ZÉ E A NAMORADEIRA

Zé ia passando na rua do seu bairro quando se depara com uma moça na janela olhando a banda passar. Sendo ele um moço muito educado cumprimenta-a com um bom dia, atitude costumeira com quem encontra pelo caminho. No dia seguinte, o fato repetiu-se e no outro também, porém o que deixava o Zé agoniado é que a dita moça da janela apresentava sempre o mesmo sorriso e não mudava de janela, afinal a casa era uma das mais antigas do bairro estilo açorianas, isto quer dizer que havia outras janelas a qual ela poderia estar. Zé como era muito tímido, resolve perguntar ao amigo Tonhão, porque a dita moça não respondia ao seu bom dia. Seria ela também tímida? Seria uma moça casada e exigia respeito? Ou seria uma deficiente auditiva igual à prima dele, Maria? A surpresa vem logo com a resposta do Tonhão, onde ele diz tratar-se de uma boneca namoradeira, aquilo não era gente de carne e osso, mas uma escultura que as pessoas costumam colocar na janela como enfeite. O coitado do Zé sai decepcionado com a notícia, logo agora que seu coração ensaiava um secreto sentimento aquela mulher. No entanto não se fez de rogado e continuou a cumprimentá-la a cada dia que passava com mais fervor. Num dia de muito devaneio ao entardecer onde a rua já não tinha tantos passantes resolveu parar e ter uma conversa séria com a moça. Mas esta conversa foi mental, na verdade ele resolveu ensaiar o que dizer aquela moça. Sabes que eu passo todo dia aqui a te cumprimentar e de ti só recebo o mesmo sorriso de sempre, no entanto preciso abrir meu coração contigo, estou apaixonado por ti. Não sei te explicar como isso aconteceu. Me falaram que não és real, pouco me importo se me chamarem de louco, mas quero fazer um acordo contigo. A partir de hoje vou passar sempre nesta hora para batermos um papo. A rua está mais deserta, ninguém vai bisbilhotar a nossa conversa. No dia seguinte conforme o combinado ao entardecer Zé para em frente da janela e inicia uma profunda conversa com a moça da janela.

Zé – boa noite. Como não sei o teu nome, a partir de hoje vou te chamar de moça faceira, não te incomodas que te trate assim, né? Bem, tenho procurado palavras para te falar, mas preciso abrir meu coração contigo. Desde a primeira vez que te vi nesta janela, comecei a sentir uma certa admiração por ti. Teus olhos lindos, o decote da blusa colorida, este teu jeito de segurar o rosto cria um ar sensual, me seduziste. Chego a pensar que teu olhar se volta somente para mim, no entanto me deixa triste em saber que não és real, até ontem pensava diferente, depois que o Tonhão me explicou direitinho fiquei um pouquinho decepcionado. Mas sabe, sou um homem sozinho, de meia idade, nunca tive ninguém comigo, agora te encontrei no meu mundo particular e por isso desejo ir adiante com a nossa amizade. Sei que deves estar pensando, quem é esse louco me propondo um relacionamento impossível? Estamos na mesma barca, eu sozinho e tu aí te esnobando para os outros, mas e daí? Te vejo sempre sozinha. Este vai ser o nosso segredo, só tu e eu, eu e tu sabes? Amanhã vou trazer uma rosa, a mais linda do meu jardim. Sabes que eu planto rosas? De todas as cores, rosas brancas, amarelas, rosas e vermelhas. Vermelho a cor da paixão a minha favorita. Nunca te ofereceram uma rosa? Não? Ah mas de hoje em diante receberás inúmeras rosas como símbolo de gratidão de nosso amor. Eu falei amor? Sou um tolo, já estou respondendo por ti. Como posso pensar assim? Estou falando com uma estatueta.

