Inês e Abel
 
Inês era casta demais. Relutou em casar, mesmo apaixonada por Abel. Enfim aceitou, pois concluiu que para o convento não servia. Se o amor carnal entrara em seu coração, sentia-se um tanto impura para a vida religiosa. Ademais, queria experimentar o exercício da maternidade.
 
Casaram-se na igrejinha do lugar. Todavia no cumprimento do dever matrimonial ela negava-se a tirar a camisola. Nunca o marido a surpreendia nua, nem ela a ele.
 
Entregava-se semanalmente, conforme combinado, apenas por dever e com vistas à procriação. Jamais um gemido, uma mexidinha sequer. Longe os maus pensamentos. Um ou dois discretos beijos no início do ato. De língua, nem pensar.
 
Bons anos transcorreram. Três filhos crescendo. Inês mantendo a formosura sem muito fazer por isso. Sorte, dom ou genética. Em dia com as obrigações do lar, do matrimônio e da igreja. Contudo sempre no mesmo diapasão, sem novidades nem ousadias no leito que pudessem ter qualquer conotação de pecado.
 
Na tarde do domingo mais quente do verão daquele ano, Abel, como de costume, recolheu-se ao quarto para a merecida sesta semanal. Sem outra intenção que não a de aliviar um pouco o calor, deitou-se do jeito que veio ao mundo, esquecendo-se do acordo com a esposa de jamais mostrarem-se assim.
 
Relaxado e despido também de preconceitos, sem querer, mas querendo havia tempo, o homem, que não era de ferro, sonhava livremente com uma provocante comadre. O compadre que o perdoasse.
 
Despachadas as crianças para a casa dos avós, Inês decidiu que também merecia tirar uma repousante pestana naquela tarde, luxo que não costumava se permitir. Pensou, então, em vestir a camisola e deitar ao lado do companheiro, que a esta altura dormia como um anjo, segundo ela inocentemente imaginava.
 
Ao abrir a porta do quarto, surpreendeu-se com o marido no auge do sonho. Por uns segundos ela perdeu a voz e não conseguiu emitir som algum. Eis que jazia na cama um contrato quebrado e vivia um homem nu, armado de avantajada lança, pronto para uma batalha de prazer.

Sentindo voltar-lhe a voz, aproximou-se do corpo e, escandalizada com o falo despudoradamente teso que os seus olhos ainda não tinham visto, soltou o grito preso na garganta:

 
- O que é isso, homem do céu?
 
Abel, meio acordado, meio dormindo, não sabendo bem se era Inês ou a outra quem gritava nesse transe, respondeu sem hesitar:
 
- Isto é o que o céu reservou para você.
 
Incontinente, puxou-a pelo braço e a deixou sem fala no meio da cama. Entendendo a mudez como consentimento, despiu-a sem pressa, enquanto beijava-lhe partes antes nunca vistas nem tocadas.
 
Nenhuma palavra inteligível ouvia-se dos lábios da mulher. Apenas gemidos, um ai isso, ou ai aquilo. Leves tremores no corpo e um remexer lento no início, que aos poucos foi se libertando e acelerando para o final.
 
Descontraído e satisfeito com a verdadeira cópula, pela qual ansiava desde a lua de mel, mas ainda não recomposto totalmente da surpresa, Abel sentenciou quase aos berros, entusiamado:
 
- Amor, Inês é morta!
 
Ela riu.


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N. 
do A. – Na ilustração, Casal Enamorado 7 de Áurea Seganfredo (São Miguel do Oeste – SC).
João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 06/02/2017
Reeditado em 05/07/2020
Código do texto: T5904233
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