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A véia Benedita, aliás mãe Benedita como gostava de ser chamada, sempre dizia a todos que entravam em seu terreiro – em busca de cura, paz, vingança, amor, ódio, dolo ou justiça, qualquer que fosse o desejo – que o orixá não aprumava a vida de ninguém e, às vezes, piorava o que só estava ruim e que, se isto acontecesse, nem a assembleia dos orixás mais poderosos consertava o trabalho feito, pois apesar d’o mundo ser redondo, nasceu para ser torto.

Hoje tenho certeza que Dete não escutou nada do que dizia a boa e velha ialorixá.

Dete, mãe de três filhos, queria que o mais velho fosse de fato o varão que ela gestou e viu nascer e honrasse o trevo do clã familiar para que os mais novos seguissem em passo ordinário. É que o jovem, assim que a adolescência assumiu lugar da infância, passou a demonstrar traços de – palavra da própria mãe – viadagem, e ela receava que isso desviasse os irmãos pequenos. Pouco preocupada, já que os orixás nunca a abandonariam, foi ao terreiro em busca da luz que só alguém como a véia Benedita já tinha visto. Pediu que lhe jogasse os búzios.

Minha fia, a véia Benedita falou com todo cuidado, os buzo diz que num tem nada demais com seu menino, pois quem tem três tem dois, num se avexe, tá tudo no seu lugar, deixa lá, deixa lá que já veio feito.

Dete, desesperada, fez ouvido de mercador e desancou tanto o que disse os orixás através dos búzios, como o sábio conselho da velha ialorixá: não, minha mãe, por favor, fale com meu pai Ogum ou meu padrinho Obaluaê e conserte isso, meu menino é tão bonito, por favor, não quero que ele se perca, por favor.

Ao notar que não conseguiria convencer aquela mãe agarrada às próprias ilusões, a véia Benedita aceitou fazer o trabalho.

Então minha fia, disse a véia Benedita, faça o que digo: me traga 8kg quilos de feijão, dez galinhas bem gorda e bem pelada, 10kg quilos de arroz e macarrão e dez latas de doce de marmelada, dez garrafas de pinga da boa, seis penas do cu d’um urubu, três línguas de sapo-boi, duas garras de gavião e sua milonga tá curada.

Dete perguntou em quanto tempo precisaria trazer os ingredientes, escutou: vorte assim que tiver tudo pronto.

Quatro dias depois, passava pela cancela do terreiro a mãe feliz por ver o destino do filho voltar aos trilhos. Entregou os pedidos, recebeu três garrafas, uma para cada filho, dividir em dois banhos e recebeu instruções para que suas crias guardassem as horas do dia: 06:00, 18:00 e 00:00h, a estas horas não poderiam ter o céu por teto, em hipótese alguma, durante os sete dias seguintes aos banhos.

Passaram-se os sete dias.

Seis meses depois, assim que a véia Benedita voltou de viagem ao Benin, Dete estava de acampamento montado do terreiro, mal a ialorixá fez os ritos de retorno, a desesperada filha de santo caiu de joelhos.

Mãe, minha mãe, não deu certo, oh meu Deus, não deu certo, mãe. O mais velho não quer mais ser chamado pelo nome de batismo, o do meio diz que não vê a hora de menstruar e usa absorvente e o mais novo deu a enfiar cueca no rabo igual puta de fio dental no bordel, perdi meus filhos, mãe, perdi meus filhos.

Eu te falei, minha fia, em viadagem não tem orixá que dê jeito. Deixa lá, deixa lá que já veio feito.

Grouchesco
Enviado por Grouchesco em 09/10/2019
Reeditado em 31/10/2019
Código do texto: T6765103
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