APARENTEMENTE NINGUÉM

A luz vermelha se apagava enquanto a verde se acendia, dando continuidade àquela espécie de ciclo movimentado que por vezes aparentava ser tão sem sentido. Os carros iam e vinham como se não possuíssem destino certo. Marcelo saía do seu taxi, condução esta usada por ele depois de muito tempo, ocasionada pela quebra de seu carro junto com a dificuldade de se chegar de ônibus naquele seu apartamento. Ruas estreitas, nenhuma parada por perto, mas uma boa e numerosa vizinhança, era o que se tinha por ali.

Marcelo corria um pouco, tentava chegar a tempo, repetiria o mesmo ritual de vários dias, afinal o binóculo estava ao alcance de seus olhos assim que entrou no quarto, nem perderia tempo em procurá-lo. Jéssica era uma moça bastante atenta e sempre teve muito medo de ser observada, não dava nenhuma chance para isso. Só trocava de roupa no banheiro ou no quarto quando este estivesse com todas as cortinas totalmente fechadas.

Já se passavam vinte e cinco minutos de observação, tudo começava a se transformar em algo parecido com obsessão. Um dia sem vê-la seria muito frustrante para Marcelo, que a observava de modo muito diferente em relação a seus amigos. Jéssica era realmente muito bonita e despertava facilmente a atenção dos homens. Mas, Marcelo já começava a se acostumar com sua rotina, até seu modo inquieto de procurar algo interessante para ler, ou seu simples jeito de sentar-se a frente da TV. Tudo ia encantando-o aos poucos sem que ele percebesse.

Jéssica morava só, pelo menos por enquanto, trabalhava bastante, mas sempre quis mesmo ser jornalista, e não secretária, mesmo que de alguém tão importante como seu chefe, mas isso jamais conseguiu tirar seu real foco. Tanto que todas as noites ela se revirava por todo aquele pequeno espaço, que era seu quarto, à procura de notícias, informações, parecia depender daquilo tudo, como quem procurasse desesperadamente comida em lixeiras.

Amélia era uma jovem apaixonada que não entendia porque Marcelo não lhe notava, eram amigos muito próximos, mas de uma maneira desigual, pois Marcelo não a tinha como uma de suas principais amigas. Era para ele apenas uma boa colega de trabalho. Trabalhavam em uma empresa de marketing, juntos conseguiam boas idéias que quase sempre eram aquelas que resultavam em campanhas vencedoras.

Marcelo nunca soube direito como conseguiu ingressar naquela empresa de tanto sucesso, visto que não tinha nenhuma experiência no ramo. Agarrou a oportunidade e a fez valer, deixando todos os seus companheiros sem imaginá-lo em outra empresa. Parecia mesmo que Marcelo nasceu para trabalhar ali.

Era no horário do almoço que Amélia e Marcelo mais conversavam e também conseguiam ter as melhores idéias juntos. A comida era de ótima qualidade, já que eles sempre se deslocavam a um conceituado restaurante situado a alguns poucos quilômetros da empresa que trabalhavam. O dia de trabalho então era retomado e assim se seguia até quase o meio da noite. Dias assim faziam com que Marcelo observasse Jéssica por menos tempo, mas foi em um deles que Marcelo teve uma surpresa: via-a olhando em sua direção, como se estivesse notando-o. Seus olhos tremiam quando notavam os de Jéssica parados, era certo para ele que ela o havia notado.

Jéssica já estava cansada de todas aquelas noites iguais, trancada naquele quarto, lendo, assistindo TV, e nunca encontrando aquilo que a impulsionasse a seguir verdadeiramente o seu sonho de ser jornalista. Até que foi à janela e ao meio daquela escuridão, fixou seu olhar enquanto tomava uma difícil decisão.

Amélia já não aguentava mais esconder o que sentia, tentava pensar em uma maneira de fazê-lo notá-la. Decidiu escrever-lhe marcando um jantar naquele mesmo restaurante em que almoçavam todos os dias. Dizia que era de caráter urgente e que ficaria bastante indignada caso ele não comparecesse. O envelope foi todo impresso em modo econômico e na carta não constava nenhuma identificação. Eis que mandou que lhe entregassem.

Chovia bastante e quem deixou o envelope não havia notado que o mesmo tinha se molhado e também sido apagada a informação mais valiosa: o nome da remetente. Marcelo lia, lia e só conseguia enxergar uma pessoa como remetente: Jéssica, então pensou, pensou por muito tempo até conseguir a coragem para ir ao lugar marcado, só tinha certo medo, de que pela demora de se decidir, já fosse tarde demais, imaginava Jéssica esplendorosa lhe esperando.

Mal sabia ele que Jéssica estava prestes a tomar o avião que lhe levaria pra cidade de seu pai, onde poderia finalmente aceitar o emprego de estagiária nas empresas do mesmo. Enquanto isso Amélia escrevia um bilhete que deixava com o garçom que dizia: ” cansei, fiz tudo que estava a meu alcance, batalhei até pelo seu sucesso profissional indicando-o e insistindo que abrissem uma vaga na empresa que se adequasse com sua personalidade e experiência, te amei todos esses dias, mas agora vou tentar meu sucesso profissional em outra cidade, tenha sucesso, Amélia.”

Marcelo teve uma das maiores surpresas de sua vida ao ler aquilo, mas nada mais podia fazer, pois Amélia já havia partido. Então voltou para seu apartamento e recorreu a seu companheiro de todas as noites e teve outra surpresa: via aquele quarto mais arrumado e deserto que o normal. Contentou-se então em ir dormir.

No trabalho sentia-se como se tivesse esquecido alguma coisa, ou realmente tivesse lhe faltando algo o que era verdade, ele apenas não sabia responder a si mesmo o porquê dessa sensação. Na hora do almoço teve a certeza: Amélia era muito importante para seu sucesso profissional e também pro seu bem estar. Ele nunca tinha notado o quanto ela poderia ser imprescindível à sua vida.

Chegava a sua casa, procurava por Jéssica com seu binóculo, mas não a encontrava. Depois investigando conseguia a informação que ela nunca mais voltaria ali naquele quarto. Não ficou tão triste quanto previa. Pensou, pensou, procurou lembrar os momentos verdadeiramente alegres de sua vida e começava a notar como Amélia estava presente em quase todos.

Finalmente decidiu ir atrás de Amélia, soube de seu distante paradeiro e já estava entrando no avião, quando uma pergunta se fazia: será que já não seria tarde demais?

Frank Santos
Enviado por Frank Santos em 08/08/2007
Reeditado em 30/01/2008
Código do texto: T597684