Dante

Dante subiu as escadas pensativo. Escalou lentamente os seis andares que o separavam de seu apartamento. Desta vez sequer reclamou do elevador eternamente quebrado. Simplesmente subiu.

Encontrou a porta da sala entreaberta. Podia ouvir ao longe o som de um rádio ligado se misturando com as buzinas dos ônibus e carros na avenida. As luzes do apartamento estavam apagadas, exceto o abajur da sala com sua característica luz vermelha que tornava tudo meio fantasmagórico. Seguiu o corredor e passou pela porta, fechando-a.

Bianca estava sentada a beira da janela, fumando um cigarro e bebendo uma garrafa de vinho seco. Seco demais para o seu gosto, mas ela sempre insistia para que ele comprasse.

Ela não disse uma palavra. Talvez por não tê-lo notado.

Ele se encostou na parede e a observou por alguns minutos. Enfeitiçado por sua imagem.

Não havia muito conforto em suas vidas a dois. Em geral faltava mais do que sobrava... mas tudo que faltava era simplesmente material. Três meses naquela aventura e ainda não tinha tido a menor sombra de arrependimento. Quanto a Bianca, achava que ela aceitaria até roubar um banco com ele sem pestanejar. Eles estavam juntos, o resto não importava.

Ainda perdido nos pensamentos, Dante se tocou que também era observado. Sua parceira o olhava fixamente, com seus densos olhos pretos. O mesmo olhar em que ele tinha certeza que podia se afogar quando estavam muito próximos.

Recém saído de sua contemplação, Dante andou até o meio da sala e encontrou Bianca, que o beijou subindo na ponta dos pés. Ela parecia uma atriz de filme noir, ou uma musa da geração beat. Sorriu como se vê-lo fosse o ponto alto do seu dia, mas não disse nada e logo voltou para sua posição na beira da janela. Ele só percebeu nesse momento que ela desenhava a visão que tinha da rua. Os carros, os passantes, os ônibus lotados. De algum modo Bianca conseguia encher a imagem de poesia e vida. Onde Dante só conseguia ver confusão e fumaça. Ela tornava aquela avenida num lugar quase aconchegante. Da mesma forma que tornava sua vida quase que completa. Talvez seja isso que significa estar apaixonado... mesmo sendo diferente do que os filmes mostram...

A única coisa que o amedrontava eram os conceitos de morte e eternidade. E se todas aquelas sensações iam persistir ou se dissipar, como o gosto de cigarro e vinho seco na boca de Bianca.

Como se tivesse percebido que ele ia afundando novamente em seus pensamentos, Bianca largou seus desenhos e o tomou pelas mãos.

- Volta.

Ele sorriu sem graça e a abraçou.

Apagaram a luz e de repente todas as suas angústias e conceitos se desmancharam como se não fizessem sentido algum.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 30/08/2016
Reeditado em 10/09/2016
Código do texto: T5744985
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