VIDAS CRUZADAS - TEXTO COMPLETO

VIDAS CRUZADAS

Lucas Ferreira

PARTE I

Palmas ouviram-se dentro da casa grande ao mesmo tempo em que os batuques soavam na senzala. A comemoração era a mesma. Meninos vinham ao mundo, em lugares tão diferentes, em circunstâncias tão distintas, em alegrias tão iguais. Na casa grande chegava Felipe e na senzala, Manoel. A vida acontece em todos os cantos e traz sempre o mesmo vigor. O que se vive é como um rio num pântano, com múltiplas possibilidades de idas e vindas, caminhos tão diversos. Dois nascimentos, dois destinos, duas vidas. Aquela noite de luar iluminou sorrisos e lágrimas, esperanças e desejos, angústias e anseios. Ao nascer somos dádivas divinas que chegam com a possibilidade de fazer desde mundo um lugar melhor para todos. São vidas, não importando onde e em que circunstâncias nascem. Chegaram.

A aurora apanhou a casa grande silente e a senzala em sorrisos. Assim são as festas e as comemorações. Uma vida nova é sempre uma grande bênção vinda do céu e uma esperança de que o caminho a ser seguido seja diferente daqueles que lhes deram a vida. Anselmo e Luzia, Francisco e Isabel estavam felizes e ambos tinham suas preocupações. Naturais, em cada circunstância.

Corria o ano de 1796 quando vez primeira Felipe, ao sair para passear nos jardins da casa grande encontrou-se com Francisco. Ambos tinham quatro anos, mas nunca haviam cruzado o caminho um do outro. É bem provável que já se tivessem visto, mas nunca haviam conversado. O menino branco estava com roupas finas, alvas, em contraste com seus suaves cabelos pretos. Iriam para uma carruagem que os levaria à cidade para passear e participar de festejos religiosos. O negro menino havia, numa estripulia, avançado o limite do território da senzala e do espaço dos escravos. Era um menininho sorridente, que pulava e se jogava ao chão, no lindo gramado que até então ele só havia visto e admirava. Pulava, caía ao chão, apalpava aquela grama macia e dava gargalhadas. E altas gargalhadas. Tanto que chamou a atenção daqueles que estavam indo passear.

― Olha papai – apontou Felipe em direção ao menino – veja aquele menino brincando... Eu quero brincar na grama com ele...

― Ande logo, entre aí na carruagem. E faça silêncio – respondeu bruscamente o pai.

E virando-se para o capitão do mato ordenou:

― Retire aquele menino de lá e castigue o pai dele.

Entraram na carruagem depois do “sim senhor” do capitão. Gonzáles era espanhol e morava na fazenda de Anselmo desde jovenzinho. Havia fugido do outro lado do mundo, como ele dizia. Ninguém sabia ao certo de onde ele viera. Ele era alto, moreno, forte e sádico. Gostava de ver o outro sentir dor e de provocá-la. Executava os castigos com satisfação e até mesmo com prazer. Dirigiu-se à senzala aos gritos.

― Onde está o Francisco?Onde está o pai daquele negrinho ali no gramado? Retire-o de lá, imediatamente.

Ao ouvir os gritos do capitão, Isabel que estava próxima, lavando roupas no riacho saiu correndo. Estava tão distraída que não percebera que o menino havia saído de perto dela e estava no gramado. Ao chegar próximo à cerca, gritou pelo pequeno Manoel que sorria e gritava mamãe, abrindo os braços em sua direção. Correu ao encontro dela que estava em lágrimas, vendo Gonzáles se aproximar.

― O que esse moleque faz aqui sua negra atrevida! Donde se viu esse negrinho brincar no espaço do sinhozinho Felipe...

E com o chicote em mãos deu umas três chibatadas na pobre Izabel que só protegia o filho e implorava perdão. O capitão deixou que ela fosse e esperaria o pai para cumprir as ordens do patrão.

Já o ocaso caía e pintava a tarde com as cores do outono, num laranja que se distribuía pelo horizonte em tons variados, que combinados com o cantar dos pássaros trazia uma paz que silenciava o canto dos escravos no caminho de volta para a senzala. Era um horizonte de campinas, com uma serra azulada ao fundo, que chamavam de Serra da Saudade, que ainda hoje suspira murmúrios de admiração para quem anda por aqueles lados. Alheio ao que lhe esperava, Francisco caminhava com seus irmãos de sina para a sede da fazenda.

A casa grande possuía dois andares, acima de um porão. A entrada era parecida com a de um palácio, com uma escadaria em pedras e um corrimão de ferro, vindo da Europa, com motivos florais. Ao fundo, um pouco escondida num declive do terreno ficava a senzala. Um barracão comprido, janelas poucas e duas portas, não muito mal feitas para não deixar feio o conjunto, mas sem conforto algum, onde se amontoavam os escravos tantos que Anselmo possuía. Agregado à casa uma capela nem um pouco modesta, com um altar central e retábulos folheados em ouro e cinco imagens sacras, destacando-se ao centro a de Santo Antônio, padroeiro da fazenda.

A beleza construída era emoldurada por campos e um riacho que, ao fundo da senzala, corria suavemente por entre pedras, lugar preferido das crianças da senzala. Ao lado, rodeando a senzala uma pequena faixa de grama com flores silvestres, obra de uma velha escrava.

Este cenário por si só é uma poesia. Mas não é assim que se espelha a realidade. Quando apontaram no horizonte os escravos que vinham das lavouras, Gonzáles tomou postura ereta, firmou o corpo e esperou que chegassem solenemente. Quando se aproximaram, perceberam que algo estava diferente naquele dia. Isabel tinha um rosto lacrimoso, o que deixava no ar uma sensação de perigo.

― Ó Francisco, queira se dirigir ao tronco.

― Mas porque senhor capitão? Que fiz para merecer tal castigo?

― Ora seu negro insolente – disse pigarreando e com os olhos vermelhos de sadismo –desde quando se questiona ordens do patrão?Ande. Calado.

Nisso um burburinho se fez entre os escravos, como reação contrária. Inútil, no entanto. O escravo foi colocado no tronco, enum gesto de misericórdia, foi açoitado com as roupas ao corpo e com as vinte chicotadas de sempre. Foi retirado em seguida e levado para a senzala por Isabel. O pequeno Manoel foi poupado dessa cena macabra, brincando inocentemente ao fundo, perto do riacho.

PARTE II

Depois desse episódio houve conspirações, ideias de fugas e rebeliões. Francisco soube do motivo pelo qual foi brutalmente castigado e calou-se.

***

― Ó Ernesto, me arruma algumas sacas de fubá e um pouco de feijão, que é pra aquela negrada que come feito bicho.

― Pois não patrão. Mando hoje ainda, antes do sol se por. Anselmo falou, é uma ordem.

― Pois que seja Ernesto. A ração daqueles escravos já está no fim. Não se esqueça de colocar também um pouco daquela carne seca,que sempre você coloca. Mas – disse dedo em riste – não exagere, que não quero gastar muito com essa gente.

