineiramente desfilavam pelo centro da cidade morta.

Era fácil encontra-los. Frequentavam religiosamente um bar pouco sofisticados onde jovens de variadas tribos se encontravam. No que diz respeito especificamente aos oito carecas barbudos, tudo o que diziam poderia ser resumido na seguinte frase: Somos melhores do que todo mundo. Definitivamente, não eram nada interessantes, apenas uns idiotas lambendo o próprio umbigo e hostilizando qualquer um que lhes atravessasse o caminho. Havia muitos como eles circulando por ai.

Tudo hoje estava como sempre foi no se refazer constante da voz do mundo. Era o que me dizia o mosaico composto por fragmentos de conversas colhidos pelas ruas. As pessoas apenas viviam suas vidinhas presas em suas caixas de textos vivos. De fato, na maior parte do tempo, a voz do mundo era ruidosamente conservadora. Reproduzia até o infinito alguns lugares comuns no incoerente roteiro biográfico das multidão urbana.

Acho que apenas minha existência tinha um roteiro coerente. Pois eu não me fixava em memórias, no lembrar de pessoas, experiências e lugares que servissem a coerência e necessidade de qualquer discurso. Eu não precisava me expressar. Quando dialogava com alguém estava preocupado apenas no bom combate com os enunciados que aconteciam aos outros de modo assustadoramente autônomo. Como vivia sem passados nunca tinha algo realmente a dizer. Nada realmente acontecia além da minha guerra contra as palavras.

Mas hoje não tive grandes temas que me levassem a situações que merecessem algum tipo de intervenção. Antes mesmo do cair da noite me refugiei no quarto que me servia de referência. Eu nunca lembrava direito dele. As vezes demorava para encontrar o caminho. Ia para casa tateando o abstrato agir mecânico inspirado por alguma forma de instinto.

As paredes nuas, o colchão e a janela... Aquilo era tudo que eu tinha quando fugia das ruas. A porta sempre ficava aberta. Mas ninguém nunca invadiu aquele meu pequeno território de existir minimalista. Assim que cheguei estendi meu corpo sobre o colchão velho e fedorento. Me sentia particularmente cansado.

As vezes vejo uma mulher nua flutuando no ar dentro da minha cabeça. Não sei dizer com que frequência. Só sei que sua visão abstrata me relaxa e induz ao repouso. Ela não vive em nenhuma palavra se quer. Na verdade se quer existe. Não passa de um confortante delírio. Quem sabe, entretanto, os delírios não sejam a verdadeira realidade? Talvez seja por isso que as palavras dominem tudo. .. Talvez por isso eu seja incapaz de derrota-las: ELAS SUSTENTAM NOSSA ILUSÃO DE REALIDADE....

.................................................................................................... LAPSO TEMPORAL E RETORNO ALEATÓRIO AO MESMO MOMENTO EM UMA VERSÃO UM POUCO DIFERENTE DE SI MESMO..........................................................................................................

Estou em meu quarto agora tentando dormir....

Estar dentro destas quatro paredes vazias e encardidas me da a confortável sensação de que de algum modo sai do mundo. Tenho a impressão de que não existe nada lá fora, pois nenhuma palavra me atinge. Infelizmente a janela atrapalha tudo e deixa alguns sons e vozes ruas invadirem o recinto. ..

Acho que eu não sirvo para nada. E isso me deixa muito feliz. As palavras não me dizem o que fazer ou o que pensar. Pelo contrário, elas sabem que luto contra elas, que evito situações, que salvo pessoas... É muito bom ser um zero a esquerda...

Mas também tenho problemas com números e as artimanhas diabólicas da matemática. Nada comparado com a ameaça que vejo nas palavras. É diferente. As palavras manipulam a todos, os números limitam-se ao domínio de grupos específicos como os físicos, engenheiros e outros vivem de personas exóticas.

As vezes gosto de ficar aqui simplesmente olhando para o teto sem pensar em absolutamente nada. Afinal, um dos grandes problemas do mundo é o fato de que a maioria das pessoas acham que pensam por conta própria e que suas ideias realmente valem a pena.... Que se danem.....

É bom sentir o meu corpo, minha respiração e pulso, o delicioso gosto de todas as inercias sob este colchão velho, mas ainda macio.

Hoje absolutamente nada realmente aconteceu.....

Também não esta acontecendo nada agora....

Percebe como é interessante quando não acontece nada e não há nada a ser feito?

Deveria ser assim o tempo todo... Vivemos coisas importantes enquanto nada acontece.