- "AS EXISTÊNCIAS COMOVIDAS" - ADOÇÃO - 1º CAPÍTULO = REGISTRADO

== PREÂMBULO ==

A estória deste despretensioso livro não se destina a reproduzir conhecimentos jurídicos, relacionados ao instituto da ADOÇÃO. Trata-se apenas de um romance intimamente ligado a esse elevado procedimento, que pode amenizar o sofrimento de menores abandonados, servindo de exemplo aos desencaminhados na vida, que no caso, num reverso da sorte protegeram os personagens saídos daquela situação e conquistaram elevada posição social.

A primeira protagonista, dotada de ótimos predicados teve dificuldades em contrair núpcias, apesar das posses que a favorecia, professora de música e altamente religiosa. Acabou casando com um cidadão que, “a priori”, o pai, rico industrial, fazia restrição. Não conseguindo engravidar e querendo ter um filho, aconselhou-se com o sacerdote da igreja de que era assídua freqüentadora, esse a orientou ir à capital do Paraná e manter entendimentos com dois religiosos de um asilo local, em nome dele, inscrevendo-se para adotar uma criança, que estivesse abrigada na instituição.

Foi advertida que o processo de adoção era demorado e requeria uma série de exigências, inclusive parecer de assistentes sociais. Mas o destino estava traçado, dias depois se refugiou naquele abrigo linda moça, de origem alemã, expulsa de casa pelos pais por estar grávida, de pouco mais de 17 anos, entrando logo em trabalho de parto. A pretendente à adoção foi convocada, saindo correndo do hotel, que se instalara, para a C.A.S.A. (Centro de Adoção Social e Amor) e ali conheceu Evelim, que não esperava apenas um bebê e sim dois. A futura adotante de imediato, assumiu todas as despesas do parto, solicitou a presença dos melhores obstetras e pediatras de Curitiba, dirigiu-se à loja mais festejada de roupas infantis, enfim comprou todo o enxoval destinado aos gêmeos. Após dar à luz, a mãe das crianças fez um apelo para que Elizabeth ficasse com os dois, pois não desejava que fossem criados separados.

Quem não conseguia normalmente pela natureza nenhum filho, da noite para o dia passou a ter dois.

A criação dos gêmeos se alicerçou em excepcional destino para ambos; tiveram ditosa infância, pródiga e idêntica à propiciada a menores opulentos. Com a idade de 11 anos desconfiaram de suas naturalidades. Quando da inscrição para o exame do primeiro grau observaram que as certidões de nascimentos registravam serem nascidos em Curitiba, Estado do Paraná. Iniciaram uma série de indagações junto às pessoas mais chegadas à suas casa, mas tiveram pouco êxito.

Ao completarem 19 anos perderam a mãe adotiva.

Com o generoso patrimônio, deixados pelo avô e a falecida mãe adotiva, partiram a procura da mãe natural. Encontram-na, simples, trabalhando como arrumadeira de um hotel, morando nos fundos da casa de uma irmã, numa cidade interiorana do Paraná. Desde o momento que se defrontaram a transformaram totalmente, dando-a alem de conforto, estudos que a tornou erudita, requestada por diferentes setores e admirada pela sociedade que passou a conviver.

O pai de criação, de que o avô postiço dos gêmeos tinha restrições, trouxe de Portugal sua verdadeira mulher, Manoela, e pôs em prática uma série de atos desabonadores, dilapidando a fortuna dos dois rapazes, um médico e o outro engenheiro, este último exercendo a profissão de engenheiro naval e o primeiro, recém formado, como plantonista de um hospital.

Evelim revolucionou a situação, favorecida pelos relacionamentos, aplica suas habilidades e os vastos conhecimentos adquiridos, principalmente como administradora, interprete e tradutora de inglês e alemão, salva a fortuna dos filhos, numa volúpia que causara espanto a todos que a conheceram antes e depois.