Ernesto era comerciante, tinha dois escravos que nunca maltratou, e que agora os havia alforriado e pagava a eles um soldo mensal. Era um homem bom, desses raros nesses tempos. Sempre colocava o dobro, ou mais, de carne por sua conta. Francisco mesmo já buscara essas sacas de alimento e sempre recebia porção a mais, com o sorriso do vendedor que recebia um Deus abençoe o sinhô, que para o homem era a maior paga. Secretamente, era membro de um grupo da cidade, que fazia reuniões, estudava leis e era abolicionista. Claro, que por razões comerciais óbvias, mantinha-se em segredo.

Contam, que na fuga que houve e que formara o famoso quilombo do Ambrósio, tinha sua participação. Não sei.

Felipe tinha uma irmã que se casou e foi morar na cidade. Em alguns feriados e nos aniversários, ela costumava visitar a fazenda e trazia presentes para todos. Manoel não tinha irmãos. Seu pai faleceu dois dias depois do episódio do tronco, coisa de uns cinco meses já. Dizem que ele quase nunca conversava com as pessoas. O filho, evidentemente, não se recordava de nada, tinha uma leve lembrança dele, quando este o levava ao riacho. Das histórias de reis africanos e as lendas do Brasil ele não se lembrava de nada.

Passaram-se dezoito anos. Felipe estava para ir estudar, pretendia ser doutor advogado. Manoel era um homem robusto, forte, corpo rígido, de tanto trabalhar na lavoura, mesmo destino de seu pai. Era o orgulho de sua mãe e era apaixonado por Rosa, escrava, jovem formosa, sorriso encantador, no auge dos seus quinze anos, cobiçada por todos os homens daquela fazenda, inclusive, segundo se conta, de Anselmo, já envelhecido. É neste contexto, que o velho fazendeiro, que tinha somente um filho, veio a falecer em circunstâncias até hoje desconhecidas. Conta-se que ele caiu já morto, enquanto caminhava e tomava um pouco de sol. Houve suspeitas de envenenamento, pois, depois de uma hora apresentava manchas escurecidas na língua. Todo mundo falou, mas ficou no buchicho.

***

― Sá, ô sá!

Era Albertina, já quase sem caminhar, toda encurvada, cochichando com Isabel.

― Sinhô morreu de morte morrida não. Ele foi envenenado, eu sei.

Isabel ficou atônita, pois não acreditava, lá no fundo, que Anselmo havia morrido naturalmente.

― Mas como Tina? Quem lhe contou? Como foi?

Com um sorriso irônico, a velha escrava revelou-lhe, baixinho:

― Não se assuste Isabel, mas eu mesma fiz o veneno. Aquele maldito não podia ficar impune. Foi na água, seu filho que deu.

Isabel colocou a mão no peito, gritou pela Virgem Maria e foi silenciada pela amiga.

― Fica calada menina! Ninguém sabe, ninguém viu – e mostrando-lhe as partes íntimas,deixou que ela visse uma marca de queimadura em ferro – isso não ia ficar assim. E além do mais, seu filho sempre quis dar fim a esse monstro. Ele sabe que a morte de seu companheiro recai sobre ele.

― Minha nossa! Por que ele nunca falou nada? Meu Deus!!!

Acalmando-se, Isabel ficou sabendo de tudo. Manoel era escravo de confiança, menino bem educado, obediente, contava com a confiança de Anselmo, que sempre o acompanhava quando ia à cidade. Mas não era um dedo duro, sempre defendia os irmãos de senzala e ainda conseguiu, segundo dizem, abrandar o coração do fazendeiro. Mas no dia que soube das circunstâncias que levaram à morte de seu pai, quis avançar imediatamente sobre o culpado, mas foi contido por Albertina. Ela violou a expressa proibição que Isabel deu a todos de nunca contarem do tronco para o garoto. Tina deu o veneno, ele colocou no jarro de água que ficava na varanda e do qual somente o patriarca tomava, após sua caminhada matinal. Naquele dia, Felipe estava na cidade. Tratava-se de uma erva que a velha escrava conhecia. Mas nada disso muda a história. Ninguém nunca desconfiou.

A morte de Anselmo mudou os planos de Felipe. Agora ele administrava a fazenda, e dispensava cuidados à mãe, que idosa, ficara debilitada e perdera os movimentos da perna. Embora fosse mais tranquilo no trato com os escravos, o moço comandava o trabalho com mãos de ferro. Gonzáles havia sido mandado embora diante da morte de vários que ele castigava impiedosamente. Ora, escravo morto é prejuízo.

Felipe tinha os cabelos negros, como a mais densa noite, e os olhos castanhos davam um contraste que provocavam suspiros nas moças da cidade. Além de tudo, era herdeiro de uma imensa riqueza. Felipe, no entanto, parecia não ter olhos para nenhuma delas. Vez ou outra flertava com uma, ou recebia alguma proposta de algum amigo do pai para que acolhesse a filha em casamento. Entretanto, seus olhos só conseguiam enxergar a beleza de Rosa, sua escrava, que agora fazia trabalhos domésticos e era a responsável por cuidar de Luzia, a debilitada matriarca que dava as ordens que o filho seguia. Felipe assediava com discrição a moça, pois casar-se com uma escrava era um escândalo na tradicional família. Claro que a linda moça percebia, mas fazia-se de desentendida, pois amava Manoel, a quem admirava pela altivez e pela solidariedade que prestava a todos os companheiros. Além do mais, possuía boas relações com o patrão. Manoel soube separar, embora tivesse nutrido um ódio por todos, nos primeiros momentos em que soube da morte do pai.

PARTE III

― Ó Ernesto, me arruma algumas sacas de fubá e um pouco de feijão, que é pra aquela negrada que come feito bicho.

Ernesto, já encurvado pelo tempo, idoso, mas com o mesmo sorriso bonachão de sempre, olhou atravessado para Felipe, franziu a testa e perguntou surpreso e de forma bem demorada...

― O quê?

Felipe sorriu largamente do velho comerciante, de hábitos simples e retrucou:

― Ora seu velho bobo, só fiz uma brincadeira pra que se lembrasse do meu velho. Não era assim que ele falava?

― Sim meu filho – disse em tom pensativo – parece que por um momento vi seu pai pedir a ração dos negros.

― Longe de mim Ernesto. Eu não trato assim àquela gente. Trabalham muito, é a causa da minha riqueza.

Na verdade Felipe era bem mais generoso que o pai. Comprava feijão do melhor, arroz, algumas coisas diferentes como ele mesmo dizia. Carne, tinha com fartura na fazenda, e os escravos comiam bem. Até havia alforriado alguns, que diziam querer sair pelo mundo. Claro, depois de pagarem uma quantia, não muito grande por sinal, mas pagavam.

― Ernesto, me fala uma coisa – disse o jovem entre um gole e outro de vinho. Você conhece a Rosa, escrava lá de casa. Sei também que o senhor é homem que dá notícia de tudo nessas bandas e confesso, sei que és abolicionista.

Ao ouvir isto Ernesto assustou-se, visivelmente, mas foi contido por Felipe.

― Oras Ernesto, todos sabem. Mas fique tranquilo, só não o sou porque tenho minha propriedade e preciso deles.

Mudando o tom:

― Você acha que eu poderia casar com Rosa?

Ernesto agora sim saltou de susto, e surpreso, mas nem tanto, porque todos comentavam o amor dele por ela, respondeu:

― Olha patrão – interrompeu com um silêncio profundo. Todos sabem da sua inclinação pela escrava. Mas casar... é um pouco demais o senhor não acha? Não se tem notícia de caso assim. Além do mais, o senhor não pensa que ela poderia virar contra você numa noite?

