MITOS DA PÓS-MODERNIDADE

Mitos da Pós-Modernidade é uma cidade fisicamente pequena, mas de uma força virtual enorme. É bem certo que grande parte das cidades são virtualmente grandes, mas em grandes metrópoles essa diferença passa batida, tal qual os milhões de passos diários nos seus centros comerciais. Em Mitos da Pós-Modernidade essa diferença é muito mais nítida, pois se algum dia houver algum visitante na cidade, o que é bem improvável, a não ser que tenha se perdido, conhecerá uma cidade pacata, o bom e velho interior. Mal saberia esse visitante, sobre o turbilhão de informações diárias transitam por ela. Segundo pesquisa do CENSO mais recente sobre a cidade, a proporção de tweets para conversas presenciais foi de dez para um. Essa diferença aumenta ainda mais quando se trata de discussões. Mas, por isso ou não por isso, Mitos da Pós-Modernidade vem se destacando pelo seu elevado número de vítimas.

“Andando sozinha a essa hora na rua é pedir para ser estuprada. ” Alguém comentou ao ler a notícia em um site de notícias da cidade. “Se fosse minha filha, isso não acontecia. ” Outra pessoa comentou abaixo em letras garrafais. Até o momento, duzentos e dezoito comentários foram contabilizados nesta notícia. Cento e noventa e oito versam sobre mau o comportamento das mulheres. Oito são SPAM e apenas doze fazem alusão ao estuprador, sendo que dentre estes, sete dizem que isso é culpa dos direitos humanos. Os outros cinco dizem que ele deve ser castrado ou morto, mas que isso não é possível, por causa dos direitos humanos.

Em outra ocasião, em um acidente de trânsito que resultou na morte de quatro jovens, uma pessoa ao ler a notícia e compartilhar ela no seu Facebook, alertou os cidadãos de bem da cidade para perigoso aumento de consumo de álcool entre os jovens – mesmo que que no link compartilhado não houvesse alusão nenhuma de que o motorista e os passageiros haviam bebido. No final da postagem informou sobre o próximo culto em sua igreja. A postagem alcançou mil e quarenta e cinco curtidas e o culto lotou, bem como os bolsos de quem ganhou as mil e quarenta e cinco curtidas, que, aliás, era o pastor da igreja.

Sobre o suicídio de um jovem gay, muitos pediram que Deus o perdoasse por seu duplo pecado e outros muitos desejaram que ele ardesse no fogo do inferno. Os primeiros e os segundos travaram acirradas discussões online, entrando assim na pesquisa do CENSO. Alguns mostraram-se “solidários” com os pais do garoto, dizendo que não deve ser fácil ter um filho gay. O mesmo pastor, aproveitando o bom momento da cidade, aproveitou para fazer sua propaganda habitual. Mas, embora sua postagem no Facebook tenha ganhado muitas curtidas isso não foi capaz de superar um perfil fake que comentou no site que a notícia foi publicada a seguinte frase: “Agora vai dar o cú para o capeta”. Ganhou milhares de curtidas e foi chamado de “mito”, mas ninguém o informou que cu não possui acento.

As vítimas continuam vivas, tanto fisicamente quanto virtualmente. As vítimas nem ao menos sabem que são vítimas, pois entre os sintomas de doenças está o fato de não se verem como vítimas, mas sim como seres superiores, que possuem não somente o direito, como o dever de julgar. As vítimas aumentam a cada dia e se espalham de cidade em cidade. Cuidado, elas podem estar ao seu lado, ou melhor, no próximo tweet.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 04/03/2017
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