As narrativas tornar-se-ão inesquecíveis, do passado de dificuldades de Evelim, aos momentos de opulências, numa metamorfose alucinante.

O procedimento moral dos filhos, que tiveram na mãe de criação um exemplo de vida, nunca foi esquecido e a altivez, amor e carinho pela mãe biológica, é digno de ser enaltecido, causam admiração pelos elevados sentimentos.

O livro se inicia numa colação de grau dos formandos em advocacia e o orador da turma, filho mais novo de um jurista ilustre do Rio de Janeiro, na sua peroração, sustenta a tese da responsabilidade da sociedade relacionada com a infância abandonada, marginalizada nos asilos. Esses menores sem expectativa de serem adotados pelos membros da sociedade mais aquinhoados, dariam conforto e possibilidades futuras a essas crianças, tornando-as úteis ao País.

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AS EXISTÊNCIAS COMOVIDAS

= ADOÇÃO =

(ROMANCE)

Autor – Alberto Frederico Soares Mello.

=== CAPÍTULO I ===

- Quem são aqueles jovens tão elegantes?

Não era o momento certo para pergunta e muito menos se manter um diálogo, principalmente com uma indagação que requeria comentário. A solenidade de formatura exigia um comportamento austero, com as atenções voltadas aos discursos e diretrizes dos atos emanados da mesa que presidia os trabalhos. Diva surpresa não se conteve indagando do marido, Francis, a estranha presença dos elegantes mancebos. Comedido, respondera em tom angelical em voz baixa: depois revelarei em detalhes as originais criaturas que tanta atenção acarretaram sua admiração.

A solenidade de formatura da Faculdade Nacional de Direito foi grandiosa, o orador da turma, membro mais moço de tradicional família de juristas, além da cultura demonstrada e riqueza de vocabulário, discorreu sobre fascinante tema: “da responsabilidade da sociedade sobre a infância abandonada e a singularidade do instituto à adoção”. O mais moço dos Pinault foi ovacionado pela platéia de pé, durante mais de 10 minutos.

Terminada a formalidade solene, já no saguão do teatro, onde se reuniram os convidados, ainda o comentário unânime era em torno da proficiência do magnânimo orador e a aula que proferira sobre adoção, que balançara o coração de cada um dos presentes.

O formando, Carlos Alberto, junto aos seus parentes, externava como se conduziria no futuro, desejava completar cursos de extensão, doutorado, mestrado e preparar-se para seguir a magistratura. A alegria era contagiante, nascera daquele momento a perspectiva de sair do seio da família um juiz forense.

Cerimoniosos os dois irmãos gêmeos se aproximaram de Francis, cumprimentando-lhe, fizeram se anunciar: - “somos seus primos”, filhos de Elizabeth e Salvador Miranda, não tínhamos o prazer de conhecê-los, mas mamãe sempre se aludiu a vocês, que residiam longe do Rio de Janeiro, mas nem por isso deixaram de ser estimados primos.

Fisicamente os dois rapazes guardavam perfeita identidade fisionômica, embora com trajes diferentes, difíceis serem reconhecidos um do outro; as alturas, complexão de um era a mesma do irmão, as feições dos rostos e outros aspectos dificultavam as distinções.

Francis tomara conhecimento que sua prima Elizabeth tinha dois filhos gêmeos, cujos nomes nunca esquecera: Pedro e Artur. Rica, com vultoso patrimônio deixado pelos pais, lutara muito para se casar, embora bonita, de elevados predicados culturais. Os que dela se aproximavam visavam desfrutar da nababesca fortuna. Religiosa, freqüentadora assídua das igrejas, cobiçados rapazes somente vislumbravam beneficiarem de suas posses. Isso fez com que ela fosse afastando cada um dos pretendentes. Elisabeth apaixonara-se de um piedoso carola, que irradiava vasto saber e conhecimento profundo de literatura, mas não passava de avançado efeminado; mantinha-se, contudo, sóbrio nos trejeitos e compostura, o que tornava obscura sua anomalia.

