Cabocla mulher

No passar dos dias quase tudo que aprendia foi a Jurema que ensinou. Da tua raiz forte veio toda sorte e mais um pouco de amor. A cada chá que bebia, era uma revelação que surgia e aos poucos fui entendendo o sentido da minha dor.

Cada domingo na igreja fazia menos sentido. A cada confissão ao invés de me sentir leve, sentia-me presa e não entendia o porquê. Esses dias confessava ao padre Conrado, que sonhei com um homem alto e parrudo, que me olhava nos olhos e dizia que seríamos um só, pois éramos iguais. Ele se aproximava de mim e me beijava a boca, depois colocava a mão por baixo do meu vestido. Acordei ofegante e molhada entre as pernas. O padre disse que aquilo não era sonho de moça, que eu devia reprender esse sentimento e sonhar com o reino dos céus. Rezei vinte Pai Nossos e dez Ave Marias, mas o calor do sonho foi tão real que nunca esqueci.

Em um dia quente, coisa normal nesse lado do continente onde vim parar, fui tomar um banho no rio. Larguei meu chinelo embaixo da Jurema e fui correndo em direção aquela água verde turquesa, misteriosa e inquieta. Como de costume, tirei minhas roupas e mergulhei, sentindo o refresco daquela água gelada. Tive a impressão de ter ouvido um barulho. Fiquei alerta. Passado alguns minutos, vi que um homem me observava de longe. Corri para fora, vesti minhas roupas rapidamente e voltei para os pés de Jurema. Naquela noite pouco dormi, pois ouvia minha mãe chorar sem cessar.

Pela manhã, ainda atordoada pela noite mal dormida, decidi ir no rio me banhar. Fui caminhando em direção e já tirando meu vestido. Quando senti atrás de mim uma respiração. Assutada, me virei e vi o homem que me observava ontem. Tentei correr, ele me puxou pelos cabelos. Nesse momento comecei a ouvir o choro de minha mãe Jurema e era tão alto que comecei a gritar, pois senti que ficaria surda. O homem me jogou no chão e veio pra cima de mim. O choro da Jurema não parava de crescer, até que senti meu corpo estremecer e ficar leve e quando aquele homem ia me tocar, senti uma força de dentro pra fora. Soltei o grito mais alto da minha vida e junto com ele empurrei aquele porco pra longe, de uma forma que não pude acreditar. Corri dali para a igreja e ofegante encontrei o padre Conrado. Sob confissão contei o ocorrido. Ele pediu que não contasse nada a ninguém ou mancharia minha imagem e eu não encontraria um rapaz que aceitasse casar comigo. Pediu que eu rezasse trinta Pai Nossos e vinte Ave Marias. Eu olhei pra cara dele, arranquei o crucifixo que ele havia me dado do pescoço e jurei nunca mais pisar numa igreja.

DANIELE PIRES
Enviado por DANIELE PIRES em 14/11/2017
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