Uma noite de fuga

Nas mãos, uma garrafa de vinho barato; a taça de cristal e páginas de um jornal ainda proveitoso; o pensamento totalmente ileso das malezas da vida; respiração controlada e os músculos relaxados; os óculos para leitura limpos; lá fora, o silêncio apresentava-se como se fosse um convidado muito esperado; no céu, estrelas multiplicando-se envolta da lua – a mesma lua que já não o surpreendera, mas... com sua beleza costumeira.

Na verdade, ele não gostara de restaurantes com pratos caros de nomes confusos e água francesa – preferira um queijo quente duma padaria da esquina muito frequentada, entretanto, com poucos, mas bons amigos.

Era noite de domingo, nada mais lhe restara, a não ser a companhia das ideias maravilhosas – negócios foram fechados, chefes repelidos, um novo carro comprado, os erros avaliados e velhos amores lembrados; todos imune a questionamentos... somente os lêmures o observavam.

– Ah! Como é erudito o só! – pensara ele.

Depois de algumas horas, lá no fundo, pondo-se a cochilar; vozes se despiam quase imperceptíveis e, ele, então, percebera a fuga do silêncio; tudo era gargalhada, com os saltos nas mãos e os cabelos já soltos, elas, abriram a porta da frente e invadiram seu bixeiro.

Naquele instante não esbravecera; pois, eram elas donzelas:

- Como foi o jantar?

- Ótimo! Faltou você querido!

- Boa noite papai!

- Boa noite meu anjo, durma bem!

- Te espero na cama, querido!

As vozes se foram pelas escadas; com o frio da noite, a lua e as estrelas cobriram-se de nuvens; o silencio escondeu-se; e os lêmures - assustados com o barulho mortificador; faleceram (...)

- Já estou subindo querida!

- Boa noite, meus queridos fantasmas.