Elizabeth compensava o recato que vivia com aulas de francês e piano, não para sua manutenção e gasto nos vestidos que exibia à sociedade, aqueles derivativos preenchiam seu tempo, mantinham atualizados a afluência do idioma gualês; ao piano dedilhadas as notas, executando lindas melodias, tranqüilizando-lhe, especialmente, pela presença dos alunos. Pouco passeava, dificilmente excursionava a outras plagas, suas viagens ao final de cada ano se restringia em visitar uma tia, irmã de sua mãe, dentro do Estado, numa cidade próxima.

A vida para Elizabeth ia se tornando monótona, faltava um companheiro que lhe proporcionasse entrelaçamento humano. Dispunha de todo o conforto e recursos, capitulava-se naquele vazio pela ausência de um homem para acariciá-la, trocar amenidades e juras de amor. Começava a preocupar-se com a idade, resolveu planejar um casamento, capaz de modificar as agruras vividas. Afastou, desde logo, os pretendentes que apareciam nas missas dominicais, todos voltados para sua fortuna, sem nenhuma dose de amor e afeição à sua pessoa.

Depois de muitos anos surgira em sua bela residência um estranho rapagão, com feições diferentes dos homens brasileiros. Falava português, porém um sotaque distinto do usual. Apresentou-se, Salvador Miranda, foi logo esclarecendo, eu conheci seu pai há tempos atrás e encaminhei um negócio para ser desenvolvido em sociedade. Infelizmente, vi malograda minha sugestão, por motivos que nunca soube das razões. Tomei rumo sozinho, implantei meu negócio que teve razoável êxito. Soube do falecimento de seus pais, resolvi oferecer meus préstimos, prontificando-me a prestar serviços e auxílios julgados necessários.

Elizabeth recordou-se de comentários que seu pai fizera em casa, da ousadia de um tal Miranda, que lhe procurara no escritório da industria, por si dirigida, com mirabolante proposta, sem dispor de capital para o negócio, argumentava que formaria com seu trabalho. Trazia uma carta de apresentação de um amigo e concorrente industrial. Não gostara daquele cidadão, corajoso, senão pela audácia e atrevimento, mesmo dispondo de epistolar credencial. Não fazia restrição à sua origem portuguesa, contudo, via nele um comportamento aventureiro que o alijava de qualquer ajuste empresarial em sociedade. O pai de Elizabeth não falara mais sobre aquele assunto, nem o fim que tomara Miranda.

Agradeceu a visita e o oferecimento. Uma atração pessoal prendeu a atenção de Elizabeth, que não deixou de externar sua amabilidade ao dizer apareça quando quiser, terei prazer em recebê-lo. Longe estava o pensamento que desse encontro nasceria uma convivência capaz de mudar o rumo de sua vida.

A convivência com Miranda deu a Elizabeth idéia diversa que outrora tivera seu pai, passou até admirá-lo, a conversação era agradável, embora sem grande riqueza literária. A cultura elementar não impedia que transcorresse sobre uma variedade de assunto, oriunda da experiência de vida; conhecimento de vários lugares na Europa e Ásia, permitia-lhe discorrer sobejamente dos costumes e tradições dos povos que conhecera. A forma, entretanto, de se trajar destoava dos rapazes brasileiros, guardava o aspecto característico do povo lusitano. Seguia a mesma religião de Elizabeth, sem ser freqüentador assíduo da igreja, cumpria o dever de ir sempre aos domingos à missa.

Tinha um escritório de representação de produtos comerciais, muito dos quais mercadorias importadas, isso tudo permitia um bom relacionamento com inúmeros comerciantes e atacadistas.

