GIGANOS, OS FILHOS DA NATUREZA - GIL O 7

CIGANOS, OS FILHOS DA NATUREZA

GIL O 7

Naquela manhã. Dário se levantou junto com a alvorada, havia passado uma noite muito estranha, não conseguiu conciliar o sono, alguma coisa o incomodava e ele não sabia o que era. Com as mãos penteou os cabelos grisalhos, desceu os degraus de sua carroça, foi até a tina e lavou o rosto com bastante água. Sentia-se cansado pela noite mal dormida, saiu pelo grande espaço que ficava entre as carroças, o acampamento ainda dormia.

Passou por Ramon e mandou que ele fosse descansar, o cigano havia passado a noite como vigia, este agradeceu e se encaminhou para a sua tenda para o merecido descanso.

Dário andava por todo o acampamento, era a sua família, a sua responsabilidade o bem estar daquele povo, depois de anos e anos na estrada encontrara este local e ali já estavam há muito tempo.

Seu coração aventureiro mais de uma vez o impelira a seguir viagem, mas aquele era um bom lugar, água fresca vinda de uma nascente próxima, uma boa terra para cultivo, segurança do bosque que rodeava a clareira onde hoje estava o acampamento e o rio muito limpo que fazia uma curva ao lado deste local.

Afastou esse pensamento e se dirigiu a tenda da velha Silvana, ela já deveria estar acordada, ela era conselheira, a parteira, a mãe de todos os ciganos. Não estava errado, a cigana já estava sentada a porta de sua tenda, parecia meditar olhando o infinito.

- Bom dia Dário, também não conseguiu dormir?

- Bom dia Silvana vim em busca de suas palavras, só você tem o poder de me explicar o que estou passando.

- Calma amigo, antes de qualquer coisa tem que me contar o que acontece.

O velho cigano buscou algo para se sentar enquanto Silvana parecia meditar. Logo Dário voltava com um pequeno tronco, colocou no chão e se sentou.

- Pois bem minha amiga, vamos conversar.

- Para isso estou aqui, vamos juntos resolver o que te perturba.

Dário agradeceu com a cabeça e falou:

- Sabes que estamos aqui á muito tempo, estamos criando raízes nesse lugar, muitos irmãos já se foram ao encontro de Deus, mas ao mesmo tempo novas crianças nasceram.

Silvana ouvia em silencio e concordava com tudo balançando a cabeça.

- Algo me impele a seguir viagem, este velho coração cigano pede que sigamos em frente.

- Esse é o nosso destino amigo, seguir sempre em frente.

- É verdade Silvana, seria a coisa mais natural do mundo nosso povo na estrada, algumas de nossas crianças nem sabem que são ciganas.

- Mais uma verdade amigo elas só conhecem o acampamento e seus arredores, ainda não conhecem o seu destino.

- Agora vou te explicar a minha duvida, devo deixar a segurança que hoje temos? Este é um bom lugar, temos água fresca à vontade, a terra é boa para o plantio, vivemos em paz, ninguém nos incomoda.

- Tens razão Dário, é algo para se pensar antes de tomar uma atitude, mas me diga uma coisa, esse desejo de partir começou hoje?

- Não minha amiga, já faz algum tempo, mas sempre vou adiando, só que nesta noite algo ou alguma coisa me diz que é chegada a hora.

- Eu também não consegui dormir meu amigo, sinto que algo está para acontecer, mas ainda não sei o que é, mas eu como você sei que nada é por acaso, precisamos fazer algo.

- Está resolvido. Vamos partir em alguns dias, vou avisar os outros assim que despertem.

Dário se despediu da velha cigana e saiu andando pelo acampamento que agora já estava desperto. Alguns homens já preparavam suas mercadorias para vender na cidade, jovens afinavam seus instrumentos, algumas ciganas se preparavam para mais um dia de buena dicha.

Ao verem o velho chefe andando pelo acampamento, vieram até ele, logo estava cercado por aqueles que ele costumava chamar de minha família.

Sorriu feliz, abraçou os mais próximos e acenou para outros, se deixasse passaria o dia trocando abraços e gentilezas com o seu povo.

Lucas um jovem cigano se aproximou e deu um beijo no pai e perguntou?

- Alguma mensagem para a gente pai?

O velho retribui o beijo do filho, mas não respondeu a pergunta, por alguns segundos seus pensamentos voaram. Ah minha Santa Sara, está acontecendo muito rápido, estou com a impressão que todos esperam a mesma noticia.

