O NOVO JECA

O NOVO JECA

Autor: José Rodrigues Filho

Jeca vivia cansado, doente, sem perspectivas e sem ter onde cair morto... No entanto, o dono das terras onde estava assentada a sua choupana de taipa (um italiano que chegara na região há alguns anos) estava sempre corado, sadio e bem disposto.

O pobre Jeca, nas horas de descanço, - quando o sol já desaparecera no horizonte- punha-se a meditar. Por que será que ele, nascido ali naqueles rincões, trabalhando desde os seis anos de idade não conseguira melhorar o seu padrão de vida? Trabalhava como um asno... Estava sempre doente e não tinha onde cair morto.

Lembrou o tempo quando podia botar um roçado, de até vinte tarefas, de feijão e milho e a produção era toda sua. Isso, antes do Tal italiano aparecer por aquelas bandas, com uns documentos nas mãos, afirmando que todas aquelas terras, que compunham a região de Gravatá, eram suas – conforme registro de Cessão de Posse- e que todos os moradores da área eram invasores, sem direitos, portanto, a trabalhar a terra como proprietários, e, até mesmo, a residir na propriedade, agora denominada: Fazenda “Mussolini”. Pois é! Agora, não tinha mais onde plantar para ele e a família. O italiano consentiu, apenas, que continuasse habitando sua tapera e se quisesse plantar alguma coisa a metade teria que ser vendida somente para o italiano que, também, impunha o preço de compra.

Após oito ou nove anos levando esse tipo de vida, Jeca, somente agora, estava apercebendo-se que suas mazelas só começaram a lhe atacar, mais ou menos, um ano depois da chegada do italiano. –Sim! Antes disso, tinha coragem para agarrar um touro à mão e agora trabalhava apenas para não deixar a família morrer à míngua.

Não estava certo! Há quarenta anos seus pais chegaram àquelas terras, nelas não havia nada além de mato agreste. Desbravaram-nas, plantando algumas árvores frutíferas, construindo morada, cavando cacimbas, estabelecendo a criação de pequenos animais. Depois de tudo isso, chega um estrangeiro, vindo de qualquer parte, com uns papéis numa mão e a polícia na outra, transformando a sua vida numa porcaria de vida.

Não! Não era somente a sua vida. Outros moradores estavam na mesma situação que ele, -exceto alguns que isoladamente, logo no início, não aceitaram a imposição do italiano e, agora, estão numa situação bem melhor: descansam, eternamente, livres da fome e da miséria -. Então era isso! Agora tinha uma visão mais clara a respeito das doenças que se abateram sobre si e sua família. Elas tinham origem na péssima alimentação que consumiam devido, principalmente, às relações de produção entre ele e o “calabrês”. Portanto, não adiantava tomar biotônico, a única saída era lutar pela posse da terra, pois agora tinha certeza de que a terra não pode ser propriedade do homem, mas o homem que a cultivou, durante muitos anos, adquire direitos sobre essa terra, direitos de nela se estabelecer, trabalhar, criar a prole e viver em paz consigo mesmo.

Acabaram-se as divagações, Jeca tomou da garrafa de pinga sorveu um gole para ganhar maior ânimo e saiu visitando todos, que estavam em situação idêntica a dele, explicando-lhes que o remédio para os males de todos era a união deles contra a prepotência do usurpador.

Naquela noite, Jeca era baleado na volta para casa e, com isso, estava aceso o estopim para o primeiro confronto armado entre posseiros e grileiros na região do Gravatá.

PUBLICADO NO JORNAL KOMUNIKANDO DE FEIRA DE SANTANA-BA. EM MARÇO DE 1980.

Amélia Rodrigues-Ba. 29 de setembro de 2017 (Postagem)

José Rodrigues Filho
Enviado por José Rodrigues Filho em 02/10/2017
Reeditado em 15/10/2017
Código do texto: T6130917
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