Os olhos do moço se vidraram...

― Não Ernesto. Rosa é uma candura, um anjo que está na Terra. Incapaz seria de fazer mal a uma mosca. Tem ela, os olhos mais lindos que já vi, com o brilho mais fascinante que a lua no auge de sua beleza... E seu sorriso! Ah! Que maravilha,janela de sentimento para o mundo. Rosa, doce, terna, de alma linda, de olhar que percorre todas as veias do meu corpo e me provocam um arrepio singular, que viaja em cada recanto da minha existência....

Ernesto ouvia esses e outros elogios que Felipe ia dizendo. Para o moço:

― Bom, aqui estão seus produtos. Já é tarde senhor. Depois conversamos melhor.

Depois daquele primeiro contato, lá no gramado quando Manoel brincava inocentemente e Felipe ia passear na cidade, muito outros surgiram. Os dois, inclusive, chegaram a brincar juntos várias vezes. Foi ainda durante a infância, que os dois se encontraram e começaram a amizade.

― Oi, como você se chama? O que está fazendo dentro da minha casa?

― Oi, eu sou o Manoel. Minha mãe me trouxe pra ajudá-la a limpar a casa hoje. É que sua mãe pediu para ela limpar todas as janelas e não ia dar tempo.

― E você, se chama Felipe não é?

―Sim, e eu moro aqui.

E olhando em direção ao gramado que fica em frente à casa grande, perguntou inocentemente:

― Você gosta de brincar? Quer ir brincar comigo?

― Gosto, mas não posso. Minha mãe falou que eu não posso brincar fora do riacho ou perto da nossa casa – disse o pequeno escravo com voz chorosa.

― Mas, se eu levar você, eu peço papai para não brigar e sua mãe não vai se importar. Vamos?

Manoel, na sua inocência, saiu para brincar com o menino que lhe convidava. Havia se passado pouco mais de um ano da morte do pai. As crianças rolavam e se sujavam no gramado. Corriam, brincavam de esconder, de pega pega e faziam um grande barulho. Foi quando, pela varanda, Isabel que procurava o filho gritou:

― Manoel! Manoel menino, vem pra cá.

― Já vou mãe – disse o menino na sua inocência.

Mas não foi. A mãe precisou gritar ainda mais, pois também não podia pisar no gramado. Aquele era um território proibido a qualquer escravo. Só Vicente, que dele cuidava, tinha permissão para entrar ali. Acabou chamando a atenção de todos que trabalhavam na casa e nos arredores. Luzia repreendeu Isabel, mandou buscar o menino e exigiu que nunca mais se encontrassem. Foi a última vez que Manoel pisou naquele gramado, mas não foi o último encontro. Felipe sumia de vez em quando da vista da mãe e ia para o riacho brincar com o amiguinho. Lá, eram livres. Lá, não havia gritos histéricos de Luzia e a cor não fazia a menor diferença.

Numa dessas brincadeiras no riacho, Felipe conheceu Rosa, que colhia flores por perto, para colocar na senzala. Ela era uma menininha meiga e formosa. Felipe se aproximou, perguntando sobre o porquê daquelas flores.

― São para enfeitar nossa casa, que não tem nada bonito.

― Deixa eu levar uma pra minha mãe. Você me dá uma?

Rosa sorriu inocentemente, ofereceu a flor a Felipe e lhe deu um beijinho no rosto. Não era maldade, não havia maldade. A mãe da menina havia lhe ensinado a fazer assim com os mais velhos, quando ganhavam suas flores. Era um gesto. Apenas. Mas não para o menino, cuja lembrança desse dia o acompanha em suas longas noites de insônia.

Felipe chegou com a flor, mas não a entregou para a mãe. Guardou-a dentro de um livro que ganhara do pai. Ela está lá até hoje. Apesar de ainda tão inocente, aquele gesto de carinho era desconhecido do menino. Era gratuito. Sempre que Felipe fala da escrava, seus olhos ficam úmidos e ele se lembra daquele gesto de tanto tempo.

PARTE IV

O outono começou mais fresco naquele 1816. Madrugada adentro do primeiro dia do ano, ouviu-se gritos vindos da casa grande. Parecia ser Luzia que pedia socorro. A senzala ouvia e ficava sem saber o que fazer. O capitão do mato estava ausente, e além da mucama, nenhum dos escravos permanecia na casa grande. Foi quando os gritos se intensificaram e Francisca, a mucama, pôs o rosto na janela que dava para os fundos e gritou para a senzala:

― Gente, ó gente, corre cá que o sinhozinho Felipe tá morrendo.

O grito era de desespero. Apesar de ser o senhor e dono, era amado porque não castigava, mas tratava bem. E isso era raro nestas bandas. Muito raro. Nisso, correram para a casa grande, atravessando o gramado proibido, alguns dos escravos. Manoel, Rosa e sua mãe estavam entre o grupo de mais cinco pessoas. Ao entrarem no quarto, viram uma cena horrível. Sinhozinho Felipe contorcia-se ao chão. Convulsionava e parecia estar sofrendo um ataque maligno, que na África possuía um caráter sobrenatural. Mas não era na da disso, era apenas uma convulsão de desconhecidas causas. Nisso, Manoel correu e chamou Albertina, escrava velha, a que envenenou o senhor e sabia de ervas e raízes que curavam as doenças. Encurvada pelo tempo, subiu lentamente para a mansão e já fazia sinais de cruzes e se benzia. Olhando a cena:

― Fia – disse apontando para a mucama – põe ele de lado e coloca um travesseiro.

Feito isso, Tina correu-lhe o rosário pelo corpo, rezou e cantou estranhas cantigas de negros jogou-lhe um pouco de água que estava preparada para a noite do sinhozinho. Todas as noites ele deixava uma jarra para tomar pela madrugada. Ela apenas fez um sinal de cruz e jogou no moço. Silenciou-se a casa grande. A madrugada na fazenda impôs uma mudez de morte. Até o barulho dos sapos nos rios e dos grilos cessaram. Todos olhavam para o rosto do rapaz, que, aos poucos, cessava sua crise convulsiva e ia-se voltando ao normal. Os olhos, antes revirados, foram tomando a cor da juventude e meio que revivendo. Ele tossiu suavemente, levantou a cabeça, olhou um pouco desnorteado para os presentes, franziu a testa e levou a mão à nuca.

― Que foi gente? O que fazem aqui? Por que estou no chão?

Luzia chorava e levava as mãos ao rosto e, num gesto inusitado para a matriarca, abraçou Albertina e agradeceu profundamente.

No médico da vila, Felipe soube que aquilo poderia acontecer por causa do cansaço e das preocupações. Recomendou uma mistura que ele mesmo fazia, que, segundo ele iria acalmar e o jovem teria bons sonhos. Recomendou ainda que trabalhasse menos e não colocasse em seus ombros toda a responsabilidade do pai. Voltou pra casa mais feliz, pois havia ouvido de tudo nos três dias antes dessa visita.