Elizabeth, muito habilmente, procurou incutir na cabeça de Miranda, que ele precisava adaptar-se à maneira de trajar dos brasileiros, inclusive porque a elegância tornaria como cartão de apresentação junto aos seus fregueses. Ele concordou, comentou até que tinha um compatriota, exímio alfaiate, o Mesquita, muito requisitado pela sociedade, ia procurá-lo.

A verdade é que, o tal alfaiate transformou completamente Salvador, passou a vestir-se com aprumo, não ficando nada a dever aos cavalheiros da época.

Elizabeth resolveu comunicar e aconselhar-se sobre um possível casamento a dois tios mais chegados aos seus pais. O primeiro foi um irmão do pai, médico, e o outro o irmão de sua mãe. Ambos tiveram o mesmo tipo de comportamento, preferiram conhecer pessoalmente Salvador Miranda, antes de qualquer manifestação. Os entendimentos se deram isoladamente, nas respectivas residências. As decisões de cada um guardaram identidade de pensamentos. Tornavam-se indispensável saberem os motivos que levaram o pai de Elizabeth não ter se simpatizado ao agora pretendente às núpcias, e depois sua origem, familiar e social de onde provinha. Havia uma pessoa capaz de poder responder a primeira premissa, um advogado da industria que era confidente do pai de Elizabeth, possivelmente esse trocara segredos e solicitara opinião sobre o possível negócio proposto. O advogado foi franco e sincero, não inspirara confiança, mormente porque a proposição viera de um estranho e o capital a ser investido tornava-se inviável pelo seu significativo montante. O segundo aspecto tornou-se possível através de cartas trocadas com pessoas indicadas por Miranda junto à sua cidade natal. Nada havia que desabonasse, tratava-se de um cidadão simples, sem filhos naturais e ótima convivência social, apenas deixara no lugar uma rapariga com promessa de casamento, após consolidar posição no Brasil.

Todos aspectos levaram ao advogado propor que o casamento se desse com separação total de bens, a fim de resguardar o patrimônio de Elizabeth.

Miranda mostrou-se constrangido, alegando que ele contrairia núpcias numa atmosfera de total desconfiança à sua pessoa, mas mesmo assim mantinha o pedido de casamento.

O enlace matrimonial ocorreu na igreja matriz freqüentada por Elizabeth, onde uma tia dileta mantinha liderança entre os paroquianos. Foi, relativamente, singela, apenas a cerimônia revestiu-se de maior solenidade pela intervenção de sua tia, da grande amizade que a noiva desfrutava na comunidade cristã e em face dos convidados amigos diletos do industrial. O casal manteve a primitiva residência da nubente.

Os anos foram passando e Elizabeth não conseguia engravidar, fez uma série de tratamentos com os mais renomados médicos especialistas, sem êxito nenhum.

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AS DESCONFIANÇAS DOS GÊMEOS.

Os irmãos gêmeos por cortesia foram ao hotel em que se encontravam seus primos, Francis e Diva, lhes visitar, uma gentileza que propiciava maior entrosamento, pois não se conheciam, face à distância que moravam.

Francis intranqüilizou-se com a indiscrição de Diva, já manifestada em diferentes momentos, deixando de guardar conveniência do lugar, curiosa por saber quando Elizabeth dera à luz aos dois filhos, fato sempre contemporizado pelo marido. A ela logo-logo, veio à idéia que chegara a oportunidade de desvendar o mistério que tanto a afligia.

Ambos analisaram detidamente Pedro e Artur, tratava-se de rapazes de cerca de 19 ou 20 anos, delicados, de estatura idênticas, cabelos alourados, compleição física bem dotada para a altura de cerca de 1 metro e 80, olhos idênticos de cor azuis, pele muito alva denotava maior atenção, origem prussiana.

