EU LEVAVA PAPAI NOEL A SÉRIO

Era dezembro, véspera de Natal. Eu levava Papai Noel muito a sério. Ele era como alguém da família, que nos visitava uma vez por ano, rapidamente, e ia embora. Aquela pressa dele era-me muito bem explicada pela minha mãe, que tinha o dom do convencimento.

Naquela noite, em que a casa perfumava a véspera de festa, tudo rescendia e encantava meus olhos crianças e meus sentidos. Os preparativos estavam prontos. As latas de vinte litros até a boca de rosquinhas de pinga, mantecal à moda espanhola, bolachas de nata, roscas doces bem trançadas. Garrafões de anisete, que ficavam na prateleira da despensa. Uma delícia azul, sabor inesquecível.

Durante a semana pré-natalina, inexplicavelmente, as latas de guloseimas passavam por perceptível baixa na quantidade interior, bem como os garrafões de anisete. A família toda sabia o endereço da despensa... As mãos de mãe, bem conhecedoras da prole, faziam a reposição dos “produtos” antecipadamente consumidos.

Os irmãos mais velhos iam chegando durante a semana, aos poucos. Dois já moravam fora de casa, para estudar na cidade grande. Os casados chegavam com os filhos, à medida que se aproximava o Grande Dia.

Volto à questão inicial, ou seja, à pressa do visitante nunca visto. Havia algo que me encabulava. Era o fato de ele chegar e sair antes que eu o visse. Não entrava em minha mente essa coisa de uma visita tão aguardada entrar e partir sem que eu o pudesse enxergar. E eu precisava agradecer-lhe por aquelas felicidades que me trazia no Natal.

Quando completei seis anos de idade, já me sentindo grande, disse à mãe que naquela noite iria aguardar a chegada de Papai Noel e que ele não me escaparia, pois tínhamos coisas importantes a tratar. Ela, sempre tão convincente, naquele Natal não me demoveu da ideia.

_ Mãe, por que ele está demorando? A que horas vai chegar?

A noite já ia alta e ela, cansada, queria logo se deitar, porque a grande festa seria o almoço do dia seguinte. Não tínhamos o hábito de fazer ceia. O almoço do dia 25 era El Gran Tiempo. Eu, curiosa, fiquei no portão de entrada da casa. À espera.

Havia Missa do Galo, o movimento na rua era intenso. Pessoas que vinham dos sítios próximos, para assistirem à Missa, o vai-vem de rapazes e moças, com suas roupas novas, cabelos bem penteados, eles com brilhantina nos cabelos, subiam e desciam as ruas do pequeno e feliz lugar. O alto falante da igreja chamava os fiéis com músicas natalinas.

Eu também ia e vinha do portão para a sala, da sala para o portão. Meus sapatinhos esperavam à beira da cama, preparados para receberem o sonhado presente.

A mãe insistia que o Papai Noel só viria depois que eu dormisse, mas cadê sono naquela hora? Só mãe o tinha, de cansaço.

Numa de minhas idas ao portão, ao voltar à sala, eis a surpresa! Mamãe saiu às pressas do meu quarto e, ofegante, disse que enquanto fui ao portão, Papai Noel entrara pela janela e que me deixara um beijo, pedindo que o desculpasse pela pressa, mas não poderia perder tempo. Havia muito que entregar em outras casas.

Tive breve decepção, mas sobre meus sapatinhos, a linda boneca, irremediavelmente, apagou a ansiedade e já me preparou para o Natal seguinte. Claro, eu o esperaria.

Dalva Molina Mansano

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 29/11/2017
Código do texto: T6185541
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