O Brilho

E finalmente ergueu a face, trazendo nos olhos um brilho novo que há tanto conheço; as pupilas injetavam um misto de prazer e lividez por todo seu raio de alerta - ali ele soube que sua carne estava prestes a irromper e libertar sua sordidez e cinismo. O coração ainda o torturava a cada bombada de sangue ralo, mas ele não se importava mais com o porquê, o quanto ou como doía.

Foi esse olhar tão entregue que me fez rever outro homem, outra sombra do meu passado. Bravura sem retoques, cravava garras e dentes na sua verdade, sustentando-na com violência bestial porquanto acreditasse; mas quando o manto da paixão, após tantas pelejas, desfez-se como seda no fogo, essa fera amansou e se deixou bater até a morte.

Contudo o homem que aqui me espanta difere muito desse outro: sua essência é perversa e fria, ele descobriu enfim. Nem anseia mais pela morte, não a procura sequer. Simplesmente a desperta do limbo, toda noite, com seus urros agonizantes, escarra em seu manto e se esconde. Quando a morte, em fúria, se ergue, leva consigo quem estiver ao redor do monstro.

O monstro curva a cabeça e quando retorna vejo o brilho, a maldade, a ânsia.

O que será que espera? Arrastar tudo e todos para dentro do seu rincão de ódio? Provar que a vida se assemelha à sua degradação, aos olhos do público? O quê?

E só eu sei o que estraçalhou seu peito, feito uma bala de prata. Não foi nenhuma paixão, nenhum rancor ou fracasso. Foi aquele outro homem.