Pedro estudava medicina, estava cursando o 3º ano, mesmo grau mantinha Artur, porém em engenharia. O primeiro revelava maior facilidade em se expressar, comunicava-se com maior freqüência, de forma mais convincente. Mais nem por isso, quem começou a conversa foi Artur, indagando sobre Brasília, principalmente se havia plena condição de habitação, estrutura para suportar toda a atividade humana, escolas em diferentes níveis, comércio que pudesse abastecer os segmentos da vida moderna, diversões, hotéis, restaurantes e bares, clubes sociais, constituíram-se nas suas maiores indagações. Paulatinamente, Francis foi satisfazendo aquelas curiosidades, complementando com informações dos edifícios e calçamento de toda extensão.

Diva aproveitou-se da conversa para saber quando nasceram e se Elizabeth os teve de parto normal ou foi obrigada a fazer cesariana. Desse último aspecto desconversaram, nada lhe informando, apenas Pedro esclareceu que tinham 18 anos, fariam 19 no próximo mês de fevereiro. Perderam a mãe quando estavam com 14 anos e viveram sempre na companhia do pai. Os avós maternos faleceram quando eles estavam com 10 anos de idade, mas guardavam perfeitas recordações dos dois. O avô era mais austero, embora sempre estava a conversar com eles e saia muito de automóvel, último tipo, potente e levava-os à fábrica para mostrar a atividade industrial. A avó, muito católica, os preparou para a 1ª comunhão, que infelizmente só foi realizada um ano após a sua morte. A coabitação se dava de forma muito grandiosa, disseram: nos tínhamos tudo que as outras crianças possuíam e vivíamos cercados de cuidados e médicos pediatras para nos assistir.

Aquelas informações aguçaram mais a exagerada indiscrição de Diva, que não conseguira alcançar o que desejava saber, como Elizabeth tivera os dois filhos gêmeos se quando deixara o Rio para ir morar em Brasília ela estava em tratamento e não conseguia engravidar, o que tanto a atormentava.

Aos pouco os jovens visitantes iam adquirindo confiança nos primos que conheceram pessoalmente dias antes, e assim passaram a exteriorizar o histórico de suas vidas, sem que Diva precisasse interpelá-los.

Um dos dois se aludiu a irmã de Francis, Aracy, que era afilhada de seus avós e muito amiga de sua mãe Elizabeth, quase sempre sua confidente, a quem segredava seus problemas, ambições e planos. Isso a tornara a prima mais chegada aos dois irmãos gêmeos, sendo que Pedro era seu afilhado, juntamente com o filho do irmão mais moço do avô.

Pelo adiantado da hora Francis e a mulher lhes convidaram para jantarem no restaurante do próprio hotel. Aceitaram a gentileza, que proporcionava a oportunidade de maior entrosamento com os primos, troca de afinidades e relacionamento. Ao ensejo, poderiam saber mais detalhadamente fatos até então poucos esclarecidos.

À mesa o comportamento de ambos foi fidalgo, guardavam suas origens educadas, oriundas dos avós e da mãe. Diva aproveitou para tecer comentários, ligados a esmerada polidez e finura sempre demonstrada por Elizabeth.

Pedro começou relembrando um fato singular: quando estavam com 11 anos, fazendo inscrições para o exame ao primeiro grau, a secretária da escola perguntou à Elizabeth a naturalidade de cada um, no que ela respondeu: os dois nasceram em Curitiba, Estado do Paraná. Seguida da apresentação da certidão de nascimento. Aquilo para nós, eu e Artur, constituiu-se numa surpresa, até aquele instante desconhecíamos. Fizéramos o jardim de infância e o primário sem que tivéssemos esse conhecimento. Perguntamos a mamãe ela evitou entrar em detalhes, a mesma atitude teve papai. Aquela incógnita, embora crianças, não nos saiu do pensamento, porque perdurava esse segredo. Nunca tivemos informações que eles tinham deixado o lugar em que morávamos e foram residir em Curitiba, nem os nossos avós esclareceram, apenas sugeriram que perguntassem aos seus pais, naturalmente entrariam em maiores detalhes. Preferimos silenciar, talvez atinando com uma possibilidade futura de desvendar a razão porque não éramos cariocas e sim curitibanos.

