Por entre as sombras

Chovia.

     Uma garoa fina, quase transparente, que fazia de quando em quando, pingos feito lágrimas escorrerem das ramagens de  um velho carvalho.

    Ao longe ciprestes se inclinavam, tentando num esforço inútil alcançar  o infinito do céu,  pedindo clemência a fúria dos trovões  que relampejavam.

    O inverno nascera prematuro aquele ano e trouxera consigo um vento gélido e tempestuoso, capaz de gelar muito mais que os ossos de um homem.

    Um  pássaro piou tristemente ao longe.  

    O pastor abriu o livro de orações, e sua voz melodiosa rivalizava  com a algazarra do tempo, e no campo quase deserto deu inicio a leitura interminável e supostamente reconfortante, que era esperada num momento como aquele.

    Gilberto já não escutava mais e  seu olhar estava distante, sua atenção  dispersa.  Sentia um torpor tomar conta de seu corpo e anestesiar suas emoções. Não havia mais lágrimas em seus olhos, era como se estivesse vendo a si mesmo do alto, de algum lugar em que sua alma se encontrava naquele instante.

     Não tinha ideia de quanto tempo decorrera, só conseguira  sair do estado de letargia, quando alguém tocou levemente seu ombro.

     .... - Sim, caminhantes neste mundo que não é de ninguém,  a não ser do Pai.  O pastor finalizou fechando o livro e curvando a cabeça.

     O silencio opressor naquele instante que se seguiu, fora apenas quebrado pelo barulho do caixão descendo lentamente, sendo tragado para as entranhas escuras da terra.  Ali ficariam as últimas flores que ele lhe daria, enterradas num tributo de adeus.  Enterrava muito mais que uma esposa. Naquela cova ficariam seus sonhos, sua juventude, e a prepotência de um  futuro já planejado.

     Uma história inacabada.

     Sentia-se naquele momento vazio, incompleto e frágil.

     Percebera muito tarde, era sempre essa a ironia do destino, não era? O quanto poderia ter feito mais, o quanto poderia ter sido mais.

     Mas não fora.

     Ficou ali sozinho ainda por muito tempo depois que todos partiram, com o sobretudo encharcado e a esperança vazia.

    Atravessou, por fim,  os enormes portões carcomidos  pelo tempo, que separavam a vida da morte e partiu para o começo de algo que chegou a pensar que era o fim. Algo que  nunca conseguiria explicar com clareza nos anos advindos,  nem com conjecturas. Algo muito além de seu próprio discernimento e ceticismo.

      Era incompreensivo até nos mais remotos e íntimos sonhos que já ousara sonhar.

    Talvez. Apenas talvez, lampejos de uma insanidade...

Tânia Mara Paula
Enviado por Tânia Mara Paula em 11/10/2016
Reeditado em 26/12/2017
Código do texto: T5788593
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