O VIDENTE

Sempre tive visões. Quando criança não entendia ao certo o que eram aquelas cenas que via e faziam com que o quadro que estivesse a minha frente desaparecesse para tomar lugar outro que não se encaixava na continuidade do tempo.

Chamam-me Augustín Armita. Vivo em Adalgra, um povoado entre as montanhas adormecidas de Galhardo de Sant’Anna. Nunca me casei. Mas não me entristeço, pois já o sabia desde muito moço. Antes, acostumei-me às coisas por saber.

Minha vida não trouxe nenhuma outra função a não ser assistir a infalibilidade de minhas visões. Soube de todo o futuro de meus vizinhos, suas profissões, seus casamentos, suas contendas, as datas de morte e tudo o mais que faz os livros da vida de cada um, antes mesmo que nascessem os que viriam e dos outros que acompanhei em meu tempo. Fui repudiado quando tentava descrever o que via pela frente. Creio que não lhes fazia sentido perder o gosto em viver sabendo qual página seguinte seria virada e o que nela vinha escrito.

Quando balbuciei a minha primeira visão ainda em tenra idade e assim que obtiveram a certeza de que eram infalíveis, minha mãe foi convidada a se retirar para as montanhas. Cresci em meio aos eucaliptos e pinheiros, ouvindo o assobio do vento norte soprar uma cantiga de solidão que me acompanhou por toda a vida. Mas isso também não me entristecia, pois também o sabia desde muito.

Para evitar meu constrangimento minha mãe não me deixou exposto no povoado, levando-me até lá somente o indispensável. Ainda assim estudei durante certo tempo até descobrirem em sala de aula que eu era o personagem que tantas vezes ouviam nas histórias contadas ao pé da lareira em noites de inverno. De início não acreditavam ser eu o mesmo Armita daquelas lendas, mas, com o passar do tempo e a verificação das realizações de minhas visões, não restaram dúvidas. Fui motivo de admiração e espanto durante alguns curtos meses para depois ser expulso e odiado por todos. O problema era mais por que eu falava do que por prever. Ninguém se importaria caso eu mantivesse em segredo e não revelasse nem aos próprios, o que via sobre eles. O que não suportavam era que eu deixasse vazar o que sabia do porvir. Eu, de meu lado, não entendia o porquê de saber e não poder revelar. Eles, por sua vez, não aceitavam que eu prescrevesse os dias. Saber do futuro exato é como traçar os passos antes mesmo de saber aonde ir, mas para ali chegar inevitavelmente.

Nunca chorei.

Nada me causou espanto ou surpreendeu. Tudo me foi revelado com muitos anos de antecedência. Eu sempre soube, por exemplo, que estaria escrevendo esta carta e que usaria esta frase para juntar os dois tempos: este no qual escrevo e aquele de quem vai ler. Também soube que a escreveria para evitar a morte total que me aguarda ao entardecer deste dia, pois me deixar sepultado em folhas é o que tem de acontecer, não em caixões, para que reste a lembrança de mim nos outros e nem a morte me prive de um futuro que nunca me pertenceu. De outra forma sinto-me apartado do tempo. Aguardo o correr desta tarde sabendo que não tenho vida além destas folhas.

Como eu trago a morte em vida para aqueles que falo do que vejo, fui jogado ao longe no mundo das fábulas e excluído do social, já que causava mais tristeza do que sorte.

Devo parar neste exato momento, já o previra há muito. O sol se põe no oeste e eu me ponho nesta carta. Em alguns minutos serei apenas a lembrança dos que nunca puderam sequer prever que algum dia eu pudesse existir. Hoje é o dia de minha morte. De qualquer maneira, desde que o previ, já estava morto.