A moça do colar de diamantes

Charles e Elisabeth moravam perto do Cranford Park, em Londres, por volta de 1970. Casaram-se muito cedo e graças a condição financeira de suas famílias moravam em uma grande casa, rodeada por grande muro verde, com flores roxas próximas ao portão. As paredes internas eram brancas, trabalhadas com alguns tons pastéis nas escadas e na sala. Repleta de luxo, a casa ocupava quase que um quarteirão inteiro, sendo motivo de inveja para muitos.

Um ano depois do casamento, Elisabeth veio a ficar grávida e tamanha foi a alegria dos futuros papais. Meses depois, em uma noite clara, de céu limpo e repleto de estrelas, nasceu uma linda menina, de cabelos da cor do ouro e com os olhos azuis do mar aberto. Seu nome, devido à noite calma de seu nascimento, foi Clara. Passou-se os dias e Clara foi crescendo e se tornando uma menina forte, bonita e inteligente.

Um certo dia, como era costume da família, foram fazer um passeio pelo parque próximo à casa. Charles esperava na ante sala, enquanto Clara trocava de vestidos constantemente, já que nem o azul e nem o rosa estavam lhe agradando. Depois de muito esperar, eis que surge uma linda menina, pronta para festejar o aniversário de quatro anos, com seu vestido amarelo com pontinhos pretos.

Pai, mãe e filha caminharam até o parque, correram, brincaram, pularam, se sujaram e riram bastante das brincadeiras que Charles fazia para alegrar toda a família. Depois de muito se divertir, Decidiram ir pra casa pela terceira vez, já que nas outras duas Clara tinha pedido pra ficar mais. Dessa vez, por conta da cara brava que seu pai fez, Clara acabou aceitando o "convite" de ir pra casa. Próximos a saída, havia um senhor vendendo bolinhos de coco, que Elisabeth decidiu comprar para ir comendo no caminho.

Enquanto conversava com Charles para tentar descobrir onde estava a carteira, ambos não perceberam que, sorrateiramente, uma senhora idosa de pele muito enrugada e mãos grandes e calejadas aproximou-se de Clara, pegou suas madeixas loiras, tapou lhe a boca com um dedo e sussurrou-lhe palavras em seu ouvido. Imediatamente Clara começou a chorar e sua mãe virou-se rapidamente e não viu ninguém por perto, a não ser o vendedor e uma mulher com casado grande e marrom que estava bem longe deles.

Todos ficaram sem entender o ocorrido e pensando ser birra de Clara para não ir pra casa, pegaram-na no colo e foram pela rua brigando e reclamando de sua "malcriação". Quando chegaram na casa, Clara parou de chorar e sua mãe foi preparar um chá da tarde para eles descansarem do dia.

Passou doze anos e Clara tornou-se uma bela jovem, alta, magra, escandalosamente bonita, desejada pelos homens e invejada pelas mulheres. Além disso, tocava com grande exímio o velho piano de calda inteira, herdado do tataravô de seu pai. Londres, em toda a sua história, não conheceu mulher como aquela: saía pouco de casa, portava-se com decência e pureza, mesmo que exalando sexualidade.

Nessa idade, aos 18 anos, começou a namorar Harry, um jovem um ano mais velho que ela. Harry vinha de uma rica família do norte da Inglaterra, era alto, bonito, cabelos castanhos e um olhar que fez com que Clara se apaixonasse. Frequentavam a casa um do outro, sempre acompanhados do olhar ágil de seus pais.

Por ser aniversário de Clara, a casa estava cheia de amigos, parentes e pessoas da alta sociedade convidadas por mera educação. Harry e sua família estavam presentes e todos na festa estavam ansiosos para receber um presente da própria aniversariante: uma música tocada pela jovem no piano.

Por estar calor, Clara decidiu usar o longo vestido branco de seda que tinha ganhado de sua tia Emily. Aproveitou e pegou, sem que ninguém soubesse, o colar de diamantes de sua avó, que estava jogado no fundo do porão. Ao surgir no alto da escada, toda a casa foi iluminada por sua beleza... Ao descer os degraus, ouvia-se elogios e comentários sobre a menina que agora já era uma mulher. Após a cerimonia padrão, sua mãe ia perguntar-lhe onde ela tinha pego o calor, mas não deu tempo pois seu pai pediu que ela tocasse alguma melodia no piano, o que foi prontamente aceito.

Após dedilhar gloriosamente o piano, com uma linda vidraça grande em sua frente, mostrando o por do sol, foi aplaudida com fervor e, pouco a pouco, os convidados foram se retirando. Já era tarde e a Lua já estava em seu posto ansiosa pelo desenrolar da história do jovem casal mas, tudo foi interrompido quando Elisabeth perdeu as forças e veio a cair no meio da sala. Como não se sentia bem e uma enorme dor no peito surgiu repentinamente, todos foram levá-la ao hospital. Clara e Harry ficaram por ordem de Charles, para poderem receber a mãe de Elisabeth, que estava a chegar para passar uma temporada na casa deles.

Com a Lua cheia no alto do céu, Harry tentou acalmá-la com um beijo. Clara se afastou, assustada:

— Não devemos... - disse, em dúvida.

— Mas podemos! - respondeu Harry.

