[Acrofobia]

Caminho pelos corredores tranquilos da minha faculdade. Meus passos são claudicantes, meu corpo se move de forma errante pela Academia. Cada metro a mais é uma conquista a ser comemorada. Ao meu lado, a minha amada Solidão, que anda lentamente para não me deixar para trás, sorrindo a me ver tão atrapalhado. Seu sorriso não é de escárnio nem de ironia: é puro e doce como de toda namorada. Seguimos juntos: tão diferentes, tão iguais; tão separados, tão unidos; tão opostos que só o amor e o desespero são capazes de unir.

Chego ao centro: estamos no primeiro andar e é noite. Mal se vê a rua adiante e os brilhos fracos dos faróis dos carros se misturam às sombras que são as árvores. Uma chuva fraca e insistente cai: o vento fraco a traz para mim, fazendo-me sentir o seu frio. Passo a mão pelos braços: preciso me aquecer, mas também preciso ter a certeza de que ainda sou o que sou e de que tudo o que é real continua sendo real. Meu coração dispara: o sofrimento começa a tomar conta de mim. Minhas mãos tremem: sinto a dor que o vazio me causa. Aquelas luzes começam a girar em meu entorno: brancas, amarelas e vermelhas, todas dançando em meu redor, alegres, sorridentes, misturando-se em tons depressivos até formarem um borrão. Os sons do térreo são dissonantes, como uma sinfonia desastrada de vozes conduzida por um maestro ébrio. Nada faz sentido, a não ser uma verdade: todos estão felizes e isto me incomoda. Seus risos machucam meus ouvidos: como gostaria de me livrar deles! Como gostaria que todos calassem a boca para que eu consiga sofrer um pouco melhor! Como gostaria que todos que falam não sejam diferentes de mim! Como gostaria que, ao menos uma vez em toda a minha vida, a minha voz seja ouvida sem preconceitos! Como gostaria que eu pudesse ser como eles! Mas eis que uma voz gostosa e suave se sobressai a todas as outras. Sua doçura me assusta e me encanta, e me dirijo à mureta para ver quem me chama. A Morte me espera.

“Por que não sai daí e vem para cá da forma mais fácil, querido?”, pergunta-me ela, com um sorriso tão lindo quanto a luz do dia e olhos tão azuis e profundos quanto o mais belo lago. Seus cabelos dourados e longos carregam uma coroa de flores que só a rainha de todos pode ter e a flauta que ela segura já me previne que eu terei de dançar com ela. “Por que continuar sofrendo se eu posso acabar com tudo isso? Por que se iludir e achar que ainda tem algum futuro quando você pode simplesmente viver o presente comigo?”, continua, tão delicada e sedutora. Chego mais perto da mureta para poder vê-la melhor, mas não consigo fazer isto por muito tempo: sinto uma enorme fraqueza em minhas pernas e meus braços; minha cabeça começa a rodar e rodar; meu corpo se congela, mas minha mente luta para sair dali; meu estômago começa a se revirar e eu perco a noção de onde estou. “Por que continuar se iludindo, Marcos? Por que acreditar que há algo melhor pela frente? Ninguém gosta de você, ninguém se importa com você. Você é um fraco, sabe disso, sabe disso melhor do que todo o mundo. Por que continuar se iludindo e acreditando que amanhã será melhor do que hoje? Por que continuar alimentando esperanças para depois chaciná-las? Sei que sofre, querido, sei que carrega um sofrimento que ninguém, além de você, é capaz de entender. Por que não me deixa resolver isto de uma vez por todas? Por quê?”, e o que eu mais consigo distinguir da Morte é o seu sorriso sincero de amiga e amante. Porém, a Solidão decide intervir, gritando “Não!” e me puxando para fora daquele lugar, chorando muito. E, enquanto ando, com meus passos sôfregos, ela apenas consegue me dizer “Eu te amo!”, abraçando-me e me envolvendo em seus carinhos. Ela sabe que não será sempre que o meu medo de altura nos manterá unidos.

Marcos Paulo Barbosa da Silva
Enviado por Marcos Paulo Barbosa da Silva em 23/01/2017
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