- Muito bem Tinha a intenção de falar com todos vocês esta noite, mas foram mais rápidos que esta velha cabeça.

- Diga logo pai

Dário olhou para aqueles jovens, agora todo o acampamento estava a sua volta e ansiosos esperavam a sua mensagem.

- Minha gente, meu povo, minha família, já estou velho, o peso da idade já está sobre os meus ombros, nem sei se minha palavra será ouvida por todos. Sempre tomei as decisões que achei que seriam boas e justas para todos vocês, mas desta vez quero que todos opinem, prometo que a todos vou ouvir e só depois tomarei a decisão.

Os mais velhos balançaram a cabeça desaprovando a atitude, afinal ele ainda era o líder, não precisava da opinião de ninguém, todos confiavam nele, os mais jovens pelo contrário sorriam felizes, queriam falar e seriam ouvidos.

- Fale pai, pare de rodeios, todos estão esperando.

Dário estufou o peito e quase gritou:

- Vamos levantar acampamento, vamos voltar à estrada e seguir o nosso destino. Parou de falar e ficou esperando a reação de todos, já imaginava uma discussão, idéias contrárias, mas afinal havia dito que ouviria a todos e assim seria feito. Mas ninguém falou nada.

- E então? Ninguém vai falar nada? Prometi que ouviria e estou pronto.

- Quando partimos? Perguntou Dolores, uma linda cigana..

Logo todos batiam palmas, felizes, o coração cigano falava mais alto.

Dário sorriu, ainda era respeitado, seu povo ainda confiava nele.

Ergueu os braços e os ciganos se acalmaram, esperando suas palavras.

- Já faz um bom tempo que sinto o desejo de voltar à estrada, mas sempre afasto essa vontade em troca do bem estar e da segurança que encontramos neste local, mas esta noite ainda não sei explicar o que aconteceu, mas algo me diz que devemos partir e já que todos vocês concordam é o que faremos.

- Quando pai?

- Dentro de alguns dias filho.

- E porque não agora, meu pai?

O velho líder olhou admirado, esperava resistência e o que encontrou foi disposição em todos, prontos para segui-lo onde quer que fosse.

- Como eu disse que ouviria a todos, vocês resolvem.

- Agora gritou um cigano

- Vamos para a estrada gritou outro e logo ficou decidido, o grupo cigano ia se mudar.

- Calma minha gente, não é assim de um momento para o outro, vamos nos organizar, verificar se as carroças estão em condições para a viagem, não se esqueçam que estão há muito tempo paradas, vamos verificar as provisões para a caminhada, não esqueçam de levar muita água, não sabemos o que vamos encontrar pela frente. Viajaremos de dia e descansaremos a noite. Se Deus assim o permitir pela manhã estaremos seguindo o nosso destino.

Neste dia todos permaneceram no o acampamento, começaram os preparativos para a viagem, nada justificava aquela pressa, mas uma força estranha movia o grupo, todos trabalhando ajeitando suas coisas, desmontando tendas e nesta mesma noite estavam prontos.

Tão logo os primeiros raios da alvorada surgiram no céu a caravana já estava em marcha, todos felizes, aquele momento era esperado há muito tempo.

A carroça de Dário lidera a marcha, toda a caravana segue atrás, sentada ao seu lado está Silvana que olha para o céu preocupada.

A marcha seguia lenta, alguns ciganos seguiam a pé, outros empurravam pequenos carros, mas lá pelo meio da tarde já haviam avançado uma boa distancia.

Um batedor seguira a frente já buscando um lugar para passarem a noite.

- Sabe Silvana, pensei que nosso povo estava feliz com a segurança, mas me enganei, todos estavam querendo seguir nosso destino, você viu a rapidez que usaram para desmanchar o acampamento? Ainda estou preocupado, não se esqueça que Madalena está quase para dar a luz e agora está em uma das carroças sacolejando na estrada, será que fizemos a coisa certa?

- Sempre fomos protegidos pela nossa Santa Sara e pela grande mãe a natureza e se estamos na estrada é porque de alguma maneira fomos ajudados.

- Tens razão, me preocupo sem motivo, mas veja o tempo começa a mudar, teremos chuva pela frente e já começa a ventar forte.

O vento cada vez mais forte e Dário olha em volta procurando um lugar para proteger a caravana da chuva que parecia estar se formando, ao longe avistou um cavaleiro que vinha em direção ao grupo, era o batedor que voltava.

- E então Danilo? Encontraste um bom lugar? Tem que estar próximo acho que teremos chuva.