Na senzala os bochichos sobre o mal que acometeu o patrão deixou escapar um segredo, que na verdade nunca fora segredo, mas o fato de ser dito em alto e bom som, provocou um silêncio profundo e troca de olhares ressabiados entre os escravos, que logo se dispersaram para evitar mais falatório. É que no vai e vem das possibilidades da doença de Felipe, alguém falou sem querer:

― Isso é paixão ingrata, é que Rosa lhe afeiçoa, mas não o ama.

O imenso mal estar causado atingiu a alma de Manoel. Ele sempre soube da paixão do patrão pela escrava mais bonita, mas ninguém, até hoje, havia deixado essa questão tão às claras assim. Era sinal de que o assunto já havia virado comentários entre todos. Manoel nunca ouviu ninguém falar nada sobre Rosa. Era certo que todos sabiam de tudo. Rosa, que estava na senzala no momento da discussão, recuou-se do lado de fora, próximo ao riacho, e chorava discretamente. Manoel saiu pela estrada que leva à plantação, em disparada. Não voltou, antes de o sol nascer. Albertina foi a única que teceu um comentário, entre um sorriso de desconfiança:

― Isso ainda vai dar o que falar...

Dia novo. Sol que brilha, trabalho que é muito. Felipe acordou cedo e sentia-se muito bem. Pouco depois do sol, já estava ele conversando com o capitão do mato, Elísio e dando as ordens do dia. Foi até a senzala e agradeceu pessoalmente à Tina, e chamou todos para se reunirem à hora da Ave Maria em sua casa, no gramado. A mucama Francisca preparou durante todo o dia, bolo e biscoitos para todos, com a ajuda de algumas escravas. Quando o sol já ia se pondo, todos estavam, em obediência à ordem do senhor, reunidos no gramado. Uma mesa farta estava posta e havia um imenso bolo. Luíza sorria pelo filho, de satisfação, mas não escondia o desgosto de ver a senzala naquele espaço que era reservado somente à sua família e era tão admirado pelo falecido marido.

― Boa noite gente – começou Felipe – todos devem saber o motivo pelo qual chamei vocês aqui. Esse bolo é para comemorar minha nova vida. Sim, minha nova vida. Eu devo a vocês, principalmente à Albertina, minha vida de volta. Hoje faz cinco dias que sofri um mal súbito, e graças a ela, estou vivo.

Nisso, veio padre Sérgio dando uma bênção especial e fazendo a ação de graças. Felipe era cumprimentado, e depois que todos já haviam provado do bolo, ao distribuir os biscoitos, Felipe continuou sua fala.

― Quero aproveitar também essa oportunidade, para falar a vocês o que guardo comigo há muito tempo. Sou homem de respeito, e nunca iria desonrar qualquer moça, seja ela de que família for. Também não quero forçar nada, acredito no amor livre, na capacidade que cada um tem de ser feliz ao lado de quem desejar. Nesses dias de repouso e recuperação, pude pensar um pouco na minha vida e em como quero terminar meus dias. Um homem não nasceu para viver só. Meu pai teve a honra e a sorte de conhecer minha mãe e com ela construiu nossa família...

Enquanto ia falando, os escravos começaram a ficar atônitos. Já entendiam onde ia terminar aquele palavrório todo. Olhavam para Manoel e compreendiam que, por ele já se passava um fio de espada, como a corroer o amor que nutre pela bela Rosa. Todos cochichavam e perguntavam se o senhor Felipe saberia do amor que o escravo nutria por ela e que parecia ser correspondido. Sim, parecia, porque Rosa sempre foi amável com todos, mas era mais amável com ele. Entretanto, nunca nada havia dito. Moça que se preza não vai atrás de homem. Sempre esperou um gesto da parte do rapaz. Em vão.

E virando-se para Rosa, que se assentava timidamente num banquinho de madeira, disse-lhe com ternura:

― Aceita ser minha mulher?

Palavras que provocaram reações muito diversas. Os escravos anteviam todos os problemas, e Luíza precisou se assentar no banco da varanda, onde se localizava a mesa com a comida e se assentavam os donos da casa. O padre e alguns poucos convidados da cidade, entre eles, Ernesto, o comerciante, sorriam meio sem graça.

A mãe nunca esperaria uma atitude assim do filho. O padre não se espantou tanto, pois era confidente de Felipe e já o tinha ouvido dizer algo parecido em suas conversas. Entretanto, namorar e casar eram um tanto inadmissível na sociedade escravista do início do século dezoito. Imagina!!! A reação mais intensa foi, no entanto, de Manoel. Ele saiu apressado, rumo à velha estrada, com os olhos úmidos. Foi seguido por seu amigo Bernardo, que quase não o alcançou. Rosa olhava a tudo. Assustada.

Seguiu-se um silêncio incômodo. Enquanto o padre restaurava as forças de Luíza, Ernesto olhava fixamente para o rapaz e para a moça, que era abraçada por suas amigas de sina e sofrimento. Felipe sorria, esperando uma resposta. Ernesto observava a cena e franzia a testa. Ele sabia o que estava por vir.

― O pai dele tirou meu pai, Bernardo. Esses senhores tiram tudo da gente. Negro já não tem liberdade, não tem alegria e agora não tem nem mais direito ao amor. Ah! Isso não há de ficar assim! Rosa não há de aceitar! Donde já se viu casar com branco!

O amigo abraçava o companheiro e tentava consolar:

― Mas Manoel, vida de negro é assim... a gente não escolhe, a gente é escravo. A gente trabalha e espera a comida do patrão e suas ordens. Sempre foi assim...

Rosa teria escolha? Sim, mas poderia expressá-la livremente? Quem seria a pretensão da escrava? Ora, sempre lhe ensinaram que o povo da senzala abaixa a cabeça e diz sim senhor. Mas Rosa, menina doce, escondia em si um segredo. A senzala que se prepare.

PARTE V

Ernesto saiu discretamente, tomou um copo de café à mão e foi ao fundo como quem buscaria algo e foi embora. Não queria estar ali pra acompanhar o desenrolar dos fatos. Rosa sentiu-se mal e precisou ser amparada, mas Felipe interveio gentilmente:

― Não fique assustada minha amada, não precisa dizer nada por ora. Aguardarei sua resposta amanhã ou depois. Fique tranquila.

Ela estava por demais emocionada, pois, casar-se com o senhor seria ganhar a liberdade completa e ainda poderia ajudar seus irmãos de senzala. Alguns escravos, inclusive, gostaram da ideia e torciam para que a menina aceitasse o pedido. Enquanto isso, terminava aquela comemoração da vida em tom fúnebre. Felipe sorria para os convidados, entretanto pareceu compreender o olhar assustado da menina que seguia para a senzala, com as chaves da casa grande em suas mãos. Não era fácil para nenhum deles.

Foi uma longa noite. Para muitos.

Rosa chorava e procurou a mãe de Manoel para conversar.

― Isabel, o que eu vou fazer? Como vou negar ao sinhô Felipe o casamento? Ele está enfrentando o mundo para ter meu amor. Mas não o amo, não o posso amar?

A velha escrava abraçava a menina, chorava com ela e dizia:

― Não sei, minha filha, não sei. Não sei como vamos fazer isso.