Com os falecimentos de nossos avós e de mamãe, renasceu a incerteza, socorremos da prima-madrinha Aracy, que forçosamente poderia elucidar o mistério, exatamente por ter sido a prima mais íntima, a quem nossa mãe confiava detalhes de sua vida e dos filhos.

Aracy, como você Francis, disse Artur, não usava de subterfúgios. Sempre sincera, estava pronta a nos auxiliar em todas as ocasiões, o que nos garantia termos uma definição do enigmático segredo. Ela não hesitou, respondeu incontinenti, quando vocês nasceram eu não me encontrava no Brasil, estava fazendo um estágio de piano na Áustria, que durou cerca de dois anos. Ao chegar, não tive curiosidade de perguntar à Elizabeth como tinha passado na gestação, achei que ela me contaria se tivesse havido qualquer anormalidade. Sugeriu-nos que se informassem com Joana, madrinha de sua mãe.

Joana era filha de criação dos bisavôs, portanto irmã natural da avó muito extrovertida, cantava durante todo o dia e sabia os sambas e marchinhas da época. Seguia a religião da família, “filha de Maria”, congregação feminina da igreja católica, que freqüentava diuturnamente. Joana namorara “Zeca” Carpinteiro, que era operário naval e trabalhava num dos estaleiros localizado no bairro de Ponta da Areia. Noivaram e depois casaram. O marido conseguiu mudar a religiosidade de Joana, que passou a ser protestante, contra o gosto de toda a família.

“Zeca”, chamava-se José possivelmente, a princípio era meio “caladão”, pouco falava, primeiro pela dificuldade de vocabulário, depois descobriram que esse comportamento obedecia a uma tática. Zeca tornara-se comunista ferrenho, seguidor da orientação ideológica dos companheiros de trabalho. Isso contrariava muito o pai de Elizabeth, principalmente quando começava a ditar idéias e pensamentos esquerdistas, tentando doutrinar as pessoas presentes. Mas, na falta de maiores conhecimentos e pouca leitura fazia-o externar sem nexo as palavras e os princípios filosóficos bolchevistas. Blasonava o que ouvia nas reuniões do Sindicato dos Operários Navais, que freqüentava com assiduidade. Instado quando das discussões familiares, confessava que não sabia o nome dos fundadores da doutrina marxista. Ouvira falar em Lenine e Stalin, porque era o dirigente máximo da União Soviética. Nunca lera nada sobre Karls Marx, o que não impedia de falar sobre sua doutrina em favor do operariado e contrário a exploração do trabalhador em benefício do capital. Contudo, não era má pessoa, sempre prestativo e solícito, principalmente quando era solicitado para executar trabalhos de seu mister.

Após o falecimento dos avós e da mãe dos gêmeos, Joana, durante largo tempo, deixou de freqüentar a casa que foi criada, tal impedia que Pedro e Artur pudessem demandar sobre as suas origens. Não achavam conveniência irem procurá-la em sua residência, porque certamente teriam a presença de Zeca. Aguardariam, pacientemente, que ela aparecesse, o que não tardou tanto. Belo domingo eles lá estiveram e Joana aproveitou para fazer a refeição, pois se desincumbia excepcionalmente na cozinha. Pedro dirigiu-se comedidamente até aquela dependência e segredou ao ouvido de Joana, eu e Artur queremos conversar com você, sem a presença de Zeca e das crianças, que já eram crescidas. Tomada de surpresa, perguntou-lhe: Por que toda essa reserva? Estou curiosa em saber o que desejam, depois de tanto tempo de nossa ausência.

Após o almoço, de que também participara o pai dos jovens irmãos, Salvador Miranda, Zeca recolheu-se ao antigo quarto de Joana para fazer a sesta; o próprio Miranda foi tirar um cochilo, pois sorvera ¾ de uma garrafa de vinho português; as crianças aproveitaram para ir ao cinema do bairro. Tudo isso favorecia a conversa que os gêmeos queriam ter com Joana. Por sua vez ela já limpara toda a cozinha e lavado as louças.