Nesse momento, os olhos de Clara se cruzaram com o de Harry e acendeu-se uma enorme chama sobre aqueles dois corpos parados no centro da sala. Para escapar da situação, Clara propôs ensinar Harry a tocar piano. Mesmo sem querer,. Harry sentou-se ao lado de sua amada e começou a dedilhar as teclas sem a menor harmonia, até que as mãos se tocaram, se olharam novamente e, dessa vez, Clara beijou-lhe ardentemente. Nisso, a mão do rapaz já sentia a linda e sensível pele da amada, enquanto tentavam propagar palavras amorosas uns aos outros.

Clara levantou-se rosada de vergonha e percebeu que Harry também estava um pouco tímido, embora ansioso por aquilo. Sem pestanejar, Harry foi despindo-se na frente de Clara, que ao ver a cena começou a rir pra disfarçar o nervosismo. Quando Harry ficou completamente nu, abraçou-a e roubou-lhe outro beijo. Despiu-a e ambos começaram a se acariciar de um modo que nunca tinha acontecido. O fogo entre aqueles corpos aumentou ainda mais e ali mesmo um conheceu o corpo do outro, e amaram-se. Risadas e gemidos eram propagados pelo casal, fazendo cocegas a tapeçaria da sala que, junto aos móveis, assistiam aquela cena ousada mas sublime. Era tudo tão perfeito que parecia um paraíso escondido em uma das ruas de Londres.

Clara, depois de tudo isso, vestiu-se novamente e sentou-se ao piano e começou a tocar, tendo a lua iluminando suas mãos, enquanto Harry deitou-se sobre o piano, tendo desde seus fios castanhos da cabeça até as coxas nuas iluminadas pela luz da sala. Ambos, no ápice do amor, gargalhavam com o fundo de uma melodia estranha. Clara levantou-se e lembrou-se, involuntariamente, de uma velha senhora que lhe havia dito algumas palavras, então beijou seu amado e, com as duas mãos, acariciou o seu rosto, quando, em fração de segundos, desceu suas mãos e quebrou-lhe o pescoço em um golpe mortal, frio, e selvagem. O rapaz emitiu um grito tão profundo que fez com que os pássaros à janela voassem para longe, a Lua procurou esconder-se atrás de uma nuvem e os ventos pararam, indignados, sem entender o que havia acontecido.

O sangue do rapaz jorrava desde o piano, tocando-lhe suas mãos e sujando o belo vestido branco. Ao fundo, uma melodia alta e fúnebre era tocada pela jovem com um sorriso incontrolável no rosto. Cada gota de sangue do rapaz adentrava entre as teclas, fazendo o som sair mais lento e mais intenso. O amante, jaz morto, exprimia uma face de terror indescritível.

Nesse momento, Charles, pai de Clara, voltava do hospital triste e cabisbaixo, por saber que Elisabeth estava muito doente e precisaria ficar no hospital. Ao chegar próximo ao portão, percebeu uma movimentação estranha por parte dos vizinhos que estavam curiosos para saber mais sobre aquele grito e sobre aquela música alta. Ao entrar na casa, sem se dar conta do que estava acontecendo, foi logo gritando:

— O que é isso? Desça já daí, rapaz. Quer dormir vai pra cama.

Ao chegar mais próximo do piano, Clara levantou-se marcada pelo sangue. Sem entender nada, ainda, fixou o olhar sobre Harry. Ao vê-lo nu pensou que houvesse acontecido outra coisa quando, finalmente, percebeu que o rapaz já não respirava mais.

— Por que? - perguntou à Clara.

A jovem saiu correndo pela porta dos fundos, deixando um pedaço do vestido preso entre os galhos da roseira.

Ao saber da história, a mãe de Clara não aguentou e entrou em uma depressão profunda. Dez dias depois sua mãe, a avó de Clara, veio a falecer por causa do câncer no pulmão, fruto de anos como fumante. Elisabeth, usando um vestido preto longo, foi ao enterro de sua mãe mas, infelizmente, não saiu do cemitério. Morreu minutos depois de jogar a terra sobre sua mãe. Charles, aquela altura, estava acabado, triste e sem esperanças na vida. Viveu o resto de sua vida de forma monótona, bebendo para apagar as dores.

Mas, passados cinquenta anos, Charles levantou-se de sua cama como fazia em toda manhã sem graça. Desceu as escadas, caminhou pela sala, chegou na cozinha, sentou-se no chão e serviu-se da primeira dose de vodca do dia. Pegou o jornal entregue naquela manhã e leu, na terceira página, algo que lhe perturbou o âmago da alma. A matéria falava sobre um colar de diamantes achados na beira de um rio e, na mesma hora, Charles lembrou-se do colar que Clara usou naquele dia impar de sua vida. Percorreu a casa em busca de consolo mas não encontrou. Subiu para o seu quarto, olhou-se no espelho e serviu-se da segunda dose de vodca. Olhou para o espelho e viu um homem velho, acabado, triste e miserável.

Levantou-se do chão e desceu para comer alguma coisa. Enquanto comia a velha torrada amanhecida chorava e lembrava do saudoso tempo ao lado de sua família. De repente, ouviu um barulho na porta da sala. Ao virar-se para ver quem chegava, impressionou-se com o que estava vendo.

— Você? - perguntou, confuso.

— Sim, sou eu. - respondeu a pessoa.

Nesse momento, olhou para o copo de vodca, olhou para a pessoa recém chegada, olhou para si mesmo e lembrou-se de toda a sua vida. Ao voltar a cozinha, soltou o copo, que ruiu sob o duro chão.

Charles, então, caiu no chão.

Morto.