Faxina

Quanto tempo se pode viver no pretérito-mais-que-perfeito, sem entender que ninguém é perfeito? E quantos ficaram ali macambúzios e totalmente desnorteados? As carcereiras eram feias, mal humoradas e pareciam manter sempre um semblante de dor interna. Ali dentro estavam homens que jamais tiveram chance de defesa. Eles apenas trouxeram em suas malas seus históricos de tentativas e defensivas, mas isso foi ignorado pela delegada. Seus crimes eram todos contra ela e iam muito além de desacato; eram coisas muito mais profundas para ela. Em contrapartida, para eles, aquilo era só mais uma vez em que se sentiram infelizes ou insatisfeitos. Eles já estavam naquela cela fétida há anos e suas esperanças pareciam desaparecer a cada segundo do relógio na parede. Quanto à delegada, bem... Ela continuava amarga, mantendo seus “carrascos” atrás das grades de sua consciência doente. Ela era só uma infeliz, tentando, de alguma forma, fazer com que o tempo cuidasse de tudo. E assim foi feito. Até que uma surpreendente mudança aconteceu. Como toda grande ruptura, aquilo ocorreu de forma abrupta e incompreensível; pelo menos para os encarcerados. Um dia a delegada chegou, munida com um mandado de soltura expedido pelo Juiz Maior, dispensou as carcereiras, foi em direção à cela e a abriu, libertando e surpreendendo a todos. Um deles lhe perguntou o motivo do tal gesto e ela sorriu um sorriso nunca antes sereno e replicou: “Vão e não voltem. Eu liberto todos vocês. Não quero que fiquem mais aqui. Vamos demolir este local e transformá-lo em um templo.” Aí aqueles homens apáticos foram saindo um por um. Alguns corriam, como se tivessem recebido cartas de alforria, enquanto outros andavam cambaleantes de fome e sede. O último a sair foi o último que a havia “desacatado”. Ele também fez uma pergunta: “Por que você está fazendo isso? Eu sei que nós não somos vítimas de nada e nem você, mas o que fizemos, a meu ver, foi muito triste. Você se tornou outra pessoa por causa disso tudo.” Então a delegada com lágrimas de leveza no rosto respondeu: “O que passei eu permiti que acontecesse. Vocês eram apenas pessoas tentando se encontrar. Eu não posso julgá-los por isso; tampouco posso julgá-los pelos meus sentimentos. O que veio de fora não deveria ter me atingido tanto e isso faz com que a responsabilidade seja apenas minha. É preciso aprender a perdoar a quem nunca pôde nos pedir perdão.” Aquele homem velho saiu cabisbaixo e admirado pela atitude da delegada e, ao olhar para trás, ela já não estava mais lá.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 13/03/2019
Reeditado em 15/04/2019
Código do texto: T6596876
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