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DESVENDADO O MISTÉRIO

Partiu de Joana a iniciativa de convidar os dois para a prosa, sugerindo que todos se encaminhassem para o quintal, lugar frondoso com arvores frutíferas, o silêncio imperava e a brisa trazia permanente frescor. Havia um alpendre acolhedor com bancos de madeira, que dava para acomodar a todos os três.

Pedro mais expedito tomou a palavra, historiou a origem da dúvida, como surgira e precisavam saber se na verdade os dois eram filhos de Elizabeth e Salvador. Atônita Joana levou algum tempo raciocinando como deveria responder, sem mentir, mas com prudência. Ressalvou desde logo sua posição, eu sou madrinha de sua mãe, filha de criação de seus bisavôs e fui criada por eles, de quem era afilhada. Agora sigo o protestantismo, isso me impede mentir, falo sempre a verdade, porque a presente religião assim me obriga. Antes, quando católica as inverdades confessava ao padre e ele perdoava-me depois de algumas penitências. Logo, falarei a vocês o que sei, embora tenha convicção que tal é desnecessário porque ambos estão protegidos pelo seu pai e todos os parentes, a novidade que possa existir não modificará suas vidas.

Quando Elizabeth sentiu, baldados todos os tratamentos que se submetera, promessas e esforços, que não geraria um filho, desejo não só dela, como também de Salvador, ela foi à matriz conversar com o Padre Luiz, eu a acompanhei. Depois de um diálogo franco e sincero, o sacerdote sugeriu que ela adotasse uma criança, preencheria a vontade dela e dava ao menor um abrigo seguro e futuro promissor. Os desígnios de Deus seguem paralelos para que os homens amparem sempre as crianças e assim o fazendo conseguem as indulgências para alcançar o reino do céu. Elizabeth como religiosa acolheu aqueles conselhos e planejou adotar uma criança, tratando-a como verdadeiro filho. O sacerdote a orientou que fosse com seu marido à Curitiba no Paraná e procurasse a CASA (Centro de Adoção Social e Amor) e lá se articulasse com o Padre Palhano e a irmã Clementina, que eles saberiam encaminhar a pretensão.

Os dois seguiram para Curitiba de ônibus, levando alguns documentos recomendados pelo Padre Luiz. Depois de demorado entendimento, tiveram uma grande surpresa, o processo de adoção seria moroso, passaria por diferentes fases até a decisão final do Juiz de Menores. Miranda não poderia aguardar tanto tempo, em face de seus afazeres e outros documentos se tornavam indispensáveis, o que abreviou seu regresso. Sua mãe lá permaneceu, até mesmo para melhor selecionar o adotando.

A influência dos dois religiosos, graças à apresentação do Padre Luiz, abreviou a adoção, não apenas um, mas dois, que são vocês. Miranda não podendo ausentar-se daqui, enviou uma procuração a uma pessoa indicada pela CASA, com plenos poderes na representação do processo. Elizabeth teve de comprar todo o enxoval em Curitiba para os dois e regressou de avião. Deu em donativo para a instituição roupas destinadas às crianças e inúmeros agasalhos que as abrigasse do frio constante do lugar.

A família foi completa ao Galeão recebê-los e houve no dia uma grande festa aqui em casa, providenciada por seus avós. Os dois berços foram comprados por Salvador, que agradou muitíssimo sua mãe. Por incrível que pareça, o advogado de seu avô e Zeca fizeram os discursos de saudação. É essa a história que sei e mantive segredada durante todo tempo.