Rosa pensou em fugir. Mas nestes tempos os quilombos estavam longe e era ela agora muito conhecida. Não conseguiria sair da fazenda. Pensou em procurar Ernesto, sabido de todos de sua simpatia pela abolição, pedir pra apelar para as autoridades e conseguir sua liberdade. Mas isso era sonhar demais. Ainda mais que o comerciante olhou para ela, com piedoso olhar ao sair da fazenda discretamente, sabendo de sua dificuldade. Ele conhecia todas as histórias daquele lugar. Entendeu o imbróglio que estava por vir.

Na casa grande, Felipe agradecia a vida e contemplava o estrelado céu daquela noite sem lua. Uma escuridão sem fim mergulhava o quintal e a capela que se via logo acima de seu quarto. Apenas o barulho do riacho naquela noite quebrava o terrível silêncio que se fazia também dentro dele. No fundo, sabia que Rosa não queria se casar com ele. Se não o fosse teria aceitado de imediato.

Manoel continuava vagando. Teve ímpetos de continuar caminho. Sentado à velha estrada de terra batida, dos apressados passos dos bandeirantes e tropeiros do passado, queria fugir de tudo, principalmente de si mesmo. Escravo que era, chorou no colo do amigo que lhe fez silente companhia. Ao alvorecer, olhos ainda úmidos, rumaram caminho de volta e chegaram antes ainda do sol. Olhou para Rosa, sentada à beira do riacho. Correram um ao encontro do outro e se abraçaram longamente.

― Rosa! Eu a amo, sempre a amei, pelo amor de Deus não se case com ele.

― Não posso! – disse ela já em prantos – Não sei o que fazer!

E combinaram mais um encontro, à noite. Durante o dia pensavam em fugir, em enfrentar Manoel. Ele havia de entender.

E a fazenda viveu um dia de velório. As pessoas caladas, alguns cochichos que gostariam de ver Rosa com o senhor, para tentar melhorar a vida de todos.

***

― Onde está Rosa? Vá chamá-la a imediatamente.

― Sim senhora – respondeu cabisbaixa Isabel.

Era Luíza, que pelo tom de voz, iria fazer algo com a menina. Ela não iria nunca aceitar seu filho com uma escrava. Todos os que ouviram a mulher chegar aos gritos se assustaram. Embora Felipe não os castigasse, sua mãe era cruel e sádica. Só se limitava e se continha por causa do filho. Ah, mas se ela pudesse, o tronco não ficaria apodrecendo no quintal.

Rosa estava de pé e também ouviu que a chamavam. Manoel também se achegou. Tensão.

― Menina – disse a mulher aos gritos e dedo em riste, quase encostando no rosto dela –nem pense em aceitar se casar com meu filho. Você desaparecerá no mesmo dia. Já estou arrumando um lugar para expulsá-la daqui.

E virando para voltar, completou:

― E ai de quem abrir a boca e disser que eu estive aqui. O tronco voltará a ter utilidade. Nem brinquem.

E saiu rapidamente antes de chamar a atenção de alguém. Felipe havia saído bem cedo para ir à cidade. Provavelmente conversaria conversar com Ernesto. Manoel abraçou-a. Todas as pessoas olharam, comovidos, aquela cena. A partir daí, todos foram trabalhar. Dia que segue.

― Manoel, ô Manoel... – era Felipe que chegava e chamava pelo escravo – venha cá.

Entraram na varanda da casa grande. Felipe tinha um papel nas mãos. Ao longe, os que estavam por ali, ficaram preocupados com o que estaria por acontecer. Gentilmente, o senhor pôs as mãos no ombro do escravo e lhe convidou a entrar. Fecharam a porta.

― Isabel – disse Rosa em prantos – o que vai ser de Manoel? Que Felipe vai fazer?

― Não sei minha filha, boa coisa não é. Mas mal no corpo não há de ser. Ele não vai castigar meu filho. Tenho pra mim, já pensando nisso alguns dias, que ele vai vender meu filho.

― Combinamos de fugir, pensamos em sair e desaparecer no mundo. Hoje há muita gente que acolhe negro fugido. Mas eu temo pela fúria do sinhozinho. Ele há de me caçar até o fim. E mata Manoel.

A velha escrava olhou serenamente nos olhos da moça:

― Você sabe do segredo né minha filha. Você não pode se casar.

― É o seguinte, vou ser franco e direto, Manoel.

― Já imagino do que se trata. Eu também amo a Rosa e...

― Pode parar. Não quero ouvir nada – disse Felipe com tom de voz mais alterada – não me interrompa.

E virando-se para o moço, mostrou-lhe um papel que havia trazido da cidade.

― Não conheci o senhor seu pai, mas o respeito pelo que falam dele. Sua mãe sempre foi carinhosa comigo, e também não esqueço o que me fizeram quando estive à morte. Não sou homem cruel, como você mesmo sabe e tem visto. Nunca castigaria ninguém a não ser por uma atitude muito imprópria. Mas nesses casos de amor, não tem conversa. Sei do amor que você nutre por Rosa e ela parece gostar de você também. Mas é o seguinte: não vou dividir com ninguém. Toma, esse papel é sua alforria, está livre. Mas quero que deixe a fazenda imediatamente. Ela tem uma condição no registro: que você não more nas fazendas ou cidades por perto. Vá pra longe, bem longe, e nunca volte aqui. Sua liberdade está condicionada a essa situação. Se voltar, será vendido sem nenhuma piedade.

Batendo forte na mesa, Manoel, enfurecido, retrucou:

― Nunca! Não saio de perto de Rosa...

― Ora meu amigo, você não tem escolha. Ou vá por bem ou irá vendido. E pronto. Você tem uma hora pra sair daqui.

Virando-se para o capitão do mato:

― Mande trazer Rosa para a casa. Agora.

Manoel não teve tempo de conversar com a moça e explicar o que acontecia. Rosa foi levada à cozinha com o pretexto de ajudar a mucama a fazer um jantar especial. O capitão do mato esperou que o escravo pegasse seus poucos pertences e o acompanhou. Manoel apenas teve tempo de contar à mãe o que havia ocorrido e prometeu que voltaria. A mãe, claro, pediu que ele não fizesse isso e que ela iria dar um jeito de encontrá-lo, pedindo que deixasse uma pista com Ernesto. Um longo abraço carregado de lágrimas, de todos, marcou a partida do jovem. Somente Rosa não percebeu nenhuma movimentação.

Rosa ajudava na cozinha, sem ao menos saber o que se passava ao redor da casa. Enquanto a buscavam, Manoel ficou vigiado em uma sala, esperando que a moça já estivesse na casa. Tentou gritar, mas foi em vão. A casa grande, a voz sufocada, o barulho da cozinha... O rapaz foi empurrado para a senzala e o capitão o observava enquanto se despedia, para que pudesse acompanhá-lo até que se perdessem de vista os horizontes verdejantes, agora tão negros quanto a mais escura da noite que caía sobre aqueles montes. Foi quando, já a distância segura, o capitão do mato, com um mórbido sorriso, entre cínico e masoquista, disse ao empurrar o jovem apaixonado:

― Vai-te embora coisa ruim. E não ouse nunca mais pisar aqui. Some das minhas vistas.

Virou-se bruscamente, ouvindo um qualquer balbuciar de injúrias que Manoel lhe dizia.