- Encontrei chefe, é uma pequena colina duas milhas a frente, é segura e parece dominar todo este vale.

- Então diga a meu filho que apresse a marcha, temos que alcançá-la antes da chuva, diga que os que estão a pé troquem um pouco com aqueles que até agora estavam em carroças, precisamos marchar com muita rapidez.

- Avistou ao longe uma elevação, açoitou os cavalos e gritou para que todos apertarem o passo. Agora o vento já atrapalhava a marcha, com dificuldade alcançam aquele ponto.

Nuvens escuras cruzam o céu, rajadas de vento levantam poeira e arrancam folhas das arvores, o grupo está na colina e já se preparam para enfrentar a tempestade que se aproxima.

Alguns homens procuram abrigo para os animais, outros movimentam as pesadas carroças para formarem um circulo, agindo assim protegem toda a caravana.

Relâmpagos iluminam o horizonte, alguns raios cortam os espaço, ao longe o som de trovões que parecem estremecer a terra. O dia parece ter se transformado em noite.

E ela chega, primeiro alguns pingos solitários, em seguida a chuva forte, a tempestade havia alcançado a caravana cigana.

Muita água desce do céu, os ciganos apertados nas carroças, o espaço é pequeno, a grande maioria vive nas tendas que se estivessem montadas com certeza seriam levadas pelo vento.

A preocupação de Dário é com os velhos e as crianças e não esquecer de Madalena que está nos últimos dias de sua gravidez, preocupado e ao mesmo tempo se sentindo responsável pelo que estavam passando, pensa foi loucura sair assim às pressas daquele local seguro.

Mas em meio ao desconforto, em meio à fome que agora estava chegando conseguiram vencer a longa noite.

Ao amanhecer ainda chovia muito, o vento havia parado, assim os homens saíram das carroças, muito haviam passado a noite em pé, não havia lugar nas carroças para se sentar ou mesmo se deitar, o pouco conforto que havia foi dado aos velhos e as crianças sobrando espaço em uma carroça para a futura mamãe.

Em meio à chuva que parecia não acabar nunca os ciganos tentavam melhorar a condição do povo. A primeira providencia foi levantar uma grande tenda para abrigar os animais, alguns não resistiram, a tempestade e haviam morrido, trabalho em equipe e logo os animais sobreviventes estariam protegidos.

Dois homens ficaram encarregados de trazer os animais para baixo daquela tenda, os outros começaram a levantar outra, esta seria usada como um refeitório coletivo, no chão muitas pedras, mas não havia tempo para limpar o terreno. Algumas mulheres já ajudavam nesta tenda, iriam providenciar alimento para todos. Nesta tenda ficaram dois homens auxiliando essas mulheres.

O restante do grupo se apressa em montar mais uma tenda, agora os idosos e as crianças terão onde ficar, ainda não existe conforto, mas já podem deixar o aperto das carroças.

Em pouco tempo todos estão protegidos da chuva, agora o inimigo é o frio porque as tendas só tem cobertura, os lados permanecem abertos.

Na tenda que serve agora como refeitório a dificuldade é fazer fogo, toda madeira está molhada, então são sacrificados alguns bancos, pequenas mesas, e só assim conseguem o fogo para preparar alimento para os homens que ainda trabalham na chuva e para todo o resto do grupo.

Agora a nação cigana mostra porque é considerada uma grande família, roupas secas são distribuídas entre aqueles que estão ensopados, Rodrigo sorri ao ver seu amigo com sua camisa enquanto ele estava com a de alguém, nada desanima essa gente, em meio a uma batalha já pensam na próxima.

Dário o velho chefe apesar da idade participou ativamente do mutirão para erguer as tendas e pode ver a liderança de seu filho, era ele quem organizava os homens, dava ordens e todos obedeciam, sorriu satisfeito seu povo estaria em boas mãos quando chegasse sua hora.

Mais alguns móveis e utensílios são sacrificados para uma nova fogueira que será acesa dentro da tenda maior, na realidade são pequenas fogueiras para aquecer aqueles que passam frio, alguns ciganos depois de se alimentar com uma sopa que as mulheres fizeram, tomaram um pouco de vinho e voltaram para a chuva, ainda havia muito a ser feito, deviam fechar os lados das tendas para tentar amenizar o frio e a chuva continuava forte e constante.

