"Faça uso de meu poder, disse-me ela".

Era um dia de inverno rigoroso. Sentada confortavelmente no meu sofá, estava aquecida; por construções humanas – agasalhos -, mas também pela oferta da natureza – o sol. No coração, a vontade urgente de encontrar uma forma de mudança: dos homens, do mundo… O inconformismo, entretanto, não encontrava instrumentos. Sempre ouvi falar que cada um pode fazer sua parte, dar um passo, encontrar adeptos, quem sabe, ou não, mas que a tentativa nos dá a certeza de
não termos cruzado os braços de maneira passiva. Percebia-me impotente, porém. Como fazer?

Bateram à porta. Fui atender de boa vontade, já que o calor da estação, guarida não faz no meu coração. Não me pareceu estranha a visitante, tampouco, a reconheci completamente. Apenas a sensação de que já havíamos cruzado nossos caminhos. Ela apenas sorriu e, novamente, certa familiaridade se fez sentir em mim. Perguntei seu nome e em que podia ajudá-la; disse que gostaria de entrar, se não estivesse incomodando. Disse-lhe que seria um prazer!

Entrou. Sentou-se ao meu lado e perguntou o que estava me angustiando. Estranho… Estranha presença que responder não fazia, mas de questionar não fugia, deixando-me desconcertada e, ao mesmo tempo, sem que conseguisse articular dentro de mim o porquê, me fascinava. Respondi-lhe com sinceridade sobre meu desejo e minha limitação. Acenou com a cabeça; gesto de entendimento e ao mesmo tempo de concordância. Então me surpreendeu!

_Posso ajudá-la – disse-me sem hesitação –. Já ajudei inúmeras pessoas em tal empreendimento.

A surpresa cedeu lugar à curiosidade diante daquela voz tão firme, paradoxalmente conhecida e desconhecida.

_Quem é você? Como pode ajudar-me?

_Eu sou arcaica – há, inclusive, metáforas que afirmam que agi para construir tudo o que existe -; sou moderna, entretanto; sou criadora, mas, peço cuidado, pois também sou destruidora. Necessário se faz conhecer-me, ponderar o que coloco, conviver comigo antes de acreditar que meu poder vai estar posto a serviço do bem. Perceba: Posso ser maldita ou bendita. Tenha isso sempre em mente. Já incitei guerras… Já promovi a paz. Sou por vezes, ambígua, redundante, sou doce, mas posso me tornar amarga junto a quem assim se sentir. Ofereço beleza, mas, infelizmente, sou colocada na feiura de intenções enganosas. Sou constituída de opostos, como tudo o mais; como a luz e o dia, o frio e o calor… Relaciono-me com minhas irmãs, que são incontáveis, de forma harmônica ou desarmônica, dependendo de quem rege os instrumentos da “sinfonia” que me compõe. Não posso ser solitária o tempo todo! Sou, enfim, contraditória naqueles em que existe tal atributo e, como todo ser humano o tem, é uma de minhas maiores características.

Você me disse seu objetivo: mudança na razão e sentimentos dos homens, para um fim maior. Você os quer melhores do que estão. Pois bem! Faça uso de meu poder. Ele é imenso! É um dos maiores poderes que o ser humano possui. Coloque-me em contato com animais e verás que eles não me entendem. Existo porque fui criada pelos humanos, por eles fui organizada, ganhei significações importantíssimas, tornei-me denotativa e conotativa; fico a vontade em metáforas, analogias, sou o berço da poesia, onde repouso mais bela do que em qualquer outro lugar. Beleza a parte, digo o que tem que ser dito de forma referencial; os jornalistas convivem comigo o tempo todo. Tenho tanto a ensinar; a literatura é a razão maior de meu nascimento. Convivo bem com a coloquialidade, tanto quanto com a rigidez da fala normatizada da gramática. Vez em quando, poderá me encontrar entre as duas, confortável e entendível, principalmente em discursos públicos, palestras, seminários… Sou idiossincrática; sei que você gosta de mim do seu jeito. Gosto de seu jeito de me deixar fazer parte de sua vida. Pense em mim. E, só para deixar claro, não cheguei sem convite. Você estava, sem saber, gritando por mim. Eu ouvi e vim.

_Eu a conheço! Por isso sentia certa intimidade… Você é a PALAVRA.

_Sou. Eu sou o instrumento que você procura para as mudanças que deseja – e acrescentou com uma simplicidade desconcertante – Não me use com arrogância, peço-lhe. Reflita sobre mim. Coloque-me a serviço do bem com humildade. Eu prefiro ser sugestiva a ser impositiva. Obrigada por me acolher no seu lugar e me ouvir sem interrupções.

Dei-lhe um abraço apertado, mas nada cheguei a sentir, pois acordei. Havia sonhado! Mas foi tão real o sonho… Vi-me só. Não! Não estava mais só, não me sentia mais impotente e sem recursos para o que planejava. Estava rica de possibilidades, mas, como usar as palavras? Na forma oral? Escrita? Como fazer? Ela, a palavra, que em sua singularidade foi se organizando em frases como antes, foi quem me respondeu baixinho:

“_Alguém vai ter que acreditar em você. Alguém vai ter que te ouvir, alguém vai ter que te dar espaço. Escreva, não desista…”.

Não desisto, espero. A “minha” palavra um dia terá poder. Até lá, vou escrevendo e convivendo com minhas escritas, acompanhada pela esperança.
P.S. Postei novamente este conto, pois ele continua a ressoar em mim. Espero que gostem.
Beijos a todos que torceram por minha recuperação. Gratidão.
miriangarcia
Enviado por miriangarcia em 15/12/2019
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