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“Santo Deus, de novo não!”

Tive vontade de gritar no centro da Santo Antônio. Sentia o corpo mole, dor de cabeça e um leve desconforto na garganta. Aos olhos destreinados pareceria uma simples gripe, no entanto era mais uma conspiração daquelas sujeitas. Tinham me arrumado uma semana de cama naquele mês e na certa perderia outra semana de vida social (universidade, eventos, etc.), as culpadas? Minhas amídalas.

Segundo os médicos uma amídala funciona até aproximadamente cinco anos de idade, no meu caso fazia tempo que estavam em greve e vez por outra serviam para fazer motim se inflamando. Não que eu esperasse muito delas, mas com esta pisada não dava para ser feliz. Os antibióticos mais caros não surtiam o efeito esperado, servia apenas de energético para as bactérias, que aos gritos proferiam puxando minhas barbas: “o que não mata me deixa mais forte”, cansado de n vezes ficar doente estava decidido a por um fim nas rebeliões.

A última rebeldia das garotas me fez chorar de raiva. Imaginem vocês que minha casa havia sido reformada há pouco tempo, o inverno estava no fim, mas ainda chovia a noite, então deitado em minha cama dormindo, com febre aferida em 39,5 ºC, tomo um susto e pulo da cama com uma cachoeira que havia se formado em meu quarto. A água gelada descia do bocal da luz diretamente em minhas costas, não acreditei quando vi os interruptores jorrarem e pensei em milagre, mas não havia nada de miraculoso na expressão que fiz ao ver meus documentos encharcados, não só os documentos, mas toda a casa, coisa que em dezessete anos nunca tinha acontecido. Tive vontade de sair na chuva trazer o pedreiro pelo cangote e só não chamá-lo de bonito, mas me acalmei e passei o resto da noite a luz de velas arrastando a mobília e enxugando. No outro dia a dor me matava no ritmo cardíaco. Minha cabeça parecia o sambódromo na passagem de uma escola de samba, não conseguia deglutir nada, na ausência da fala passei uma semana me comunicando por gestos e comendo alimentos triturados.

Ao melhorar da crise marquei os exames necessários e me internei no hospital para fazer a amidalectomia (operação que consiste na retirada de amídalas). Tomei um medicamento que me deixou muito grogue, ri durante três minutos sem parar, me fez até dizer que amava a minha mãe, logo após veio a anestesia geral. E tudo escureceu, por aproximadamente uma hora e trinta minutos. Acordei um pouco sufocado com pontos que incomodavam bastante a garganta, enquanto a enfermeira tentava me segurar exclamando: -“...você não pode pular da maca!”. Cheguei ao quarto e dormi um pouco com um frio desgraçado (efeito da anestesia) e com um enjôo que me fez regurgitar todo o sangue que havia engolido no processo (normal em se tratando de retirada de amídalas). No outro dia mandei para a biopsia as velhas inimigas, que constatou: “Amidalite Crônica”. Não era nenhuma novidade. O mais difícil foi a recuperação, durante oito dias bebendo somente líquido, chupando gelo, tomando sorvete e morrendo de fome (para emagrecer não há modo melhor), cheguei a perder quatro quilos em uma semana.

Até que enfim criei coragem e fiquei livre, nunca mais tive amidalite, só na próxima reencarnação. Graças a Deus, ao médico e ao pedreiro.