Rosa chegou à senzala sorridente. Pretendia por em prática um plano de fuga, juntamente com Manoel. Ao ver o rosto triste dos irmãos cativos, deixou rolar uma lágrima desesperançosa, ainda sem entender o que havia ocorrido. Pensou que o amado estaria morto, caiu-se ao chão, sem as cores, até que alguns minutos se passaram e a velha escrava Isabel lhe dera ciência dos fatos. Inconsolada, ela relatava que havia combinado uma fuga para a semana que se iniciava. Nada mais poderia ser feito.

Uns poucos quilômetros, bem poucos mesmo, e Ernesto ouviu batidas em sua janela dos fundos. Abriu-a, um pouco assustado e acolheu o jovem escravo, que lhe deixou uma indicação de onde iria. O bom comerciante também indicou um lugar, um quilombo onde seria acolhido, como a outros que já estavam vivendo em paz no alto da serra que se desponta bem além do horizonte da pequena vila.

O sol apanhou de surpresa todos os escravos, que passaram a noite toda conversando sobre os últimos acontecimentos e sobre os desdobramentos que tais fatos acarretariam em todos. Foi quando ouviu o grito do capitão que marcava o início dos trabalhos. Nisso, com voz delicada, o que lhe é muito incomum, convidou Rosa para se dirigir à casa grande.

Isabel olhou com recriminação para a menina, que entendeu perfeitamente o recado. Estavam todos ansiosos.

¬― Então Rosa - disse em tom solene o senhor daquelas terras – Manoel não vive mais entre nós, partiu ontem a tarde. Penso que sua decisão a respeito do meu pedido está agora mais próxima. Já pensou?

― Então meu senhor, sou grata por todo o tratamento que nos tem dado, mas ainda não pude decidir. Gostaria antes de falar com a senhora sua mãe.

― Mas por quê? Não entendi... mas... tudo bem. Minha mãe, apesar de adoentada, certamente lhe fará ouvidos. Vou levar seu pedido a ela – e beijando-lhe a mão direita, completou – a partir de hoje vai morar aqui em nossa casa. Cuidará exclusivamente de minha mãe, que precisa de atenção especial.

Manoel caminhou e encontrou o quilombo. Com a carta de alforria não precisaria viver como negro fugido, mas preferiu assim, pois não gostava da convivência com os brancos. Além do mais, conheceu amigos e elaborou com eles um plano de rapto, para que fossem levados Rosa e Isabel para o quilombo. Deveria apressar, pois poderia ser marcado um casamento a qualquer momento naquela fazenda. Não seria algo muito complexo, pois os quilombolas já faziam incursões frequentes em diversos lugares com resgate de escravos. Ia ser algo relativamente fácil.

― Pois não – falou meio rispidamente – sabe que só estou me prestando ao trabalho de lhe ouvir porque meu filho fez questão de pedir. Diga logo sua negra insolente. O que quer de mim?

― Preciso que seja sincera comigo. Isabel, mãe de Manoel me confiou um segredo, mas ela não tem absoluta certeza, porque quem confiou a ela essa notícia, já não vive entre nós.

Um frio correu pelo corpo da senhora Luzia, que teve sua saúde agravada nos últimos dias. Ela sabia de tudo. Sempre soube.

EPÍLOGO

Os habitantes do quilombo acolheram com carinho a Manoel. Combinaram que no fim da semana iriam resgatar as duas. E vai ter festança de três dias.

Rosa precisava saber. Luzia estava disposta a revelar o que sabia, tudo o que ocorrera naquele ocaso do inverno de 1801, quando, atônita, ouvindo grande barulho vindo do porão da casa grande. Respirou fundo, pensou ... e prosseguiu.

― Olha moça, é o seguinte. Não posso lhe revelar tudo o que sei, não posso prejudicar meu filho. Mas não vou esconder que não suporto a ideia de ver Felipe casado com você. Então, é o seguinte:

Se Isabel lhe contou sobre meu marido e sua mãe, não posso negar. Sim.

― É verdade!!! Meu Deus – exclamou Rosa levando as mãos à cabeça.

― Na verdade, certeza absoluta eu também não tenho. Afinal, sua mãe era de fato muito bonita. Meu marido não foi o único. Ouvi boatos de um outro escravo que teve um romance com ela, dizem até que o pai de Manoel...

Neste ponto da narrativa, Rosa já não ouvia. Ensurdeceu-se por dentro, sufocada pela verdade que sempre se negara a saber. E pensava: sou irmão de Felipe, mas será também que poderia vir a ser irmão de Manoel? A moça saiu correndo, ensandecida.

Luzia sentia-se vingada. O casamento do filho acabou-se naquele momento. Mas no fundo se preocupava. Se ele soubesse a odiaria para todo o sempre.

Chegou gritando para Isabel, chorando e dizendo que era tudo verdade. Isabel abraçou-a, compreendendo logo do que se tratava. E confirmava baixinho a seu ouvido...

― Não fica assim. Agora entende que você é irmã de Felipe. Esse casamento nunca poderá se consumar. Mas pelo amor de Deus, não diga nada ao sinhozinho.

― Mas ela falou que posso ser irmão de Manoel também...

Isabel assustou-se com essa revelação. E após ouvir a história, contestou-a, dizendo:

― Não Rosa, o pai de Manoel nunca se relacionou com sua mãe. Ela tinha um namorado, que foi vendido assim que o senhor Anselmo se apaixonou por sua mãe. Apenas nós mais velhos sabemos dessa história, mas ninguém falou nada. Que ela, de fato, se relacionava com o senhor, sei disso. Mas era escondido. Não há como você não ser filha dele.

Isso foi acalmando a moça, que em sua cabeça pensava em contar a Felipe e deixar a fazenda. Ao dizer isso, Isabel pedia que ela fugisse. Não poderia correr o risco. Felipe ia ficar furioso e poderia não terminar bem. Respirou fundo... elaborou um pequeno plano: vou fugir.

Manoel marcharia dia seguinte com mais três amigos. Estava sorridente.

Felipe procurava Rosa. Ela não estava em casa. Luzia desconversou, disse que ela havia conversado sobre o temperamento do filho e que ela foi para a senzala e voltaria logo. Tudo parecia bem. Rosa, mais cedo ou mais tarde precisaria voltar. O que fazer?

Aquele dia ela evitou voltar pra casa. Ficou na senzala até que não pudesse mais. Voltou já anoitecendo. Entrou direto para o quarto de Luzia e conversou um pouco mais, disse que duvidava da irmandade com Manoel, ao que a senhora pouco importou. Queria ela que soubesse mesmo que Felipe era seu irmão e por isso não se casaria com ele.

Felipe estava inquieto. Notou a ausência e percebeu que Rosa o evitava após o encontro com sua mãe. Naquela altura, preferiu sentar-se na varanda da casa grande e observar o silêncio da noite, emoldurada por um cordão de estrelas ao sul, sentindo o vento impetuoso daquele inverno que parecia não ter fim. Rosa aquecia seu corpo em pensamentos. Sonhava com o dia que a teria em seus braços, nas noites escuras na fazenda Santo Antônio. Pensou mesmo em forçar a barra um pouco mais com a menina, mas avaliou que a expulsão de Manoel já seria suficiente. Questão de tempo, concluía.