Dário apesar dos conselhos de sua amiga Silvana estava entre eles, tossia muito, mas mesmo assim queria ajudar, se sentia responsável por tudo que estavam passando, resmungava entre os dentes: maldito coração cigano, aventureiro, olha onde nos levou, meu povo sofre e você é o único culpado, falava sozinho, e os outros ciganos notaram que Dário não estava bem.

A muito custo com a ajuda do filho levaram o velho cigano para sua carroça e o deixaram aos cuidados da amiga Silvana. Ele ardia em febre, mas tremia de frio, falava palavras desconexas.

Silvana colocou roupas secas no amigo e procurou aquecê-lo, foi até o refeitório e preparou uma poção com ervas para tentar abaixar a febre que parecia consumir o amigo.

Durante toda aquela noite a chuva não deu tréguas, não parou por um só instante, os ciganos acomodados da maneira que podiam e sendo filhos da grande mãe natureza esperavam que ela fizesse o seu papel, água para a vida, para os campos, florestas, água para os rios, água que renova, lava e purifica toda a terra.

O dia chegou e chuva permanecia com a mesma intensidade, os ciganos atentos ficavam cuidando das tendas para que não caíssem com a força da água, estavam confinados, não havia o que fazer a não ser esperar.

À noite de Dário foi terrível, a febre não baixava e Silvana ao lado de Lúcio faziam compressas para combatê-la, mas havia a tosse que não permitiu que o velho cigano descansasse, o dia o encontrou mais abatido e sem forças para lutar.

Outro dia se passou e a chuva não parou o grupo cigano preso em suas carroças, naquelas três tendas improvisadas, estava ficando cada vez mais difícil conter as crianças, queriam brincar na chuva e os mais velhos impediam e estavam tristes em saber que o grande chefe lutava pela vida.

Outra longa noite chegou, Dário dava a impressão de Ter melhorado, já dava para entender o que ele falava, Lúcio e Silvana permaneciam ao seu lado e tentavam entender o que ele falava.

- Meu filho, minha amiga.

- Fale pai, você escapou de uma boa, já está melhorando e logo vai estar comandando a gente na estrada.

- Esperança é uma linda palavra filho, tenha ela sempre como estandarte à frente do nosso povo, nunca perca a esperança, é ela que nos leva a viver a vida, um dia de cada vez.

- Porque está me dizendo isso pai?

- Porque é você quem vai liderar essa gente, sinto que minha missão está chegando ao fim, fiz muitas coisas boas para o meu povo, só errei uma única vez e estou pagando por isso.

- O que é isso meu amigo. Disse Silvana. Não foi você quem tomou a decisão, desta vez foi o povo, eles queriam voltar à estrada e você apenas concordou, não se culpe, ainda não sabemos a razão desta viagem que fizemos as pressas.

- Eu sei disso amiga, mas nada vai me tirar esta culpa do coração, peço perdão a Deus e a Santa Sara por esta loucura, podíamos estar em nosso canto protegidos, mas não, estamos passando necessidades sem razão.

- Não fale assim Dário, lembre-se nada é por acaso, você recebeu um aviso em sonhos, à única diferença é que ainda não soubemos interpretar a mensagem, tenho certeza que quando o fizermos, veremos que você estava certo, vamos aguardar.

- É verdade pai, essa chuva não pode durar muito tempo, logo você vai estar curado e nos guiando novamente.

As ultimas frases não foram ouvidas pelo velho cigano, ele dormia.

Silvana aproveitou para sair na chuva e ir até a carroça onde estava Madalena, aquela que esperava um filho e que já estava em trabalho de parto. Parto lento e doloroso lembrava a chuva que não parava de castigar o povo cigano.

Terceiro dia de chuva, já faltavam mantimentos, não havia mais roupa seca nem madeira para queimar, aquele dia parecia ser o pior de todos, os músicos tomaram a iniciativa, as jovens ciganas começaram a dançar e logo todos cantavam para esquecer aquele dia que parecia ser o ultimo de suas vidas.

Dário acordou com a cantoria de seu povo e sorriu feliz, nem tudo estava perdido, imaginou que a chuva já houvesse partido, imaginou-se em uma nova viagem, fechou os olhos e dormiu novamente.

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Passava do meio dia quando o choro forte de uma criança foi ouvido por todos, Madalena sorri feliz, o choro forte é da recém nascida, choro que parece superar o barulho da chuva que nesse momento parece se render ao choro da criança e para como por encanto.

Silvana entrega a criança para a mãe, ela a beija e fala bem baixinho em seu ouvido o nome que só ela e a mãe vão saber, um segredo de mãe e filha.

