Dia 65367

Mario Augusto da Costa acordou às cinco da manhã. Lentamente se sentou na cama e bebeu com cuidado o copo de água que passara a noite na mesinha ao lado da cama. Logo em seguida calçou os chinelos azuis desbotados e fez sua caminhada matinal até o banheiro.

O café da manhã de Mario, por mais de vinte anos, consistia de café puro com pouco açúcar, pão com manteiga e ocasionalmente um bolo ou queijo para acompanhar. O cheiro do café coado (com coador de pano) inundava a pequena casinha pouco iluminada de piso vermelho, e o cheiro o despertava de fato para mais um dia.

Depois do café, Mario se sentava no sofá de dois lugares e assistia ao jornal. As mãos sobre os joelhos, os óculos de leitura sempre pendurados no pescoço. Mario assistia o mundo mudar: presidentes serem eleitos, outros sendo derrubados, ditaduras, balões e aviões, rumores de guerras distantes, descobertas científicas que ele não compreendia muito bem, telefone, cinema, pais matarem filhos e filhos matarem pais. Julgamentos, receitas, as entradas das estações, novos atores e atrizes, a chegada dos telefones celulares, internet e mais coisas que ele não entendia bem e outras que não lhe interessavam. Alguns dias Mario se sentia muito velho.

Mario desligou a televisão. Com as chaves num bolso e a carteira no outro, ele saiu para fazer sua caminhada de todos os dias. A cidade já estava acordada. Carros iam e vinham, ônibus, pessoas e bicicletas. As lojas abriam suas portas, as padarias exalavam cheiro de pão fresco, o sol subia lentamente no horizonte. Dia após dia.

Depois do almoço, Mario ligava o rádio, colocava seu avental de cor indefinida, e sentava em frente a casa e começava a talhar a madeira. Algumas vezes fazia coisas grandes como mesas e cadeiras. Geralmente fazia pequenas caixas de madeira, banquinhos e brinquedos. Curiosos ocasionalmente paravam e levavam alguma coisa. Mas na maior parte do tempo ele apenas talhava.

As noites eram difíceis. Ele novamente se sentava no sofá de dois lugares. Mas sua mente sempre vagava. Vagava para a infância perdida na memória. Os fantasmas apareciam. A televisão não conseguia distraí-lo, e ele se lembrava das pessoas que conhecera, das coisas que nunca aconteceram, e aquelas que ele gostaria que não tivessem acontecido. Seu coração pesava e ele estava sozinho.

Mario se perguntava: quantos anos teria? Mais de 100, com certeza. Bem mais. Como foi que isso aconteceu? Ele não sabia. Apenas continuava a viver até que seu tempo acabasse.

Antes de se deitar, Mario enchia seu copo de água. Deitava na cama de madeira que ele mesmo havia feito. Olhava o teto de sombras. Não havia nada pelo quê chorar. Ele tinha o que trilhões de pessoas desejavam. Sua alma se encolheu. Encolheu e encolheu. Ele respirou fundo e ela se expandiu. Viveria o quanto tivesse que viver. Mas, Deus, quanto tempo mais isso seria? Ele estava cansado. Ele estava sozinho. E assim ele dormiu se perguntando se haveria mais um dia.