A madrugada o pegou em seus sonhos, ainda insone. A lua começava a despontar no horizonte, imensa, deixando pairar um pouco de luz sobre aquela aflita alma que, como uma estátua de bronze, recusava-se ao mínimo movimento sequer, deixando apenas em efervescência os pensamentos que viajavam pelos sertões e brusquidões daquelas terras conquistadas dos indígenas, décadas atrás por seu avô.

A lua iluminava também um pequeno acampamento onde Manoel e os amigos aguardavam a aurora para empreender mais um pouco de caminhada. Não estava distante do seu destino, mas precisava planejar minuciosamente cada passo, e articular, junto com o velho e bonachão comerciante, o seu alucinado plano de sequestro.

Rosa dormiu, alheia a tudo. Ficara debruçada na janela do quarto da senhora, sobre a pequena cama que para ela foi instalada, confortavelmente, ao fundo do quarto. Ela também observava o mesmo luar que, iluminava seus amantes, que nela viam seu rosto meigo e seu sorriso tão inocente.

Os primeiros raios de sol surpreenderam os jovens apaixonados ainda acordados, mergulhados em seus sonhos. Levantaram-se para seus afazeres, quando a velha Albertina, aquela que havia oferecido veneno ao Anselmo, bateu à porta da quarto, procurando por Rosa. Tina, como era chamada carinhosamente pelos seus, era como um livro de recordações. Sabia de tudo. Era geralmente muito calada, mas estava cansada de ver tudo no silêncio da sua cozinha.

― Rosa minha filha, vou lhe contar uma história – disse enquanto segurava a jovem pela mão e caminhavam rumo aos jardins e o riacho ao fundo da senzala – você não pode se casar com o sinhozinho Felipe. Ele é seu irmão.

Pensou que, assim de supetão, dando um choque direto, bem a seu estilo, a menina cairia em si de uma vez. Surpreendeu-se porém, com sua serenidade, e observava assustada a ausência de reação, quando...

― Tina, eu sei disso. Isso me alivia de certa forma, pois decide por mim. Não posso aceitar esse pedido de casamento. Só tenho ainda uma dúvida: Francisco, pai de Manoel também se relacionou com minha mãe? Ele também pode ser meu irmão?

Albertina sorriu largamente...

― Ora meninas, quem lhe disse essa loucura?

― Foi a senhora Luzia, Tina. Do que está rindo?

― Essa madame é louca menina Rosa. Francisco sempre respeitou a sua mulher. Ele não teve outra. Isso eu posso garantir. Quem varre a casa grande é que sabe... – e continuou com suas gargalhadas, tentando quebrar o clima que havia no ar e arrancando um leve sorriso no rosto de Rosa.

Felipe entrou em casa à hora do almoço e procurou Rosa. Ela já estava preparando senhora Luzia para se dirigir à copa. Não esperou mais. Ouviu, inclusive cochichos dos escravos da lavoura próxima à fazenda, que diziam que o sinhozinho era frouxo demais, que se fosse eles já tinham pego essa mulher há muito tempo, e coisas do tipo. Felipe avaliou que era o senhor e que todos o deviam obedecer, inclusive Rosa. Estava já cego de paixão, e mandou chicotear um escravo que dizia que Manoel tentava voltar. O pobre, que talvez tivesse apenas falado demais, sem na verdade saber o que se passava, apanhou no tronco até que dissesse que tinha ouvido na cidade um boato que ele estava por invadir a fazenda. Mas, apesar de ser verdade, ele não sabia de nada mesmo.

Nessa fúria, ao ver o homem no tronco, os escravos horrorizados, subiu nele um calor, que se enfurecendo, pediu a Tina que levasse a mãe para almoçar e que iria sair, não estava com vontade. Gritou por Rosa, que assustada, foi obrigada a seguí-lo. Eles se dirigiram rumo à capela da fazenda, que era grande e possuía um adro e um salão para os dias de festa ao lado. Alguns outros balbuciaram resmungos e reclamações. Mas foi inútil. Ninguém ousaria desafiar o senhor, tão bom, agora encolerizado. Somente Tina gritou com ele:

― Ó sinhozinho, aonde vai meu filho, volta aqui, deixa a menina em paz.

Ele nem deu ouvidos. Apenas ordenou ao capitão do mato que mandasse todo mundo de volta ao trabalho, o que foi prontamente obedecido. E ainda disse que não faria nenhum mal para Rosa, que só queria conversar.

Entraram no salão, e tentando se acalmar, colocou a menina sentada, sentando-se também a seu lado.

― Rosa, não vou esperar mais. Você foge de mim, você desconversa. E quer saber, também não vou perguntar mais. Você vai se casar comigo, querendo ou não.

Rosa estava assustada, sem saber o que fazer ou dizer. Não esperava tal reação de Felipe, sempre cordial com ela.

― Hoje mesmo vou enviar os papéis para Padre Sérgio. Não tem erro.

Virando-se completou:

― Ouvi dizer que seu querido Manoel pretende invadir a fazenda. Olha, se ele fizer isso sairá morto daqui. Se souber de alguma coisa e se pode comunicar com ele, avise. Não terei piedade.

― Não sei disso não, senhor. Não sei disso não – repetia insistentemente.

E não sabia mesmo.

Felipe estava, mesmo tentando um controle, enfurecido com tudo o que ocorria. Aproximou seu rosto de Rosa e beijou-lhe a face. De ímpeto, mas com uma delicadeza de homem apaixonado, correu os dedos pela alça da blusa da menina que lhe estava à frente, desnudando o ombro esquerdo da pálida Rosa. Seu coração acelerava bruscamente, antevendo o que poderia ocorrer. Foi quando, tomado de profundo desejo, enlouquecido pelo corpo transpirando excitação, o jovem rasgou as vestes de Rosa e debruçou sobre seu corpo, explorando cada centímetro de prazer. O coração da moça parecia querer saltar do peito, quando respirou fundo, e para evitar o que parecia inevitável, segurou-o pelos cabelos, puxou o rosto para trás e gritou.

― Pare!

Manoel subiu em uma árvore, já bem próximo da fazenda e observava a calmaria de sempre. Escravos no trabalho, casa grande silenciosa, jardins verdes e o capitão do mato ausente, provavelmente que junto aos escravos das lavouras distantes. Calculou que poderia se aproximar, encontrar Tina pelos fundos, que chamaria Isabel e Rosa para atravessarem o riacho e fugirem ainda sob a luz do sol, sem levantar suspeitas de ninguém. Os companheiros ficaram de espreita, Manoel jogou uma pedrinha na janela da cozinha. Tina entendeu na hora e pôs o rosto pra fora, em pânico. Cochichando, falou:

― Homem de Deus, é Manoel? Saia daqui que a coisa tá feia! Esconda logo.

Manoel nunca foi de correr. Aproximou-se e perguntou o que se passava. Sem papas na língua, contou o que viu e ouviu. O rapaz ficou enfurecido. Um vulcão está prestes a explodir.

Felipe não entendeu, mas o grito de Rosa o fez paralisar. Balbuciou algo como... o quê... porquê ... Quando ela soltou de uma vez.

― Somos irmãos.

A frase paralisou Felipe. Não conseguia racionar e observava suas mãos que percorriam as belas curvas de Rosa. Foi tomado de um sentimento de remorso profundo.

― Quem disse isso? Minha mãe?

― Também ela. Por favor, não me toque, não quero cometer esse pecado...