Moça faceira – não seja incrédulo Zé, tudo é possível nesta vida. Quem disse que não te ouço? Escute o teu coração, que irás me escutar, me sentir. Continue a conversar comigo, a me querer, terei muito prazer em te ouvir. Sabes às vezes também me sinto só. As pessoas passam por aqui nem me percebem, é como se eu não existisse. Na verdade eu não existo da forma como as pessoas desejariam, sou apenas uma estatueta esculpida por um artista qualquer entre tantos que existem. Lembro-me muito bem quando fui esculpida. O artista era uma pessoal genial, meio louquinho é verdade, mas muito competente desde o preparo da argila até me tornar quem sou. Suas mãos sensíveis amassavam o barro com muito carinho e destreza, e cada passo da criação era uma parte dele fundindo-se a minha matéria dando formas a este corpo. A construção dos meus seios foram horas de trabalho até chegar a este estágio. Meus braços foram assim posicionados para que me vissem mais real. Meus lábios induzem aos homens desejo de me beijar, meus olhos inspiram olhares maliciosos. Veja que beleza de criação, pois em mim está todo sentimento de meu criador.

Zé – verdade moça faceira representas tudo isso até então, porém não imaginava seres portadora de sentimentos, essas coisa que só o homem sente.

Moça faceira – como que não? Se fui criada por um artista, tenho sentimentos sim.

Zé – não entendi.

Moça faceira – todo ser humano quando cria sua obra de arte, seus sentimentos ficam impregnados nela, é uma verdadeira química entre criatura e criador. Por isto estou aqui confabulando contigo, meu caro Zé.

Zé – e esta atração que sinto por ti, o que é?

Moça faceira – é sentimento que precisas lapidar para um melhor entendimento da vida. Necessidade de compreender e aproximar das pessoas. Permitir abrir teu coração ao outro, que não estamos aqui para vivermos sozinhos e sim em parcerias. Tu irás encontrar a pessoa interessada por ti com certeza, mas te coloque a disposição para a vida. Viva com intensidade, porém com responsabilidade e prazer. O mundo real é mais interessante do que o irreal, é por isso que deves perceber mais teus sentimentos expressando-os as pessoas com quem convives. Se para ti eu sou um porto seguro, uma fonte de inspiração não tem problema, podemos continuar a nos encontrar, mas continue a te ouvir, persista nos teus sonhos, esqueça-se de estares a sós.

Zé – ninguém falou comigo desta forma, são tantas palavras bonitas que cada vez mais me apaixono por ti. És minha deusa, minha confidente. Sinto-me aliviado e confortado te ouvindo. Mas pensando bem, já sinto uma pequena mudança nas minhas atitudes. Já ouço mais do que falo, vejo as pessoas com outros olhos, principalmente as mulheres, é claro. Acho que me enfeitiçasse já não me sinto mais um Zé ninguém.

Moça faceira – não é feitiço Zé, é que estás acordando para a vida. Permitistes abrir teu coração, conhecer o mundo real, até então vivias uma ilusão, agora colocastes os pés no chão. Te digo mais, abra tuas asas e voa, voa, voa por este universo infinito. Diga para ti e o mundo que és feliz, queres viver intensamente, fazer novas descobertas. Converse com as pessoas, com os animais, os rios, as cachoeiras, as plantas, em especial as rosas. Cartola dizia que as rosas não falam, apenas exalam o perfume que roubam de ti. Meia verdade, pois o perfume é a forma da rosa se comunicar com a gente. Sentir o perfume, a textura das flores é como se estivesse tomando a tua mão, acariciando teu corpo e sentindo o perfume que emana de ti. Sabias que cada pessoa tem um aroma e com este se destacam entre os seus? Preste mais atenção às coisas pequenas e singelas, é lá que está às respostas do qual procuramos, o nosso aprendizado, a nossa felicidade. Seja simples, Zé.

Zé – mas sou simples até demais.

Moça faceira – será Zé? Reflita a tua caminhada. Penso estar na hora de caminhares com teus próprios pés. Quando necessitar pode me visitar.

Zé – certo moça faceira. Vou seguir minha vida, mas não vou te esquecer, quando necessitar volto aqui para conversar mais um pouquinho. Até breve

Moça faceira – até breve.

Valmir Vilmar de Sousa (Veve) 29/05/17

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 29/05/2017
Reeditado em 01/11/2017
Código do texto: T6012441
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