- Que Santa Sara ilumine o seu caminho minha pequena Bárbara.

Aos poucos o dia volta a brilhar, todos abandonam seus abrigos, felizes as crianças brincam nas poças dàgua, homens e mulheres se abraçam comovidos, o pai da ciganinha é o mais feliz de todos.

Sarita é o nome pelo qual todos os ciganos vão chamá-la.

No horizonte um arco Íris corta o céu azul que agora tem pequenas nuvens brancas em movimento.

Nascimento no acampamento é motivo de festa, mas ela vai ser adiada, muita coisa para ser feita, recuperar o que havia se perdido alguns ciganos perderam tudo o que tinham para a tempestade.

Além da liberdade, do amor à natureza os ciganos são unidos e logo todos dividem seus bens com aqueles que tudo perderam, um batedor saí a cavalo em busca da cidade ou vilarejo mais próximo para comprar mantimentos, mas em menos de meia hora esta de volta e procura Dário para contar o que viu.

Na carroça do velho cigano estão Lúcio e Silvana e mandam o cigano entrar.

Dário muito abatido mal reconhece o cigano, mas está pronto para ouvir as novidades.

- O que houve homem? Pergunta Lúcio

- O acampamento

- Que acampamento? Pergunta Silvana

- O cigano respira fundo e fala:

- O local onde estava nosso acampamento foi destruído pela tempestade, o rio transbordou e invadiu aquele Lugar, está tudo devastado, se ainda estivéssemos lá todos teriam morrido. Foi Deus quem guiou nossos passos, um verdadeiro milagre, agora vou contar a todos e saiu correndo.

O olhar do velho cigano parecia perdido no infinito, grossas lágrimas desceram por seu rosto e ele em silencio agradeceu a Santa Sara, a Deus, a grande mãe natureza que havia poupado seus filhos e ao mesmo tempo abençoado a nação cigana com o nascimento de Sarita segurou nas mãos de Silvana e de Lúcio, um ultimo sorriso, um ultimo suspiro e Dário partiu rumo a eternidade.

A noticia do falecimento de Dário comoveu todo o acampamento, as emoções eram muitas, alegria pelo nascimento de Sarita, alegria por saber que haviam escapado da inundação e tristeza pela morte de seu líder.

Os velhos ciganos se reuniram para tomar uma decisão, quem deveria liderá-los a partir de agora e cuidar do sepultamento de Dário. Reza a tradição que os bens do velho líder deveriam ser queimados, mas os tempos eram outros, o acampamento sofrera grandes perdas com a tempestade, sendo assim os velhos ciganos houveram por bem dar a Lúcio a carroça e os pertences do pai.

A chuva dera lugar a um lindo arco íris que brilhava majestoso no horizonte, o jovem Lucio organizava o acampamento, auxiliava a todos, só parava para secar as lágrimas que teimosas que insistiam em cair, em alguns momentos chegava a visualizar o pai ao seu lado como sempre esteve.

O jovem cigano havia perdido a mãe quando tinha apenas sete anos de idade e o pai o criara sozinho, era um pai severo e rigoroso, mas em compensação era também a mãe compreensiva e carinhosa, o irmão, o amigo.

Na grande tenda os velhos ciganos deliberavam sobre quem deveria continuar o trabalho de Dário, mandaram chamar seu filho.

Lucio chegou e cumprimentou o patriarcado cigano e logo recebeu a noticia que herdara a carroça do pai e seus pertences.

Ainda com os olhos vermelhos de tanto chorar o cigano pediu licença aos mais velhos e disse que daria sua herança para Madalena, a cigana que havia dado a luz em plena tempestade.

Esse gesto de amor foi o bastante para que os anciões passassem para ele a tarefa de terminar a missão do pai, agora ele era o novo líder e deveria guiar o povo cigano em seu destino.

O funeral de Dário foi simples e singelo e neste momento disseram que ele salvara o acampamento de ser levado pelas águas, uma oração e a certeza que o espírito do velho líder continuaria com eles. Aproveitando a ocasião os velhos ciganos avisaram ao grupo que a partir daquele dia Lucio seria o líder e que todos o ajudassem nessa nova missão.

Todos concordaram o jovem cigano havia demonstrado seu poder de liderança e seu amor pelas tradições ciganas, além disso, ordem do patriarcado cigano não se contesta, se obedece.

O acampamento cigano vai permanecer neste novo local para se recuperar das perdas, mas logo estará na estrada seguindo o seu destino, porque o futuro a Deus pertence.