Séculos antes da alta médica.

Estou deitado com um estoma para fora de meu corpo. Bem, é o que as enfermeiras disseram. Não tenho coragem de olhar para baixo ou tocar no meu intestino fora do abdômen . Só sei que desde que colocaram esta parte para fora e fiquei sabendo que terei que usar isto, droga, tudo que eu planejei na vida virou uma merda. Como a merda que cai para o saco plástico, entre um ou outro peido alto (disseram que não tem como controlar, mas, o barulho amplificado pelo saco plástico é horrível).

Bem, talvez não seja impossível conviver com isto. Talvez eu esteja exagerando em não querer olhar para as fezes, mas e agora? Como vai ser minha vida quando eu voltar para casa? Andando por aí eternamente com um saquinho de merda. Olha. Não é que eu acredite que eu volte. O acidente abriu minha barriga e perfurou tudo no caminho.

Eu só reclamava que eu era meio gordo e sempre me imaginei num momento de fúria rasgando meu ventre e retirando a gordura em excesso com as mãos. Mas agora que eu fui forçado a não comer por sabe-se lá quantos dias, só quero que botem pra dentro o que me pertence e me coloquem uma roupa. É vergonhoso estar de repouso com um pano cobrindo o mínimo possível. E vai saber quem mais está aqui.

Bom, não posso falar muito em vergonha, colocaram algo no meu pênis para eu urinar e, droga, não sai nem morrendo de vontade, sem contar que quase tive uma ereção acidental quando manusearam, por assim dizer. Só não tive talvez pela dor e pelo excesso de sondas no meu corpo. Sem contar este ruído maldito, de segundo a segundo. Você pensa que o tempo é marcado pelo tique-taque do relógio, é porque não ouviu o tanto de sons que os aparelhos fazem aqui, compassados, impedindo que eu tenha um minuto de sono.

Meus olhos doem. Droga, tudo dói. É difícil dizer o que não dói. Arranquem tudo de mim! Eu assino um maldito contrato dizendo que foi minha vontade. Mas não acho que consigo formular uma frase com esta sonda na garganta.

Desculpe, outra flatulência. Amplificada como o som de um escapamento de carro. Droga. O tempo não passa aqui. Tudo aqui fica. A dor, a morbidez, o desespero e as fezes...

Psycho Vincent
Enviado por Psycho Vincent em 11/11/2016
Reeditado em 11/11/2016
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