Enquanto dizia isso:

― Agora tudo faz sentido. As palavras enigmáticas de minha mãe, sua recusa constante, meu pai que pedia que ficássemos longe um do outro. Meu Deus... que foi que eu fiz?

Ainda assim o corpo e o desejo ainda falava alto, quando olhava para a jovem quase sem roupa por cima da mesa que ficava num canto do salão. Gritou algum palavrão qualquer e continuou, cheio de fúria, sua ânsia de possuir a jovem. Rosa gritava por socorro, e essa mistura de proibido e assustado deixava ainda mais o rapaz alucinado. Foi quando a jovem conseguiu empurrar o jovem com os pés, que se foi um pouco para trás. Mas voltou imediatamente, antes que ela pudesse se levantar e fugir. Deitou-se sobre ela, quando, à porta:

― Felipe, seu desgraçado! Saia de cima de Rosa.

Manoel tinha os olhos vermelhos de ódio, por tudo e agora por ver que o senhor violava o amor de sua vida. Atracou-se com ele, pediu que Rosa fugisse imediatamente. A moça conseguiu correr pela porta dos fundos e gritava por ajuda. Isabel, ainda inocente do que se passava, viu a moça seminua correndo para a casa grande, enquanto Tina pedia que as duas atravessassem o riacho. Isabel correu para o salão na tentativa de impedir uma tragédia. Em vão. Encontrou os dois ao chão, numa intensa luta corporal. Viu sangue por todos os lados, fruto dos socos que ambos trocavam. Manoel era bem mais forte, jogou Felipe ao chão, chutou-lhe e dava por vencido. Virou-se para a mãe, e ao dizer que estava tudo arranjado para que fugissem imediatamente, Felipe, ainda ao chão, chamou-lhe pelo nome.

― Não gosto da ideia de matar um homem pelas costas.

Mal se virou para o rapaz, Felipe sacou sua arma e desferiu dois tiros certeiros, sendo um, fatalmente em sua cabeça. Isabel desferiu um grito terrível, de dor, enquanto segurava o já corpo inerte do filho. Rosa, ouvindo o grito, correu novamente para o salão. Tina, mais velha, veio logo atrás. A cena comovia a todos. Até mesmo Felipe pedia desculpas a Isabel, dizendo que não era o que ele pretendia.

Rosa tomou coragem, pegou a arma das mãos de Manoel, que, ferido, não conseguia se levantar. Apontou-lhe o revólver.

― Eu tentei Felipe. Eu não quis nunca. Eu sempre amei Manoel, mas sempre o respeitei como meu dono. Eu também não sabia que éramos irmãos até essa semana. Eu não queria porque não o amava. Você consumiu minha juventude nessa fazenda, e quer consumir minha vida a seu lado. Nunca! Nunca colocará a mão sobre mim novamente, nunca mais sentirá meu cheiro, nunca mais verá um sorriso meu...

Enquanto falava, Tina chegou e, mãos à cabeça...

― Rosa minha filha, abaixa essa arma, não faz besteira menina. Pensa na Isabel que já está sofrendo...

Luíza ouviu os disparos e perguntou o que havia acontecido. Contaram a ela. Ficou enlouquecida, tentou se levantar e foi amparada por uma escrava, que, a passos lentos se dirigia à cena do crime. Olhou ainda para a imagem de Santo Antônio que fica num nicho acima da porta da igreja e pediu misericórdia.

Rosa continuava com a arma apontada para Felipe, Isabel chorava sob o corpo e o jovem permanecia imóvel, olhos arregalados ante o transcorrer de tanto.

― Não, seu covarde. Eu não dormiria tranquila sabendo que matei meu irmão. Mesmo nunca termos vivido como tal. Sua vida não vale minha dor. Quero que saiba que vai viver com sua consciência em paz, com seu dever cumprido de bom cristão.

Manoel levantou as mãos, pedindo clemência, quando Rosa, engatilhou o revólver e completou:

― Fique em paz, meu irmão.

Virou o revólver e atirou em sua própria cabeça, caindo já desfalecida, tendo seu sangue misturado ao sangue de Manoel. Tina gritava e chorava pela moça que criou como mãe. Luzia chegava e via aquela cena horripilante, enquanto tentava consolar Felipe que apenas gritava:

― Não, não, não, não... pelo amor de Deus, não.

O barulho dos tiros chamou a atenção de todos. Em minutos dezenas de escravos se aglomeravam na porta da igreja e comentavam a cena. Nisso chegou os três amigos de Manoel. Compreenderam que a missão falhara. Chamaram Isabel, que se recusava a sair de perto do corpo do filho. Seria em vão a espera. Ela foi categórica que não iria sair dali. Eles se retiraram, disseram que quando precisasse bastava procurar por Ernesto. Foram embora.

Aos poucos foram se dispersando sob as ordens do capitão do mato. Albertina retirou Isabel da cena e o capitão carregou o senhor Felipe para a casa grande e mandou chamar o doutor e o padre. Ele estava bastante ferido, mas não era mortal. Bastariam alguns cuidados. Luíza também voltou para a casa e ficou ao lado do filho. Deram-lhe um chá para dormir. Enquanto a senzala velava os corpos em profunda comoção, o homem que estava no tronco foi retirado e cuidado por duas mulheres. Havia um clima de comoção no ar. Isabel não dizia uma palavra sequer.

― Mãe, o que você fez? – perguntou Felipe enquanto voltava do sono.

― Eu não disse nada meu filho. Ela sabia que vocês eram irmãos, eu nunca soube – mentia a mãe para evitar mal maior.

― Vou lá. Vou velar o corpo de Rosa.

A mãe tentou impedir. Cambaleando, sinhozinho atravessou o jardim e chegou na senzala, onde todos velavam os mortos. Debruçou-se sobre o corpo de Rosa, e chorava. Dizia não acreditar que eram irmãos, que o amor poderia superar tudo, que não precisava terminar assim. Luzia chegou em seguida, aos prantos pedia que o filho saísse dali. Ele virou-se para ela:

― A culpa sempre foi sua. Sempre foi. Devia ter me contado que nosso pai tinha um caso com a mãe de Rosa.

Todos se assustaram e começaram a entender muito do que se dizia nas rodas de conversa. A mãe pedia desculpas, dizia que não tinha certeza. Era uma cena comovente, naquela que até semana passada era uma fazenda tranquila, com um senhor calmo e generoso.

Felipe saiu, dirigiu-se à casa grande. Sua mãe o seguiu. O rapaz foi à cozinha e voltou para a varanda. Gritou pelos escravos, chamou a todos.

― Que minha dor seja maior que a da minha amada Rosa. Que Deus nos permita estar juntos.

E cravou uma peixeira bem no coração, caindo, ensanguentado enquanto sua mãe caía no jardim, gritando, em desespero. Nunca mais o ocaso foi alaranjado na fazenda Santo Antônio. Luzia recuperou-se e era agora a senhora de suas terras. Extensas. Lívia, irmã de Felipe agora vivia na fazenda. Seu marido era o encarregado do trabalho. A crueldade voltou naquele lugar, a partir do dia em que o netinho de Luzia, foi apanhando brincando com uma pequena escrava nos belos e verdes jardins da casa grande. Brincavam inocentemente.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 13/03/2017
Código do texto: T5939812
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