RESPINGO DE OUTRORA.

O inverno estava pesado, rojões espocavam sobre a pequena aglomeração de casas. O pregoeiro anunciava a última prenda, uma galinha rode, cujo pescoço caia de sono ,o velho relógio da igreja remava sonolento para as vinte e duas horas, porque cá para nós , relógio no sertão tem lá sua preguiça, trabalha por obrigação. Era questão de minutos para a festa acabar. O tempo urgia, aquele afobamento, risos sem graça saltava das bocas , era ela, não tinha como amarrar um suspiro, este vulcão que vem do coração. Era ela em carne e sensações, esguia, vestido estreito longo como o riacho que desabava da banda de baixo do arraial.Não usava um único acessório , seus lábios eram fina flor e sua pele seda de alta finura. Estava sufocado pelo arroxo da alma, essa sensação que vem cortando o individuo pelas partes mais doloridas. Juá olhava-a fixamente, não deixava escapar um aceno de seu corpo. Olha como as palavras saem coroadas da boca dela . Nem quis olhar, cá para nós , para mim homem que demonstra fraqueza é de pouca confiança. Era até bom companheiro, mas nestas coisas do coração, nunca devemos meter o bedelho, cada um que se vire com sua alto flagelação, pensei, dei um sorriso acanhado . Ela se posicionava como amostra na vitrine , ah ,não tinha outra analise, já tinha percebido, mulher quando sente-se banhada por olhares cresce que é uma beleza. O sacristão acabara de desligar o lampião, ouviu a porta ranger forte, de longe viu a beata fechar a penúltima porta , agora restava o lampião de fora e alguns minutos, tinha que ter coragem, mas o que falar? As palavras fogem nestas horas.Juá esfregava as mãos, alisava os cabelos, tinha que dizer a verdade, o tempo não espera ninguém, o lampião dava seu derradeiro clarão, agora apenas uma brasinha , tão pequena que não dava para clarear um dedo.

Ela ainda olha em nossa direção, seus dentes claros eram só brilho, jogou o cabelo de lado, desfilou para o portão enferrujado do adro.

Um Jipe manobra e clareia a aglomeração.

Ela está impecavelmente bela, que caminho sem volta, que lindo parque em sua extensão, pega na mão de bebela, vai partir, Juá me olha com olho de peixe morto, não diz nada, sua o nariz, ajeita o bigode ralo. Eu disse: Tem que ser agora.

Ela vem em nossa direção, direciona a mim, metido. Nem falou comigo.Senti o cheiro de pecado invadir meu coração.Olhei , Juá estava pálido como lua antecipada. Conseguiu falar, desemudeceu . Até mais , e assim saiu em disparada. Bebela deu uma risada gostosa,ela gostava de zombar do sofrimento alheio. O Jipe endireitou e toda a rua virou dia, la longe deu para ver as pernas grandes e magras de Juá desaparecer como um sopro. Bebela ri de novo,uma risada fina e longa,senti seu hálito bafejar minha face.Confesso não resisti, peguei nos teus enrolados cachos, ela refugou, tinha medo de mãos de homem, sua avó num dia de chuva disse a ela que mãos de homem deixava as mulheres mal faladas.

Toquinha aproximou de mim. Bebela é uma tola, ôcê é um partidão,deu um suspiro, ai quem me dera ter estes olhos de jabuticabas me olhando. Tive vontade de falar de mim, mas Juá não saia da minha cabeça, a esta hora o pobre padecendo da dor da alma.Peguei nos teus cabelos, tão sedoso e cheiroso, minha mão tocou a sua face, ela não refugou, ficou manhosa e uma palidez mortífera tomou conta do seu rosto, aproximei mais e ouvi teu suspiro desaninhar do teu peito.

Bebela nos olhos com ar de reprovação, abanou a cabeça, fechou-se como uma noite.

Aproximei dela, peguei em tuas mãos , ela encolheu,suas mãos estavam frias, vi nos teus olhos uma pontinha de desilusão. Toquinha percebeu: Ficou arretada Bebela? mas ela estava muda, não deu nem um pio.

Maria da rua do canto, disse: Vamos meu povo, a noite está alta.

Assim saímos, as matriarcas a frente e atrás só nós e nossas intenções.

Tomei a dianteira: Toquinha, Juá é moço bom. Senti uma mão quente tocar meu braço, uma voz baixinha soou nos meus ouvidos, mas ocê também, fui firme, não derreti para ela .Juá era meu amigo, e um dia meu pai me disse, morra mas não traia um amigo. Tive uma lacuna , um vazio me ocupou. Foi ai que senti Bebela aproximar de mim, tocou minhas costelas, suas mãos agora estavam ardentes, seu cheiro tinha um outro tempero, aproximou mais e assim me disse: O momento é um espinho que nos atravessa, Confesso leitor, naquele momento não entendi. Só mais tarde, anos depois recebi uma carta em que Bebela revelava seu amor por mim.

Divino Ângelo Rola
Enviado por Divino Ângelo Rola em 19/02/2017
Código do texto: T5917811
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