AMITAF

Não era um dia como outro qualquer. Ela sabia. Acordara cedo como de costume.

Mas, algo parecia diferente no ar.

Havia lido uns livros na semana anterior, e sua mente se tornara um turbilhão de perguntas sem respostas aparentes.

Sempre fora muito cuidadosa com tudo aquilo que lia. Nunca aceitava tudo como verdade absoluta.

Claro, livros, são escritos por mentes humanas, e essas, ela sabia, eram falhas!

Mas, de tudo que havia lido, alguma coisa tirou proveito.

Arrumou-se e foi para escola secundária:

Colocou o vestido xadrez, sobre o jeans, pegou a bolsa de couro preta, e saiu despedindo-se com um beijo na testa da sua mãezinha querida.

Os colegas de classe não tinham nada em especial. Para ela, no seu modo de enxergar as coisas, eles eram jovens fúteis e que se aproveitavam da liberdade que a sociedade lhes havia dado no decorrer das últimas décadas, para agredirem padrões das pessoas mais velhas.

Ela era diferente. Sentia-se assim.

O que teria então? E se estivesse enganada e ficando meio louca?

O sinal tocou. Entrou na sala de aula. Olhou em volta. Sempre as mesmas caras entediadas por acordarem cedo.

Abriu a apostila de Ciências Físicas e Biológicas.

Preferia História, mas, aquele tempo de aula era do prof Carlos Guerra.

Sim, ele era bem interessante. O jeito que ele levava a aula, lhe agradava.

Meio transtornado, talvez... Mas, eficiente no que tinha que fazer: Ensinar.

O trabalho extra para a Feira de Ciências havia sido encaminhado para ter sua aprovação.

Ele achou ótimo falar sobre Cosmologia.

Ela expôs aos colegas de grupo como seria feito. Eles aceitavam sem pestanejar.

Afinal, ela era o 'crânio' do grupo.

Três aulas depois, e o sinal tocou para o intervalo.

Ela se encaminhou para o subsolo do prédio aonde era a lanchonete. Pediu um hot dog com suco de laranja. Ela nem imaginava que no futuro, o quanto iria querer aquilo novamente...

Se soubéssemos como pequenas coisas do cotidiano adquirem certa importância, no decorrer dos anos, quando já não podemos ter as mesmas coisas de antes, ou mesmo saboreá-las, como era esse caso...

Depois do intervalo teria aula de jazz: A única coisa que lhe interessava para fazer no campo da Educação Física. Os alunos daquela escola tinham liberdade para escolher o que queriam.

E nisso, ela só tinha que agradecer!

Nunca fora dada a esportes, também era mignon; E com sua baixa estatura nada lhe servia mesmo para jogar.

Também não conseguia entender regras de jogo. Aliás, jogos de todo tipo para ela eram irrelevantes!

As únicas coisas que jogara em toda sua vida, eram jogos de tabuleiro: Damas, ludo e também gostava de dominó.

Nunca aprender a andar de bicicleta, nem a nadar, embora seu pai e avô, fossem ótimos nadadores.

Mas, amava cantar, dançar, atuar, pintar, e escrever. Era dada às Artes.

Isso a tornava diferente das demais jovens que só andavam de bicicleta.

Seus interesses por coisas transcendentais também não seria comum entre as moças. Sim, ainda mais naquela época, em pleno anos 80. As meninas estavam mais interessadas nos bailes de fim de semana quando poderiam namorar sem os pais por perto.

Não tinha muito com quem conversar sobre os assuntos que ela gostava de pesquisar por conta própria, nas livrarias, sebos e bibliotecas.

Tinha gente que nem imaginava o que fossem CRÂNIOS DE CRISTAL ou só haviam ouvido falar do TRIÂNGULO DAS BERMUDAS, porque tinha filmes na TV sobre isso...

Ela amava mistérios antigos. Atlântida, Lemúria, Universos Paralelos, seres de outras dimensões e planetas, gigantes da Antiguidade, esferas que flutuam, cidades submersas em várias partes do globo terrestre, quase todas com formas piramidais. Também interessava-se sobre casos de teletransporte, aparições de anjos, sons estranhos detectados em vários lugares, e muito, muito mesmo, sobre viagens no tempo...

Sabia que tudo havia se originado na Fonte do Criador.

E Ele havia detalhado cada grande mistério. Um dia, (ela tinha certeza) tudo seria revelado, como uma cortina que é retirada da janela.

*****

Era o dia 11 de abril de 1980. Amitaf acabara a sua aula de jazz.

Foi para o banheiro da escola, tomar seu banho (que também ficava no subsolo do prédio como a lanchonete).

As meninas lésbicas da outra classe, sentavam no banco grande que havia ali, e ficavam olhando as demais vindas da dança tomarem seu banho...

Amitaf não entendia como uma escola particular, não tinha portas no box de banho.

Era constrangedor aquelas jovens ficarem saboreando os corpos das demais, com seus olhares.

Na verdade, não tinha nada contra as pessoas escolherem ser lésbicas, bissexuais ou gays. Ela achava que todos eram livres para suas escolhas. O problema era sentir-se vigiada, invadida na sua privacidade do banho.

Mas, ela resolveu que isso não iria mais incomodá-la. Faria de conta que não estavam ali.

Depois do banho frio, enxugou os cabelos, penteou frente ao espelho que servia para todas as jovens que o disputava de ponta a ponta. Recolocou seus brincos de pingentes amarelos que havia ganhado de sua avó portuguesa e também o anel de ouro em formato de flor, que culminava com uma pedra azul.

Uma das lésbicas piscou para ela. Ela fingiu não notar.

Saiu da escola finalmente rumo ao ponto de ônibus. Um grande incêndio havia acontecido no bairro, nas horas em que estava dentro da escola. Ela de nada sabia até aquele momento.

O trânsito agora era terrível, pois carros dos bombeiros estavam por toda parte. O que havia começado somente em uma loja de móveis infantis, tinha se espalhado por mais 3 lojas vizinhas.

Era esperar e aguardar que finalmente o trânsito voltasse o normal, quando os bombeiros liberassem as pistas da Av. Edgar Romero. Já passava das 17:30 hs, e ela então pegou umas fichas e colocou no orelhão para ligar para sua mãe, avisando do porquê estar tão atrasada.

A mãe como sempre já estava aflita: Sempre que passava do horário de alguém da família chegar, ela se preocupava imaginando mil e uma possibilidades...

Amitaf a tranquilizou. Era aguardar que o ônibus da linha 712, chegasse, e ela entraria logo, mesmo que cheio.

A mãe ficou mais calma.

Amitaf voltou ao ponto de ônibus e aguardou. Finalmente ela pegou um que vinha lotado. Ficou no final do ônibus, numa única cadeira que vagueou logo após sua subida.

Do outro lado da catraca, estava um jovem. Seus olhares se cruzaram.

E Amitaf então descobriu porque aquele dia amanhecera diferente...

'Alguém' avisara-lhe no ouvido:

"É com esse que você vai se casar".

Fatuquinha

Fátima Abreu Fatuquinha
Enviado por Fátima Abreu Fatuquinha em 03/05/2017
Código do texto: T5988278
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.