Censura:

A informação é uma batalha. Precisa-se de precisão, de verdade, e de agradar os poderosos. Ao menos é o que pensa o homem político. Estava me preparando para sair da União Soviética, precisava fazer com que os textos passassem no comitê de revisão interno do Partido Comunista Russo. Talvez fosse um pouco difícil.

Os textos eram algumas reportagens que falavam da fome que se alastrou na região após o plano trienal, que foi muito mal sucedido. Eu tinha dito algumas palavras bem pesadas. Nem me preocupei em deixar o textos sem algum registro de minha indignação. Precisava narrar os fatos deixando claro que tudo não saíra como o esperado e que utopias eram todas vãs.

Seria divertido. Eu olhava tudo enquanto a fila passava. Chamavam todos por números e logo eu seria chamado. Ouvi chamar os números um por um...n 25… 26… 27… E 28. Parecia a fila dos desesperados.

Em alguns momentos, eu ouvia o censor falar duras palavras.

--- Você acha que vou deixar você publicar isto no estrangeiro? HAHAHA

Fazia questão que fosse assim. Falava na frente de todos, para que entendessem que não era brincadeira a situação?

No alto se podia ver uma foto do camarada Estaline. O lugar era bastante simples. Algumas cadeiras enfileiradas de frente para uma porta onde ficava o sensor. Lá podia-se encontrar cerca de trinta e cinco pessoas. No topo da foto, estava desenhado uma foice e um martelo, símbolo da utopia que destruiu o lugar.

Eu era um correspondente do The New York Times, para eles funcionário de um jornal manipulador, mentiroso e capitalista. Eu era parte da mídia golpista, um zé ninguém que tirava grana de pessoas pobres e indefesas e punha nos bolsos de capitalistas malvados e sem noção.

Eu achava toda aquela conversa ideológica engraçada. Era mesmo algo bem pueril. O mundo não podia ser um jogo de bem e mal.

E os números seguiam… 30, 31, 32… e chegou minha vez…

--- 33!

--- Quem eu vou ter que censurar agora?

O humor bruto da Rússia era muito chato, às vezes!

--- Eu! --- Respondi!

--- Pois bem, mostre-me sua nova obra literária…

--- É um simples discurso, senhor…

--- Vamos! Deixe de lenga lenga… Me mostre.

--- Pois não!

---- Mais o que é isto?

–- É latim!

--- O que?

---- Trata-se de alguns discursos de Cícero. Preciso deles para minha tese de Doutorado. Curso línguas clássicas.

--- Você acha que eu vou mesmo cair neste golpe?

--- Não só acho como vou traduzi-los para você, agora!

No dia anterior eu tinha traduzido todo o meu livro para o Latim. Foi um trabalho e tanto, tive de recriar alguns termos modernos, mas fiz de uma forma bem rápida.

--- Catilinárias… Comecei a ler…

Batizei a reportagem sobre a fome e o expurgo com estes termos.

--- Ah! Eu conheço esta história… Vou deixá-lo passar, infelizmente, mas vê se da próxima vez inventa uma desculpa mais interessante.

E assim eu enganei o sistema de censura mais bem preparado do mundo.

Eric Deller
Enviado por Eric Deller em 28/09/2016
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