Os Jogadores: O Bispo

“Não agüento mais ficar em pé aqui. Por quanto tempo mais vou ter que permanecer assim?” pensou o Bispo, observando os acontecimentos à sua frente. A chegada de outro pároco, vindo de uma região distante do reino, fez com que ele esquecesse o desconforto, conforme se distraía com as boas novas: “As coisas do outro lado estão mais promissoras. Desde que Nossa Majestade, a Rainha, esteve por lá de passagem, o povo está mais motivado.” Aquelas notícias eram animadoras, porque, de uns tempos para cá, a Rainha havia perdido o contato com o seu povo e passava os dias reclusa na Torre mais alta, distante até mesmo de seu marido, o Rei. “Há previsões de mudanças para mim? Você sabe se estou cotado para alguma movimentação?” indagava o Bispo, quando chegou, apressado, um Cavaleiro do exército real. “Soldados do reino inimigo aproximam-se, Vossa Excelência! Tenha cuidado!” “Ora, mas são somente camponeses, trabalhadores inofensivos!” respondeu o Bispo, discordando da exaltação do Cavaleiro frente àqueles que não representavam nenhuma ameaça. Eis que, conforme eles se aproximavam, o Bispo percebeu que os tais camponeses vinham encolerizados, empunhando enxadas, machados e, o que tornava a situação mais séria, corriam agora em sua direção. Receoso, o Bispo tentou recuar, mas achou-se às margens de um precipício; tolhido às laterais pelo Cavaleiro e por seu companheiro de ofício, só lhe restou a desesperada tentativa de avançar, não para lutar, não se engane, mas para tentar desviar de seus agressores assim que fosse possível. E tanto fez que conseguiu refugiar-se à esquerda do campo, atrás de uma Torre que repousava, confiante em seu tamanho e alheia a toda a ação que se desenrolava por aquelas bandas. Qual não foi sua surpresa quando, não mais que de repente, aproximou-se um Cavaleiro inimigo. Este, rápido e sorrateiro, tombou a Torre, mas não ameaçou o Bispo, não desta vez. “Não se preocupe, Excelência. Desta vez estás a salvo da minha espada.” disse, conforme embainhava-a e afrouxava sua armadura. O Bispo, que não confiava muito na dinâmica daqueles “jogos de guerra”, muito menos na palavra de um Cavaleiro que nunca havia visto, tratou de se retirar. Avançou por espaços vazios, temendo aquele vento que soprava desimpedido e descompromissado. Ao avistar alguns camponeses de seu Reino, reunidos em confabulação, a má notícia: a Rainha havia sido capturada atrás das linhas inimigas, não se sabia de seu paradeiro, mas todos desconfiavam do pior. O Bispo ficou chocadíssimo, preocupadíssimo, e receosíssimo (este último, mais do que os outros dois). Pensava no que aconteceria com o reino, e consigo; com os Cavaleiros, e consigo; com os camponeses; e consigo. A chegada da notícia ao Rei não trouxe rebuliços menos devastadores; ao ser informado do motivo da comoção que tomava seus domínios, Vossa Majestade, alguns dizem, enlouqueceu. Só se sabe que, tomado de fúria, avançou à batalha, passo a passo (um por vez). Foi seguido pelo restante de seu exército que, conhecendo sua experiência no campo de batalha, sabia que Vossa Majestade tinha chances diminutas de sobreviver a um ataque. Assim seguiram e assim caíram, um a um, até que restassem somente o Rei e sua Coroa (a que ainda era viva). Ao saber da queda do exército de seu Rei, o Bispo entrou em pânico. Tentava correr, mas não havia para onde. Pensou em fugir, mas, mesmo que conseguisse retornar, não havia ninguém para defendê-lo. Com os exércitos inimigos aproximando-se e se sentindo fatigado, incapaz de reagir, fez a única coisa que sabia e que lhe restava: pôs-se de joelhos e começou a rezar, pois era, quem diria, a primeira (e última) peça de xadrez pacifista da história.