Durante a narrativa de Joana os dois ouviram calados, não se manifestaram em nenhum momento, nem trocaram comentários e idéias entre si. Agradeceram a Joana sua boa vontade, trazendo à baila assunto até então nunca revelado. Mas, não acharam convincente a dissertação que ela havia feito, alguma coisa não se encaixava com alguns fatos e prova documental. Preferiram silenciar, deixariam para outro momento, aguardariam nova oportunidade. Esgotaram daquele modo às consultas, não deveriam acionar outras pessoas sobre o mesmo affaire, poderia até mesmo ser tomado como bisbilhotice, atitude imprópria no seio da família.

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PESQUISANDO NOVA BUSCA.

O relato de Joana não convencera os dois irmãos, deixaram-lhes frustrados, não coincidiam com as certidões de nascimento de cada um, teriam de especular valendo-se de outras pessoas, que quase sempre se esquivavam de dar informações e maiores detalhes. Planejaram um novo procedimento, talvez mesmo num esforço pessoal. Era compreensível a insistência dos dois, não seria possível considerar-se ser mera especulação ou curiosidade, o princípio biológico de quem gerou um ser humano tornara-se mais evidente, conhecê-la completava a significação de vivência. Mãe é sempre tudo que o homem procura preservar. Pedro e Artur tinham uma vida confortável, desfrutavam de invejável situação, financeira e econômica, atingiram um estágio da vida que poucas criaturas conseguem alcançar, faltava, contudo, saberem suas origens.

O pai, Salvador Miranda, tomara conhecimento da conversa que ambos tiveram com Joana, embora sem muitos detalhes, isso lhe fazia apreensivo das conseqüências que poderiam advir. Evitou manter um diálogo com os filhos sobre aqueles acontecimentos, aguardaria um momento exato para fazer esclarecimentos ou elucidar as motivações. Achou melhor trocar idéias a respeito de amenidades, próprias, porém, com fatos das idades deles, até pertinentes ao desejo de todos os rapazes. Foi logo dizendo, vocês já podem tirar a carta de motorista e adquirirem um automóvel, que prestará relevantes serviços para os dois, independentemente, do uso que os veículos propiciarão em passeios. Relembrou, dispõem de recursos, não necessitam da ajuda de ninguém. Do inventário receberam significativos meios, até mesmo quando Elizabeth vendeu o Oldsmobile de seu avô repartiu o valor entre os dois, recebem mensalmente suas participações na indústria como sócios comanditários, portanto dispõem de meios que suportam essas despesas.

Os gêmeos ouviram calados, responderam de forma simples e objetiva, no momento esses empreendimentos estão fora de nossos planos. Estamos aguardando o término do ano letivo nas faculdades para passearmos, conhecermos outros estados e adquirir maiores entendimentos das futuras atividades profissionais em outros locais. Havia sensatez naquela manifestação, escondiam, todavia, as razões mais significativas.

Os dois haviam conquistado o amor de duas irmãs, que não eram gêmeas, mas a diferença de idades insignificantes pouco destoava uma da outra. A namorada de Pedro chamava-se Simone e tinha 18 anos, enquanto a de Artur com 17 anos atendia pelo nome de Mônica, a semelhança entre as duas guardava identidade com as existências fisiológica dos apaixonados rapazes. Contava-se que eles e elas conseguiam iludir os professores nos exames orais, dividiam as matérias, estudavam mais umas que outras e prestavam as provas de acordo com a conveniência do saber.

NOTA DO AUTOR: Atendendo pedidos de amigos e estimados leitores, e da própria direção do RECANTO DAS LETRAS, publicaremos o romance em cinco (5) capítulos, o segundo dar-se-á no dia 23 deste mês e assim consecutivamente. O texto total já se encontra concluído. Grato. Soares Mello – Alberto Frederico.

PS - O presente CONTO está registrado na FUNDAÇÃOBIBLIOTECA

NACIONAL,gestão 34209, Escritório de Direito Autorais, do Ministério da Cultura - Rio de Janeiro.

smello
Enviado por smello em 23/09/2007
Reeditado em 14/08/2009
Código do texto: T664770
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