Hospício a dois

Ela me olhou e me disse com os olhos injetados de raiva.

- Não fico aqui mais nem um minuto.

Esperei as palavras pararem de ecoar dentro do banheiro e deixei o barbeador de lado.

- Não posso te prender aqui comigo.

- Você é um filho da puta!

- Minha mãe não tem nada a ver com isso.

- Idiota nojento!

- Ótimo. Você tem mais algum adjetivo pra mim hoje? – Disse-lhe, finalmente virando em sua direção.

- Odeio você... e esse seu cinismo!

- Cinismo? Puta que me pariu, mulher. Onde estou sendo cínico? Veja o tanto de coisas que você está me dizendo.

- Você merece!

- Talvez eu mereça. Mas os vizinhos não precisam escutar tudo isso.

- Fodam-se os vizinhos.

- Bem... me deixe terminar o banho que eu vou embora e você pode continuar gritando pra eles.

Fechei a porta e a deixei esbravejando do lado de fora.

Tomei meu banho tremendo de raiva, mas tentando me conter.

Como eu podia ter deixado as coisas chegarem naquele ponto?

Me enxuguei e fui me acalmando aos poucos. Do lado de fora, ela também parecia ter alcançado um estado de espírito mais tratável.

Saí enrolado na toalha e dei de cara com ela chorando, deitada na cama.

- Olha, meu bem. Não acho que haja necessidade para isso tudo. Se você achar melhor eu posso ir embora. Deixo tudo para você... não faço questão.

- Não quero nada disso.

- O que você quer então?

- Quero você de volta.

- Mas eu estou aqui, não estou?

- Você não me aguenta mais...

- Veja, não sei de onde você tira isso.

- Eu sinto. Lá no fundo eu sinto que você está enjoado de mim. É questão de tempo para que arrume outra.

- Porra mulher. Que tipo de canalha você acha que eu sou?

- Nenhum tipo. Você é você.

- Precisamente. Você me conhece. Sabe que não sou disso. Tenho mil defeitos, mas não iria te trair.

- Eu sei! Mas você pode me deixar!

- Se você continuar com essa loucura, pode ser que sim.

- Você está me chamando de louca?

- Não, claro que não. Mas você está agindo como uma.

Senti o peso da besteira que falei quando as palavras deixaram minha boca. Mas eu não tinha como retirá-las.

Numa questão de segundos, ela se lançou em direção à porta da sala e já ia tomando o rumo da rua.

Corri atrás o quanto pude, mas a toalha escorregou e fiquei nu, do lado de fora.

Ela olhou para trás e parou.

Sem conseguir segurar o riso, virou-se em minha direção e falou.

- Volta pro quarto, você está nu.

- Porra, qual o problema? Não posso deixar você ir embora.

- E o que vai fazer? Correr nu atrás de mim?

- Vou.

- Você ia ser preso.

- Ia. E você seria culpada.

Caímos juntos no riso.

Ela entrou e nos abraçamos.

- Você não é louca.

- Sou sim. Nós dois somos.

- É. Talvez sejamos.

- Não era pra concordar.

- Ah. Pensa pelo lado positivo. Podemos morar no mesmo hospício.

- Parece uma boa ideia... lá você vai poder correr pelado.

Rimos um do outro e toda a animosidade foi se dissipando.

seguimos para juntos para o quarto, abraçados.

Dessa vez, iríamos incomodar os vizinhos

com outro tipo de barulho.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 15/11/2016
Reeditado em 15/11/2016
Código do texto: T5824084
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