Adeus mundo gentil

O masoquista armou o laço da forca por cima de um esgarregador de navalhas, que terminava num tanque cheio de vinagre. A corda se encontrava roída de propósito, para que rompesse após alguns segundos de convulsões. Sua descida pelo escorregador de navalhas abriria sulcos profundos em sua carne, mas isso era o de menos diante da sequência dessa ocorrência: assim que ele caísse no tanque, uma carga de soda cáustica seria automaticamente liberada ali — a qual, reagindo com o vinagre, cozinharia quimicamente sua já martirizada carne, matando-o com a lentidão agoniante que ele tanto desejava. "Este mundo não é mais o mesmo", pensou, enquanto ajeitava o laço no pescoço. "As pessoas estão muito boas. Não há mais bullying nas escolas, não há mais preconceito contra gays, negros e outras tantas minorias, as mulheres são respeitadas e não existe mais pobreza, ninguém mais passa fome nem sofre. Não há injustiça social, todas as neuroses foram erradicadas, está tudo perfeito, não há mais doentes nem pessoas angustiadas, o crime, a corrupção e a crueldade estão extintos. Viver assim é uma tortura". Olhou tristemente para a dolorosa, convidativa queda a seus pés. "Adeus, mundo gentil", murmurou, enquanto se lançava no espaço politicamente correto de um paradoxo que tanto o fazia sofrer... ao inverso.

Damnus Vobiscum
Enviado por Damnus Vobiscum em 09/02/2018
Reeditado em 09/02/2018
Código do texto: T6249420
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