Atravessando a Rua

Ele estava sentado lá perto do banco da praça encarando aquela construção suntuosa do outro lado da rua. Gostava de se sentar ali porque havia uma grande e antiga árvore que proporcionava sombra ao ambiente o dia todo. Acabava sendo o lugar mais fresco em qualquer horário e em qualquer dia.

A praça era grande. E também era sua casa.

Crescera ali. Em algum ponto de sua vida, quando ainda era pequeno, sua mãe se fora. Nunca soube que fim ela levara, se o abandonara ou simplesmente a levaram. Naquela época ele já engatinhava. Sobreviveu graças aos restos de comida que os transeuntes – que o olhavam torto – deixavam. Provavelmente o desprezavam pela sua aparência, afinal nunca tomara um banho decente na vida. A verdade era que tinha pavor de água. Toda vez que chovia tinha que correr para debaixo do ponto de ônibus que havia na praça para evitar se molhar.

Assim como tinha medo da água, tinha pavor de atravessar a rua. O horrorizava todo aquele amontoado de carros passando zunindo em frente ao ponto de ônibus, de modo que evitava estar ali, o usava apenas como refúgio para os dias chuvosos. Nunca saíra do perímetro da praça. A única vez que tentara tal façanha quase fora atropelado.

Mas no fim desta tarde acordara decidido.

Durante toda sua vida encarara aquele enorme muro branco que circundava a suntuosa construção em frente à praça. Lá sempre tinha festa. As pessoas chegavam animadas e iam embora cambaleando, contando os passos nas altas horas da madrugada.

Era da madrugada que ele gostava. Quando a cidade dormia e as ruas ficavam silenciosas, quase desertas, exceto por um ou outro carro cortando o asfalto em alta velocidade.

Passara as últimas horas ensaiando para atravessar a rua e adentrar o portão daquela construção. Esqueceram o portão aberto, isso nunca havia acontecido antes. A música lá dentro estava alta. Imaginava os tipos de comidas saborosas que devia haver lá.

Encarou a lua alta no céu. Olhou para os dois lados da rua. Não havia sinal de nenhum automóvel.

Era chegada a hora.

Seria hoje a primeira vez em que sairia daquela praça para explorar o mundo?

Cautelosamente pisou no asfalto escuro.

Tremia. A madrugada estava fria e o medo era grande.

Respirou fundo e se pôs a caminhar em direção à construção.

Já quase no meio da estrada aumentou o passo.

O barulho dos pneus o paralisou. Ele só teve tempo de ver o brilho ofuscante dos faróis antes que a roda esmagasse seu corpo frágil.

***

– Droga! – disse Carlos ao volante.

– O que foi, amor? – perguntou Amanda que estava adormecida no banco do carona.

– Acabei de atropelar um gato! – respondeu Carlos chateado.

Termina aqui!

Raphael Rodrigo Oficial
Enviado por Raphael Rodrigo Oficial em 30/04/2018
Reeditado em 30/04/2018
Código do texto: T6323184
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